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  • A propósito de uma notícia em que um coveiro se recusou enterrar um morto - Abre
    Iniciado por Templa
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Abre-latas

De vez em quando acontecem por aí umas coisas divertidas. Ao menos para quem está de fora e as vê já resumidas no pequeno ou grande linguado de uma notícia, que era assim que se chamavam as notícias antigamente,   quando não havia computadores e o jornal tinha de ser esculpido  à mão,  na tipografia.
Outras vezes,  as coisas que acontecem não são assim tão hilariantes como, quem gosta de dar uma boa gargalhada, desejaria...Mas, vai-se vivendo...
Lembrei-me hoje do abre-latas, esse pequeno utensílio doméstico de utilidade cada vez mais posta em causa,  graças ao invento de um português de cuja imaginação,  um dia,  saiu uma pequena... - desculpem mas não sei como hei-de chamar àquela treta que se levanta numa lata qualquer,  de sardinhas, de salsichas, de ananás etc. e que permite abri-la!...
Daí que tentasse assim relembrar o velho objecto,  de mil e uma formas, com que se abriam  quase todas as latas.
Todas, menos uma, ao que parece... A  do coveiro que, alegadamente - tenho de escrever "alegadamente" porque não  sei e nenhum juiz ou similar decidiu  ainda onde está a verdade - por causa de uns quantos euros que,  segundo ele diz, lhe ficaram a dever e com que, até, ele já poderia ir ao Brasil sambar...
Que grande lata ele mostrou  ali  junto à cova,  logo que o povo saiu,  certamente contrito,  onde o morto acabara de descer, depois de ter dito adeus a este mundo, de loucos, digo eu...
Pois,  se há coisas que devam ser fechadas  de imediato, por Deus, pelos homens ou pelo respeito que se deve a Um e a outros enquanto vivos,  mas também no pós-tumba, é uma cova onde jaza uma criatura!... Neste caso humana.
Mas, parece-me que nem todos levam este dever de cristão, ateu ou outra religião qualquer, até ao fim,  com verdadeira sabedoria...
Isto era para ser pequenito. Mas..., aqui vai uma história:
Era um dos meus sobrinhos pequeno, quando  ia muitas vezes comigo passar os fins de semana na minha aldeia,  onde existia uma casa com arcas cheias de sal,   que era o meu fascínio enquanto não  a assaltei...
Ora, uma vez,  quando lá chegámos e,  muito antes da histeria da gripe das aves, mal entrámos em casa,  onde a Tia Marieta, que morava na aldeia, cuidava de uma capoeira que a minha cunhada, doida por galinhas, lá instalara,  depois de ter comprado um rancho de pintos numa chocadeira automática,  encontrámos uma galinha morta. Naturalmente morta ou doentemente morta,  era coisa que não nos interessava na altura e eu, enquanto "cristã" capaz mesmo de fazer um enterro animal se necessário, tratei  de tomar as previdências para o funeral da bicha. Desde logo, munindo-me de uma pá com que, com pouca habilidade,  diga-se,  cavei buraco suficiente para a morte entrar e não sair jamais de lá.
Depois de pronta a cova,  com a falecida ali perto, preparava-me para lhe dar a última morada,  enquanto o garoto permanecia ali, silencioso e quase a chorar.
Foi quando,  de repente, ele disse, estava a defunta quase a descer tumba:
- Coitadinha da galinha...
Enquanto isso, eu pensava que se ele continuasse até adulto com aquele tipo de comiseração pelas bichanas, é certo e sabido que ninguém o deixaria assistir à morte fosse de que animal fosse. Dizem que custam mais a morrer e, depois, é o sofrimento do bicho moribundo e a estrebuchar que acaba por contagiar toda a gente...Foi a minha cunhada, que é doida por galinhas, quem mo disse e me proibiu, doravante, de estar presente quando ela levasse a cabo uma matança,   depois de em certa altura ter dito mais ou menos o que o miúdo disse...
Mas,   lá acabei por enterrar a ave e, à medida que lhe ia pondo a terra em cima, para desanuviar o semblante do rapazito, ainda assim,  pouco risonho, comecei a brincar com ele e sugeri-lhe que rezássemos uma oraçãozita, pondo de seguida uma cruz de madeira a assinalar a sepultura, tal como se estivéssemos de facto perante um funeral de gente.
O petiz anuiu, já mais ou menos sorridente e, inclusivamente,   ajudou a atar com um fio uma cruz que depois  colocámos lá no sítio onde já só se via um montinho sobre a finada.
A partir daí, o miúdo só me falava da galinha -  para onde é que ela ia e mais isto e mais aquilo,  e eu caí na asneira de estabelecer para as galinhas a analogia do céu das pessoas,  omitindo deliberadamente o inferno,   porque essa parte é sempre a coisa de que menos se gosta no além...
Calhou ser numa fase em que o miúdo começou a ter a percepção da morte e, nesse noite, quando ia para a cama, tendo já certamente ouvido alguma vez falar de almas penadas, lembrou-se de me fazer a pergunta:
-   Ó Titi, e se galinha me aparece?!!!...
-    Se te aparecer, dizes-lhe boa-noite!...
-    Ui, que medo!!!... e o garoto encolheu e estremeceu os ombros.
Um medo dos mortos, como o medo pueril do meu sobrinho,  foi aquilo que o coveiro da notícia não teve, nem pelos vistos terá algum dia...De contrário, teria cobrido - sim cobrido e não coberto -  o falecido com os sete palmos de terra que lhe pertenciam, não fosse o morto ou a  sua alma tomá-lo de ponta por ele cumprir o horário do fecho do cemitério assim tão à risca, deixando-lhe a sepultura meio aberta, meio tapada... Ou mais ou menos...Com todo o respeito que o caso me merece...Ó mundo de loucos!..
E pronto! Aqui está o meu abre-latas de domingo, 27 de Maio de 2007.

Templa


Templa - Membro nº 708

Muito interssante. Essa criança já tinha a noção da morte e certamente já tinha ouvido falar em aparições. Todavia, para felicidade dela conheceu uma galinha viva, enquanto que a maioria dos miúdos da cidade, só conhecem os bichinhos mortos e no supermercado. Muitos deles desconhecem até que um dia, enquanto vivos, eram bichinhos com penas.

É verdade, caro oculto. A maioria das crianças sabe vagamente que o leite não nasce do pacote.

Abraço
Templa - Membro nº 708

Estimada Templa, eu tive de utilizar um grande abre-latas para desenterrar este tópico que me pareceu muito bom. Parabéns. às vezes as pessoas não sabem o que perdem quando esquecem documentos do passado.

Pois, ás vezes sabe-me bem recordar as coisas velhas e não é raro dar comigo a pensar: Fui eu que escrevi isto?

Tenho talvez cinco centenas de escrita assim, avulsa.

Abraço, caro oculto

Templa
Templa - Membro nº 708


Magnífica prosa, parabéns.
Dum assunto quase banal, conseguiste um relato delicioso.

Olá Arph, Hoje, não sei porquê, lembrei-me de umas campas de crianças que existem no cemitério da aldeia onde nasci. Estão encostadas à parede sul do cemitério, mas,  em vez de estarem alinhadas no mesmo sentido das outras, estão atravessadas. A razão? ::) ::) ::) ::) Foi por terem morrido sem estarem baptizadas :'(

Abraço


Templa
Templa - Membro nº 708