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  • Sobreviver ao Berço
    Iniciado por cepticooucrente
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Muita tinta já correu acerca da dor terrível que perder um filho ou uma filha causa a um pai e/ou a uma mãe. Afinal de contas, o que menos se deseja – e espera! – quando se tem um/a filho/a é que exista a possibilidade de vê-lo/a morrer. Embora exista essa possibilidade, em condições normais é muito remota, praticamente impensável. Contudo, e sabendo já que haveria muito para dizer acerca disto, volto a repetir-me: muita tinta já correu sobre este tema. Quero, hoje, aproveitar a "tinta" para me focar noutra perda: a invertida. A expectável. A do berço.

Desde que entrei na faculdade que tive de lidar com a ausência física da minha mãe. Foi uma escolha: entrei onde quis, porque quis e jamais me arrependi ou arrependo. Já lidava com a ausência física do meu pai há uns anos, porque ele é uma das muitas pessoas que saiu de Portugal à procura de uma vida melhor. Com essas ausências, tornei-me mais consciente do amor que sinto por ambos. Sempre existiu, sempre foi gigante, nunca deixou e nunca deixará de o ser (sim, o amor de um/a filho/a por um pai e por uma mãe também é incondicional). Mas agora sinto-o de outra forma; valorizo-o de outra forma. Sinto mais saudades, choro mais com elas, relembro mais momentos da "nossa" infância – a minha, junto da minha mãe e do meu pai – e aproveito melhor o tempo quando o partilhamos na presença. E, com isto tudo, com todo este amor avassalador, nas virtudes e nos defeitos, tenho de viver com a ideia de que lhes vou sobreviver.

Mesmo sendo expectável, a morte do meu pai e da minha mãe representa – e representará sempre, mesmo depois de acontecer – uma dor arrebatadora. Assim como o é ter de viver com a ideia de que um dia irei habitar num mundo onde o meu pai e mãe não existem. Que mundo será esse? Sem as piadas do meu pai, sem o colo da minha mãe...? Sem mais olhares cúmplices com o meu irmão, quando nos rimos "em segredo" daquilo que estão a dizer. Sem a minha base familiar, o meu suporte, o meu sustento emocional mais primário. Sem nada, porque eles sempre foram o "tudo" que melhor conheço.

Toda a gente me pode falhar, menos ele; menos ela. Se deixarem de existir – e logo eu, que não tenho propriamente um recanto religioso em que acredito – vou reconfortar-me em quem? Claro que há amigos, há amigas, há amores igualmente fortes. Tenho o meu irmão, também, que será sempre o elo de ligação mais profundo entre mim e a minha infância, e entre mim e a minha mãe e pai. Mas quem tem um bom pai e/ou uma boa mãe sabe como são insubstituíveis.

Como sobreviver ao facto de sobreviver à minha mãe e ao meu pai? À Emília e ao Eduardo, os dois pilares da minha vida, a quem ainda peço autorização para viajar, para sair, para chegar tarde a casa. A quem ainda reporto as notas, com o desejo e a certeza que os vou encher de orgulho. A quem nunca mostrarei este texto, porque não quero que saibam que penso nisto.

Como sobreviver à morte da minha mãe e do meu pai? Não sei, nem quero saber.


Liana Rego

Excelente!

Não há comentários possíveis, pois a dor da perda é individual e subjetiva. No entanto, viver agarrada à sombra dessa perda, também não é salutar. São as perdas, nomeadamente as que nos tocam mais, que nos dão força para continuar!

Bem-hajas!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

Citação de: Faty Lee em 23 junho, 2015, 12:28
No entanto, viver agarrada à sombra dessa perda, também não é salutar.

Não, pois não... ::)

;)

Puca
Passei por isso...e mais ainda!

Sobrevive-se, passinho a passinho, um dia a seguir ao outro, depois aceita-se a situação, transforma-se em saudade e tocas a vida para a frente com um "saquinho de destroços" ás costas, depois arruma-se esse saquinho e ficam as recordações dos bons momentos. Esquecer, não se esquece, mas vamos aprendendo a viver com a ausência, não permitindo que tome conta de nós :)

#4
Excelente relato, fiquei com as lágrimas nos olhos...muito bem descrito cepticooucrente!
Como diz a Faty Lee não é saudável ficar a remoer, mas é sem dúvida, inspirador, libertador e uma alegria interior imensa recordar os momentos que passamos com eles.
Nunca partilhei aqui no PP (e só o partilho porque me emocionou o teu relato cepticooucrente e porque embora não vos conheça pessoalmente já aqui partilhei muito da minha vida e vocês fazem parte do meu dia) que nunca vivi com os meus pais, entenda-se viver diariamente numa rotina familiar normal. Foram os meus avós que me criaram e fizeram de mim quem eu sou hoje. O que vou dizer a seguir pode chocar alguns mas no funeral do meu pai não senti tanto a perda dele como senti a perda de quem me criou, esses sim meus pais.
Tive uma infância difícil e uma adolescência complicada mas eles lançaram-me as escadas da vida para eu subir e sempre tiveram uma mão para me ajudar na subida. quando a largaram já não precisava de auxilio, já "voava" sozinho. Tudo o que sou devo a eles, mesmo que as vezes os desiluda com algumas asneiras que cometo.
Entendo-te tão bem cepticooucrente...desculpa o desabafo no teu tópico mas é raro algo tocar-me de forma tão profunda.
:) Obrigado.

reparei no final que o texto é de outra pessoa?
mas não retira nada ao que disse independentemente de quem o escreveu. :)
O Homem é do tamanho do seu Sonho!

Silknet, simplesmente deliciosa a sua partilha!

Sabe que os nossos pais são nossos significativos por eleição, mas que existem inúmeros significativos que assumem um papel bem mais relevante que eles, pois depende tudo do contexto de vida. Esses, não deixam de ser nossos pais. E não me choca nada ter um sentimento mais "presente intenso" por um desses significativos do que por um dos pais. O que aqui importa é que esse suporte existiu (diretamente ou por transferência), mesmo atendendo às vicissitudes da própria vida. Bem mais complicado é quando a criança não consegue criar vínculos afetivos significativos com ninguém, porque a "dor" de existir é demasiadamente "profunda".

Bem-haja!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

Silknet, simplesmente amei o teu relato. Não, não sou eu a autora do texto, mas sempre que leio algo com que me identifico partilho aqui. E já há aqui amigos que, não me conhecendo, percebem logo o que algumas partilhas querem dizer. :)

E silknet, não me choco absolutamente nada a tua reacção entre os teu pais e os teus avós. Conheço isso bem de perto. No fundo, os teus pais são os teus avós. Digo isto no sentido do laço que se criou entre vocês, a educação, a transmissão de princípios e valores, como tu dizes quem "te deu a mão". E acho eu, que é assim mesmo que te deves sentir!

Por isso, silknet, eu entendi muito bem a autora do texto (tão bem que me identifiquei tanto com ele), e entendo-te muito bem a ti e ainda bem que gostaste da partilha.

O facto é que ninguém quer saber como sobreviver ao berço, mas não adianta não querer, que vamos ter de lá passar. Só podemos é esperar que seja o mais tarde possível...

Bem-hajas!

Eu tenho apenas uma ou duas imagens dos meus pais, de resto apenas os conheço de fotografias.
Apesar disso a morte delas afeta-me bastante
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

Citação de: cody sweets em 27 junho, 2015, 21:21
Eu tenho apenas uma ou duas imagens dos meus pais, de resto apenas os conheço de fotografias.
Apesar disso a morte delas afeta-me bastante

Sobreviveste ao berço, cody... Não é para menos... :(