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  • O Vazio. O centro da roda
    Iniciado por KALKI
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O Centro da Roda



A noção de Wu, o vazio que habita o âmago de tudo que existe é o principal fundamento que confere coerência à filosofia daoísta e eficácia e profundidade à medicina chinesa e suas práticas. "É essa vacuidade", lembra Lao Zi (Lao Tzu), "que faz as coisas vivas; sem Wu algo seria apenas um peso morto". E ilustra: "é somente o espaço vazio que torna útil a xícara de chá. É a cavidade no centro que permite a roda girar. São as portas, as janelas e o espaço vazio entre as paredes que fazem da casa um lugar habitável".
É por meio de Wu que emerge o Qi (Chi), o Sopro, "o agente do movimento" que, partindo da vacuidade do Céu Anterior, delineia e anima o mundo das formas, sob a regência de Shen, o Espírito Criativo. Shen é o "poder ordenador do campo", a força configuradora que demarca os caminhos do Qi e qualifica suas funções. É o Yang do Dao, a Consciência da Existência, o Mensageiro do Céu.
A rigor, contudo, Qi e Shen não são dois. Juntamente com Jing, a Essência ou o "pano de fundo da existência", constituem o San Bao, que se traduz por os Três Tesouros. São os três aspectos fundamentais do Dao, a tríade unitária que habita o Céu Anterior e se mobiliza a partir de Wu. Numa alegoria musical, Jing é a escala que serve de "prima matéria" para todas as sinfonias; Qi representa os músicos que produzem os sons e a harmonia; Shen, o Grande Regente, é o maestro–compositor.
Wu, portanto, não é somente um conceito filosófico ou uma abstração teórica – Wu é real. Como todas as idéias diretrizes chinesas, a noção de Wu evoca um grande poder de efetividade. Na esfera humana Wu se faz presente nas cavidades internas, nos orifícios sensórios e em todos os espaços vazios do corpo, onde o Shen orquestra o fluxo da vida e promove os diálogos entre as dimensões sutis e concretas do ser e entre o ser e o mundo.
Mas a mais completa tradução de Wu se revela nos minúsculos pontos que articulam o Jing Mai, a ampla rede dos Vasos e Meridianos que demarcam os caminhos do Qi ao longo do território corporal. O termo chinês que designa esses pontos é Xue, que se traduz por cavidade, fenda ou caverna. E é o que esses pontos de fato representam: como os poros da pele, são pequenas perfurações na substância corporal, vias de mão dupla para o fluxo unificador do Sopro. Mas são cavidades profundas, verdadeiros buracos brancos no espaço, minúsculas aberturas para o vazio fértil que matricia o corpo. É por eles que o remoinho espiralado do Qi entra e sai da existência sem cessar.
E da mesma forma que os Vasos e Meridianos não são propriamente "canais" condutores de alguma coisa que flui, mas o próprio fluxo em si marcando suas rotas no solo corporal, os pontos são as instâncias em que essas "linhas de ação" se articulam, mobilizando o potencial interno e ajustando sua dinâmica às condições do entorno. São regiões pontuais onde os Meridianos – basicamente assentados no nível dos tecidos da fáscia - emergem a superfície da pele e se abrem às influências do mundo. Esses pequenos Wu exercem, assim, uma função homeostática provendo reequilíbrios contínuos nas interações do interno e do externo.
Na alquimia daoísta esses santuários são, por vezes, referidos como "cavernas do Shen", numa alusão ao aspecto espiritual que rege a dinâmica do Qi e tem ali seus "domicílios". O que implica dizer que, a rigor, o modelo organizador do corpomente mapeado pelos chineses bem como as práticas curativas da sua respeitável medicina têm o seu funcionamento solidamente enraizado no poder ordenador do Shen. E é precisamente assim – "enraizado no espírito" – que se traduz o termo Ben Shen que dá nome ao Capítulo Oito do Ling Shu, texto fundamental do clássico Nei Jing, considerado a bíblia da medicina chinesa.
Praticamente excluído da escola designada no Ocidente de Traditional Chinese Medicine – modelo reformulado em 1958 por Mao Tse Tung e apoiado basicamente no texto Su Wen, de enfoque mais fisiológico –o cânone Ling Shu (Eixo Espiritual) apresenta as bases espirituais que originalmente nortearam todo o universo das práticas médicas chinesas. E, ao descrever as esferas intemporais e não-localizadas dos fenômenos psíquicos e espirituais – o universo não visível do Céu Anterior – o Ling Shu prescreve a abordagem apropriada a esses domínios profundos onde também os padrões patológicos têm suas raízes. E essa abordagem envolve mais do que inserir agulhas ou tocar nos pontos de intervenção. Envolve igualmente a utilização - de certa forma compartilhada com o paciente – dos símbolos e imagens (como o rico significado dos nomes dos pontos) que a intuição e o insight dos antigos sábios da alquimia daoísta forjaram para acessar as dimensões inconscientes do ser e, dessa forma, fazer da sua medicina uma terapia do corpo e do espírito.
Mas no mundo nada se perde. Releituras desses clássicos hoje considerados apócrifos têm atualmente surgido aqui e ali, e é de se esperar que muito em breve a – de qualquer forma valiosa – a medicina tradicional chinesa resgate seus conteúdos negligenciados e restaure sua completude original.
A verdade doi, mas liberta

É engraçado a diferença de perspectiva sobre o Vazio entre o Ocidente e Oriente. Aqui o vazio e visto como algo mau, algo que nos perfura por dentro e nos deixa insatisfeitos e incompletos, enquanto que no Oriente e visto como algo bom.

Citação de: Forbidden em 04 janeiro, 2016, 12:37
É engraçado a diferença de perspectiva sobre o Vazio entre o Ocidente e Oriente. Aqui o vazio e visto como algo mau, algo que nos perfura por dentro e nos deixa insatisfeitos e incompletos, enquanto que no Oriente e visto como algo bom.

É isso .... por isso é que o Oriente nos ensina a ter a taça (mente) vazia, uma taça cheia não consegue receber mais informação, fica assim limitada para outros estagios de consciência.




A verdade doi, mas liberta

Citação de: Forbidden em 04 janeiro, 2016, 12:37
É engraçado a diferença de perspectiva sobre o Vazio entre o Ocidente e Oriente. Aqui o vazio e visto como algo mau, algo que nos perfura por dentro e nos deixa insatisfeitos e incompletos, enquanto que no Oriente e visto como algo bom.
Tal como escreveste, há o Vazio e o vazio.

O Vazio é uma necessidade, para que a Vida surja e se possa recriar.

O vazio é um espaço onde nada consegue subsistir, por muito que tentem enchê-lo.
"Cedo ou tarde você vai perceber, como eu, que há uma diferença entre conhecer o caminho e percorrer o caminho". 
(Morpheus, The Matrix)