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  • Deambulações interiores ou crónica do vazio
    Iniciado por Templa
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O vazio preenche-me. Estou repleta de vazio. Mas não sei se me apetece despejar-me do vazio para me abrir a outras coisas menos vazias que andem por aí à espera de que alguém se preencha com elas. Será que ainda haverá coisas imunes ao vazio?
Os dias, os meus e os dos outros, andam carregados de vazio. Andam frios e soturnos como o calendário deste principiante mês de Dezembro continuamente aberto às bátegas desenfreadas do céu, o último limite para vazios semelhantes ao meu, aqui onde o vazio é a regra.
Não é só por causa do tempo, cinzento e molhado, que o vazio se passeia por aqui, amordaçando-me, a mim e aos outros, dentro de um mal-estar recorrente em que o país se cobre de sucessivos vazios. E, deste vazio não sei a origem. Apenas sei que há muito o sinto como um oceano, aparentemente silencioso, calmo e avassalador, paulatinamente a inundar a terra onde outrora Afonsos e Manueis depositaram tantas esperanças de boas venturas. Ou talvez saiba de onde provem tão grande vazio!...
Olho em redor. A casa está letargicamente desarrumada. Olho de novo. A casa é o reflexo de quem a habita, todos quantos submergem no meio do caos  e incapazes de virem à tona  da esperança.
Daqui, deste vazio, olho para outras e outras casas aglutinadoras de mil vidas e vejo igualmente espelhado, em todo o lado, o vazio de quem há muito não vislumbra destinos luminosos, perguntando-me:
- Porquê tanta desordem? Porquê tanto caos, íntimo e não íntimo a encher com o pó da indiferença as coisas que há muito deixámos de acariciar por não as considerarmos dignas de atenção e de empenho?
De novo, no meio deste vazio, deixo-me acariciar pela letargia que uma exógenia corrosiva me impõe impiedosamente. Não posso esbracejar, daqui deste charco de águas paradas. A força de mil braços afundar-me-ía até repor outra vez o cheiro fétido a morte que se espraia por toda a casa. O difícil o impossível são as grandes palavras de ordem para tudo continuar inerte, à espera que o tempo lhe atribua o estatuto anacrónico das coisas sem sentido.
Questiono-me sobre a razão por que batemos tão no fundo. Questiono-me acerca dos males que nos empurram continuamente para o abismo e não vejo nas mentes nada de brilhante capaz de nos arrancar de lá. A falta de racionalidade é atroz, perdidos que andamos em coisas comezinhas, pouco exigentes em audácia, empenho, persistência e, sobretudo, em alegria. Deve ser  porque a vida deixou de ser Vida grande para se transformar em mera sobrevivência,  vida pequena que  adquire um pequeno sentido em cada final de mês.
Daqui, deste vazio, pergunto-me vezes sem conta como poderei continuar a sobreviver durante os anos que me restam de vida activa. Pergunto-me se do caos algum dia emergirá a ordem onde me possa rever sem os vazios intransponíveis de hoje. A nova estrela socrática, preocupada com as contas da nação, indica-me um caminho árduo e penoso de onde todo e qualquer acto lúdico no domínio laboral parece estar arredado.
Tudo continua a apontar para sucessivos vazios.
E no meio de tanto caos, surge-me um pensamento hiperbólico: talvez os nossos governantes devessem contratar palhaços ou comediantes capazes de colocarem um sorriso no rosto de quem labora para que o trabalho flua com alguma alma.
É isso mesmo! Alma, muita alma, é disso que o trabalho, dos novos e velhos, precisa para que a desordem dê lugar a uma harmonia imune às grandes fífias de tantas orquestras em dissonância. Na impossibilidade de encontrar líderes carismáticos, racionais, competentes e empenhados, com psicologia suficiente para fazerem brotar no rosto de tantos trabalhadores mortos-vivos sorrisos de respeito e anuência por boas ordens, a filosofia governativa deveria apostar mais na componente lúdica: palhaços e comediantes como antídoto das nossas contínuas caras de Sexta-feira 13.
Respeito e gosto muito de palhaços, comediantes... E é por isso que sugiro uma aliança com os outros, a fim de que o meu trabalho possa redundar numa permanente alegria e gosto pelas coisas, livre dos vazios que hoje me atormentam.


02/12/2005.


( Hoje, passados 4 anos e meio após o meu desabafo, dou-me conta de que tudo continua igual)



Templa - Membro nº 708

Hoje, passados 9 anos verifico que tudo continua na mesma.
Templa - Membro nº 708

Querida Templa, eu já passei por muito durante a minha vida, apesar de só ter apenas 24 anos, e ainda hoje apesar de tudo estar "resolvido" ainda sinto por vezes um vazio interior...Há coisas que nem com o tempo passam, são dores tão profundas que não saram, por mais que tentes...Apesar de aos olhos dos outros parecer bem, não é bem assim às vezes é um sentimento que nos persegue apesar de tudo, como se de repente ficassemos sem chão...A única coisa coisa que me dá impulso para seguir é o irmão, a minha namorada que amo e a profissão que eu adoro
Espero que tudo de corra bem e as maiores felecidades.
Cumprimentos, cody
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

Olá, Cody, de facto eu aqui tratei dois vazios, o meu da altura, momentâneo, interior e um vazio de ideias, politico que esse sim, mantém-se e persiste até com mais gravidade de que há 9 anos.

Obrigada por responderes.

Abraço
Templa - Membro nº 708

Hmm... parece que estás a falar (de certa forma), do famoso, Vazio Existencial? :-\
✔ Não reze por uma vida fácil, reze por forças, para suportar uma difícil. (Bruce Lee)

Citação de: anormal em 15 junho, 2014, 02:09
Hmm... parece que estás a falar (de certa forma), do famoso, Vazio Existencial? :-\

É isso mesmo, um vazio que se tem vindo a agravar e a perpetuar no tempo.


Abraço
Templa - Membro nº 708

#6
todos nós temos um "vazio" nalguma área da vida que é muito dificil de preencher.
Iei Or (faça-se luz)
Shalom Aleichem

sofiagov
querida Templa, gostei muito deste desabafo se assim posso dizer, e esse vazio já dura há muito... :-[

mas creio que vazio existenciais sejam momentâneos ou longos , pior mesmo é o vazio interior.

Provável que seja necessário viver este supostos vazios...serão também parte da nossa experiência e existência, um mal necessário, embora por vezes incompreendido pelos outros .
Somos nós que o sentimos e não conseguimos repassá-los.
beijinhos  :-* :-*

Não querida, aquele específico vazio de mim própria estava circunscrito ao dia em que escrevi a crónica, mas o vazio e a descrença no país e no estado da nação perduram até hoje. Eu lembro-me que quando fui trabalhar para aquele sítio onde escrevi,  era uma alegria mesmo acordar e ir para o trabalho,  porque acreditava no mundo, na bondade e seriedade das pessoas. Hoje em dia é um sacrifício, para a maioria das pessoas,   enfrentar invejas, incompetências, baixos ordenados, exploração e maldades que levam aos vazios que descrevi e à descrença. Repara que escrevi em 2005.

Abraço e obrigada

Templa
Templa - Membro nº 708

sofiagov
Citação de: Templa em 16 junho, 2014, 16:02
Não querida, aquele específico vazio de mim própria estava circunscrito ao dia em que escrevi a crónica, mas o vazio e a descrença no país e no estado da nação perduram até hoje. Eu lembro-me que quando fui trabalhar para aquele sítio onde escrevi,  era uma alegria mesmo acordar e ir para o trabalho,  porque acreditava no mundo, na bondade e seriedade das pessoas. Hoje em dia é um sacrifício, para a maioria das pessoas,   enfrentar invejas, incompetências, baixos ordenados, exploração e maldades que levam aos vazios que descrevi e à descrença. Repara que escrevi em 2005.

Abraço e obrigada

Templa

no que descreveste agora compreendo-te e bastante... :-*