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  • Nevoeiro - Fernando Pessoa,... uma explicação
    Iniciado por Fireflight
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"
NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.


Ninguém sabe que coisa quere.
Ninguém conhece que alma tem,
nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ância distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...


É a Hora!"

Fernando Pessoa em Mensagem


"O poema "Nevoeiro" é o último poema da Mensagem. Enquadra-se na terceira parte do livro, dedicada ao Encoberto.

O título do poema vem no seguimento dos outros poemas da secção "Os Tempos". Ao longo desta série de cinco poemas Pessoa descreve, metaforicamente, desde um passado remoto a um futuro ainda sem data, a evolução de Portugal. Como bem se compreende, o titulo deste último poema pretende comunicar um misto de indefinição e de segredo. "Nevoeiro" é uma substância mutável, que esconde como um véu uma outra realidade, que a surgir, apenas surge quando afastado esse véu.

Pessoa considera Portugal num estado letárgico, indefinido, como um manto de nevoeiro. Por isso ele diz "Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e ser / Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer –". É a tal "crise de identidade" que refere na sua pergunta. É uma crise tão profunda, tão sedimentada, que não haverá nenhuma mudança pelo governo dos homens. Nem a guerra – mudança das mudanças – poderá demover Portugal do seu triste estado.

Como um "brilho sem luz", Portugal vive, mas é uma vida triste e inconsequente, sem destino.

A segunda estrofe confirma o que foi dito na primeira. Depois de desenhar o perfil psicológico macroscópico, Pessoa passa ao nível microscópico – das almas individuais. São elas que não sabem o que querem, nem tão pouco se conhecem, inevitavelmente caindo num decadente vazio moral. Como o país, os seus habitantes partilham do mesmo destino, são porções ínfimas que constituem o "Nevoeiro" que se vê mais do alto.

A expressão entre parênteses é, na minha opinião, o momento de viragem do poema. Embora ele seja em essência triste, neste momento começa a exortação à mudança. Isto porque a descrição que Pessoa faz é positiva, mesmo que use de negatividade para enfatizar o seu discurso. Por isso este parênteses exactamente no meio da segunda estrofe – como uma quebra da negatividade e começo da exortação à mudança, a melhores tempos. António Cirurgião (in O olhar esfíngico da Mensagem) diz-nos que há aqui uma inteligente simultaneidade, reiterando o poeta o que disse no poema "Calma" sobre uma ilha próxima e distante. Fá-lo para nos fazer acreditar na mudança, mesmo que paradoxal ela é possível. Ele dirá como.

Esse como é a profecia. Não é só Portugal que é nevoeiro, tudo é nevoeiro – diz-nos o poeta. O mesmo é dizer que em tudo há mistério e possibilidade de mudança. Se a indefinição é má, é positiva do ponto de vista de ser maleável, fonte de todas as mudanças futuras.

Nesta perspectiva o passado não é mais do que uma ponte para o futuro. Os grandes triunfos no mar, as conquistas materiais, tiveram o seu tempo e existiram para serem passageiras, foram uma lição de humildade. A recompensa não é da terra, é dos céus e deve nos céus ser procurada. Senão as conquistas não teriam feito do país "Nevoeiro".

Fonte:umfernandopessoa.com

Achei interessante... :)
"É sinal de uma mente educada, ser capaz de entreter uma ideia sem necessariamente aceitá-la."-Aristoteles


Citação de: Fireflight em 12 setembro, 2012, 21:07
Pessoa considera Portugal num estado letárgico, indefinido, como um manto de nevoeiro. Por isso ele diz "Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, / Define com perfil e ser / Este fulgor baço da terra / Que é Portugal a entristecer –". É a tal "crise de identidade" que refere na sua pergunta. É uma crise tão profunda, tão sedimentada, que não haverá nenhuma mudança pelo governo dos homens. Nem a guerra – mudança das mudanças – poderá demover Portugal do seu triste estado.

Afinal, não é de agora a letargia dos portugueses, já Fernando Pessoa constatava esse facto. ;D

Pois não, isto já se arrasta há algum tempo....
"É sinal de uma mente educada, ser capaz de entreter uma ideia sem necessariamente aceitá-la."-Aristoteles