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  • Os fantasmas do casarão
    Iniciado por Templa
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Era um casarão enorme, construído no século XIX e morava lá uma grande família. Pertenciam à nobreza e eram oriundos de Trás-os-Montes, onde possuíam inúmeras terras. Tinham seis filhos, quatro raparigas e dois rapazes, um dos quais fora ordenado padre no seminário do Porto, ali perto da Rua D. Pedro V, onde entretanto fixaram residência, na mesma rua de forte declive, pejada de árvores e fronteiriça ao rio. A casa fora comprada a um nobre falido, tinha seis quartos de pé alto e teto de estuque, onde se viam alguns relevos de padrões vários. Sobretudo ligados à monarquia. E se a riqueza de pormenor era grande nos aposentos de cada um, nas salas o requinte redobrava. Como, aliás, em todo o mobiliário que a decorava e que assim ficaria para o resto da vida, sem grandes mudanças. A não ser um ou outro quadro dos Mestres Amadeu de Sousa Cardoso e Silva Porto, de entre os portugueses, e um ou outro estrangeiro, sobretudo ingleses como Edmund Leighton, que,  já num período de decadência, de lá foram removidos, bem como parte do mobiliário,  entre o qual se encontrava um velho contador vindo da índia.
Já o exterior mostrava-se como um bom exemplo de arquitectura romântica. De dois pisos encimados por uma águas furtadas, embora por dentro todas as janelas fossem de madeira, por fora eram de vidro aos quadrados,  como vitrais, apresentando-se alguns pintados de cores fortes, de azul, que pesava de certa forma no rosa velho  da pintura de toda a casa
O velho, Álvaro Cabral, desde que se mudara, ainda jovem, para a cidade, depois de casado e já com as três filhas mais velhas, para não deixar morrer-lhe o título de Conde nas mãos sem elas terem experimentado alguma vez o trabalho, começou a dedicar-se à exportação do vinho produzido nas suas quintas durienses. E, como tinha de dar de comer a muitas bocas, para aumentar a fortuna e deixar como herança aos descendentes coisa que se visse, tornou-se num importador de tecidos da Escócia, de onde vinha o tweed e a caxemira com que a alta sociedade portuense mandava fazer nas modistas, alfaiates  e chapeleiros conceituadas da época  a luxuosa roupa  e  os chapéus  para os mostrarem nos  passeios de domingo. na  Avenida dos Aliados e nos passeios à beira-mar na Foz do Douro.
Tanto o interior da mansão como o exterior eram imponentes expoentes da arquitectura dos finais do século, de um romântico que se impusera como um estilo de época. No grande jardim existia um lago pequeno, decorado com peixes em granito e uma pequena sereia ao centro. Havia também uma quantidade de plantas exóticas e nem sequer faltava uma palmeira de grande porte,  quase à entrada, do lado esquerdo. Mais ao fundo, antes das casas de arrumos do género rural e das cavalariças, viam-se inúmeras japoneiras de cores diversas importadas do Japão,  que cresciam ao longo de uma estreita avenida  e  floriam no inverno,  pejando o chão de pétalas secas quando as Hortenses vindas  expressamente  dos Açores  principiavam a despontar na primavera.
De resto, havia mais duas ou três árvores e  ainda dois caramanchões,  que completavam o ajardinado, praticamente encostados a uma outra casa do mesmo estilo situada  do lado direito do portão, por onde entrava,  inicialmente a carruagem e, um pouco mais tarde, os carros da família,  que entretanto prosperara, tanto com o Vinho do Porto como com a matéria-prima trazida da Escócia.
Nos anos 40, já todos os filhos do velho Conde Cabral tinham casado, uma delas com um escocês, que conhecera através dos negócios de caxemira e tweed do pai. O mais novo dos rapazes ficará lá pelo Douro,  a tratar das quintas e do vinho. Já o Padre António, o mais velho, depois de ter celebrado missa, realizados casamentos, feito baptizados e enterrado centenas de mortos, começava a apresentar sinais de demência aos quarenta e poucos anos. Por causa disso, foi obrigado a retirar-se do sacerdócio, indo para a casa da Rua D. Pedro V, perto do seminário onde fora ordenado.
Os moradores da casa estavam reduzidos a quatro, o velho Álvaro Cabral a Dona Amélia, António e a velha criada Lurdes, uma solteirona sem ninguém que foi cuidando dos três enquanto não morreu de pneumonia. As filhas do casal, dispersas por Lisboa e Edinburgh, raramente visitavam os pais que, depois da morte de Lurdes e com a demência de António a intensificar-se de dia para dia em ataques violentos, nunca mais conseguiram arranjar alguém para os servir como antigamente. As criadas não paravam lá, incomodadas com os gritos de António cada vez mais violento, enquanto uma esclerose múltipla se ia apoderando dele impedindo-o de se mover.
António  passava dias e dias amarrado à cama,  para não cair nem desferir murros por tudo e por nada nas paredes, portas e janelas. E, para que os seus gritos não se ouvissem na rua, foi colocado num quarto interior e escuro, de arrumos, no rés-do-chão, onde, para o obrigarem a dormir, depois dos chás  que lhe davam para o efeito, lhe apagavam a luz ao som dos seus gritos horríveis. A escuridão deixava-o sempre muito transtornado.
O casal acabou por morrer, depois de deixar em testamento a uma das últimas criadas que tinham conseguido arranjar uma quantia razoável para ela tratar do filho enquanto este vivesse, deixando-lhe igualmente o usufruto da casa. Era a Celeste.
A mulher, mal se apanhou com o dinheiro, fazia tudo menos tratar do pobre do homem. As irmãs interessavam-se pouco pelo assunto, nunca o iam ver arranjavam contínuas desculpas como o facto de não suportarem ver o irmão naquele estado deprimente. O único que o visitava algumas vezes era o irmão mais novo, Artur, mas passava pouco tempo com ele. A mulher dele, com o mesmo desinteresse das irmãs, dizia que António estava a ser bem tratado e nunca questionou a magreza a insinuar-se de dia para dia, deixando-lhe os ossos à mostra.
António faleceu passados dois anos, com 50 e poucos quilos, quando começou a rapina aos bens valiosos da casa, os quadros, o mobiliário e parte das louças feito pelos irmãos.
A seguir, Celeste instalou-se com toda a família. E, uma vez que a casa só seria dela enquanto vivesse, começou a desleixar-se. Os estuques dos tetos principiaram a cair, as madeiras foram apodrecendo e os jardins, a pouco e pouco, transformaram-se numa selva densa onde era impossível entrar, com as  japoneiras a entrelaçarem-se  umas nas outras e os caramanchões vergadas ao peso de dois anos em que nenhum jardineiro lhe deitou a mão.
A criada, mal se instalou depois da morte do padre, não demorou muito tempo, começou a emagrecer a olhos vistos, sem os médicos descortinarem porquê e, ainda não tinha decorrido um ano, teve ela de abandonar a mansão dentro de um caixão, tão magra e transfigurada como António quando morreu. O resto da família dela , depois de desbaratado entretanto o dinheiro que o velho conde  deixara para ela tratar do filho, foi viver para uma ilha no Campo Alegre, ali perto.
Depois das partilhas, a casa calhou a Artur e, desde logo, ele tratou de a restaurar. Levantou o estuque, tratou das madeiras. Sobretudo, limpou a mata em que o jardim se transformara.
Após isso, tratou de a arrendar.
Pouco tempo depois, os novos moradores começaram a sentir coisas estranhas em casa. Eram portas que se abriam, móveis a arrastar pelo chão e nos jardins, mesmo que a noite estivesse amena, levantava-se uma ventania como se por ali estivesse a passar um furacão. Os ruídos percorriam a casa toda e intensificavam-se perto da cozinha,  onde às vezes apareciam restos de comida espalhados pelo chão, e ninguém sabia como tinham ido lá parar.
Até que os moradores se cansavam daqueles inimigos invisíveis que não os deixavam dormir e se iam embora, dando uma desculpa qualquer a Artur. E este arrendava-a de novo.
Foi assim duas ou três vezes, até que um dos moradores mais afoitos, ao entregar de novo a chave ao dono, depois de abandonar a casa, lhe disso o que se passava. A casa era um inferno, viam-se sombras por todo o lado, talheres a cair do nada, como se estivessem em mãos invisíveis e, sobretudo, gritos horríveis vindos do quarto interior do rés-do-chão, onde a lâmpada nunca conseguira acender.
Depois de Artur ir falar com os anteriores inquilinos, convenceu-se de  que a casa tinha qualquer coisa de mal, fosse o que fosse e,  como o dinheiro da renda nunca lhe fez falta, acabou por deixá-la abandonada e a deteriorar-se de novo, enquanto a selva do jardim se adensava por ali dentro e as ervas cresceram sem controlo durante mais de 20 anos.
De vez em quando, era obrigado a desbastá-las e a cortar as árvores que davam para a casa do lado, mas limitava-se a isso. Até ele próprio, mal soubera das coisas, principiara a sentir um enorme desconforto quando lá ia. Por isso, evitava confrontar-se com os fantasmas da casa. Até começar a pensar nos pais ou no irmão padre como as almas penadas que por ali andariam eventualmente.
Corria a década de 60 quando Maria do Carmo, com seis filhos pequenos para criar, ficou viúva. O marido trabalhara numa fábrica de tecidos na Senhora da Hora e ia todos os dias a pé da ilha do Campo Alegre onde morava, perto da família de Celeste.
Com muito trabalho, pouco dinheiro e uma grande família, acabou por morrer de tuberculose e a mulher, sem dinheiro para pagar a renda, foi  despejada dos 20 metros quadrados onde morava,  entrincheirada e  com os filhos a dormir em cima dos outros.
Até que o dono da fábrica onde o pobre João trabalhava, depois de a família, por causa dos tecidos, se ter relacionado com o velho Conde Cabral e com os filhos, se lembrou da mansão abandonada, acabando por falar a Artur da mãe e dos seis filhos, sugerindo-lhe que lhes emprestasse a casa.
- É um favor que me faz. Não gosto mesmo nada de a ver assim. Mas custa-me fazer-lhe isso. A casa onde passei grande parte da minha infância e onde fui tão feliz está assombrada... Até lha dou, se a quiser – disse Artur à mulher.
- Não faz mal. O que está e eu preciso desesperadamente de dar um teto aos meus filhos. Hei-de dar-me bem com quem lá estiver e rezarei para ninguém nos fazer mal.
- Sobretudo, tenha cuidado com o quarto interior perto da cozinha. É lá que as piores coisas acontecem...
Já Maria do Carmo estava instalada com os filhos e, depois de ter evitado durante algum tempo o quarto escuro de onde, sobretudo durante a noite, ouvia gritos enquanto rezava para tudo passar, um dia encheu-se de coragem e, pegando na chave pendurada num armário da cozinha, abriu a porta, vendo de imediato dois vultos. Um era o de uma mulher cadavérica e outro o de um padre envergando a sua batina negra. E quando acendeu a luz disse como se falasse para alguém:
- Boa noite.
Depois, ouviu uma voz de homem dizer:
- Obrigada pela tua coragem, obrigado por nunca teres tido medo de mim, obrigada pelas tuas orações, obrigado pela luz.
No mesmo instante os dois vultos dissiparam-se e a casa ficou tranquila.
- A mulher era a Celeste. O que teria ela feito para permanecer agarrada àquele lugar? Será que alguma vez tratou bem o pobre do senhor? – Pensou Maria do Carmo ara com os seus botões - Que Deus lhe perdoe.
Artur, finalmente, cumpriu o prometido. Afinal, a mulher libertara o irmão do inferno onde ele viveu enclausurado durante 10 anos em que lá viveu como gente e  20 enquanto espírito que  ali aprisionou igualmente a mulher que o matara à fome e lhe apagava a luz.
Deu-lhe a casa.

PS – Esta história é total e completa ficção no que respeita à mansão. Não conheço, nem nunca conheci,  nenhuma casa assombrada na Rua D. Pedro V, no Porto.
Todavia, a parte final foi baseada em factos que me narraram oralmente.

Templa
Templa - Membro nº 708

#1
Por favor, quando é que cortam ou substituem o primeiro tópico pelo segundo?

Muito obrigada.


Templa
Templa - Membro nº 708

Já está Templa! :)
Peço desculpa, mas não me tinha apercebido antes da situação!

anokidas
Parabéns Templa! está muito giro,realmente existem histórias que nos fazem pensar... :)

Obrigada a ambos, embora contenha ainda 2 ou 3 pequenas gralhas, mas o leitor, ao fazer a leitura,  dirá logo que são isso mesmo.


Abraço

Templa
Templa - Membro nº 708