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  • As tricas do meu avental
    Iniciado por Templa
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Julgo que, há muito, o meu avental diz mal de mim... Não sei a quem ou a que almas relata queixas sobre a dona, já que lá por casa não há muitos ouvidos para lhe alimentarem a má-língua e, muito menos, as lágrimas de crocodilo que dele possam escorrer, transformando-o num miserável queixinhas. Nem sequer uma bata feminina para lhe aturar a caturrice de velho debotado pelo tempo e pela água, que às vezes lhe entra pela barriga causando-lhe alguns arrepios de frio e, eventualmente, alguns palavrões. Por isso, tenho a certeza de que não perde uma oportunidade de me cortar na casaca e de me deixar mais retalhada do que couves-galegas prontas para entrarem numa panela de caldo-verde. 
Deve ser por causa das suas funções amortecedor e tapa águas, sobretudo, porque o destino dele é levar sempre com os salpicos de tudo e mais alguma coisa de que, em princípio, eu seria destinatária. Além do mais, deve estar farto das merdices que eu, sempre que encontro uma coisa qualquer perdida ou a mais nos cantos da casa, lhe meto no bolso, por não ter logo ali à mão o caixote do lixo. Ele é lenços de papel usados e com algum pingo dentro, já ressequido, uma moedita sem grande valor, tanto facial como nominal e coisitas do género.
Quando não está à minha frente, virado para a banca da cozinha, como se estivesse à janela de mim própria, também não deve gostar nada de viver pendurado atrás da porta, ao lado das vassouras, dos panos do pó e, principalmente, da esfregona, a quem muita gente chama "badalhoca", talvez por ela se esfregar no chão mal o primeiro pretexto de sujidade apareça gritando pelo seu nome para a respectiva esfregadela.
Agora que penso no assunto, deve ser com esta gentinha toda que o meu avental anda de trica acerca de mim. Quando está à minha frente, das duas uma: ou fica contente por estar em primeiro plano, relativamente aos acontecimentos da minha cozinha, ou, então, além de não ter comigo um grande de ângulo de conversa, pode acontecer que lhe falte simplesmente a coragem para me dizer, barriga a barriga, o que pensa acerca das minhas pretensas desconsiderações para com ele.
Assim, deve ser com os colegas de dependuro que me rói na pele, atribuindo-se uns aos outros elogios mútuos, enquanto me rogam pragas conhecidas e inventam outras novas para se fazerem de engraçadinhos junto do Maligno.
Um dia destes tenho de perguntar a todas as minhas amigas e a alguns amigos acerca do tipo de relação que cada um tem com o seu avental e se, por acaso, se sentem igualmente alvo das tricas deles, circunstância em que seria até motivo para se tomarem algumas providências mais drásticas. Eventualmente, passar-se ao despedimento de todas as criaturas cujas sessões parlamentares têm, normalmente, lugar atrás da porta da maioria das cozinhas. Embora isso pudesse desencadear uma revolta extensível aos aspiradores, dos mais simples aos mais sofisticados como o meu, que é um pequeno faz-tudo.
Não!... É melhor não fazer ondas e ignorar, tanto as tricas do meu avental como a das vassouras, apanhador de lixo, esfregona e panos do pós, pela simples razão de que não posso dispensar nenhum deles... Muito mais inteligente, é ignorar-lhes a vocação de conversadores do soalheiro que, não tendo na cabecinha nada mais com que se preocuparem, tecem a vidinha deles a custa de banalidades, sem nenhuma contribuição para a despoluição do planeta Terra, onde também hão-de morrer esturricados pelo aquecimento global.
Além de tudo, as tricas, quase sempre de inspiração maligna, não deixam de ser o melhor contributo para a criatividade humana.
Assim, querido avental, não penses que, porque às vezes estás à minha frente,  como este ecrã de computador – não é lá uma grande similitude mas agora não me ocorre outra – me fazes tremer de raiva ou de indignação com as tuas tricas! Tal como tu és bom a "tricotar" na minha lã e no meu pêlo, eu sou ainda melhor a molhar-te a barriga e a dar-te banhadas de indiferença.
Já agora, a pretexto da grande máxima que, tendo já uns anos, evoco aqui neste dia - "A inutilidade  tem uma enorme utilidade" – faço-te aqui uma espécie de elogio, enquanto te digo:
- As tricas do meu avental, que és tu, servem ao menos para teres dois miseráveis minutos de atenção!
Se tudo isto te faz feliz, faça-se a felicidade à tua medida!

A tua dona

Templa
Templa - Membro nº 708