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  • Fausto - J. W. von Goethe
    Iniciado por Ligeia
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Ligeia
Aviso: este é um post para lá de extenso acerca de uma obra que muito me diz: Fausto, um tragédia em duas partes de Johann Wolfgang von Goethe - 1ª parte (1797-1806), segunda parte (1824-1831).
À 2ª é de vez, lol (continua com uma extensão medonha, mas é por uma boa causa)
É apenas recomendável a sua leitura para quem padece destas febres literárias  ;D


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Fausto é uma poderosíssima obra poética alemã, que oferece um inventário da nossa cultura (europeia ocidental), tal como o fazem também, por exemplo, a Divina Comédia de Dante ou o Ulisses de James Joyce, constituindo em si um sistema de memória.
Graças a Goethe, a figura de Fausto tornou-se o representante de uma ambição desmedida e de um desassossego que são fenómenos especificamente modernos e que se encontram relacionados com a ciência, a técnica e um futuro de possibilidades ilimitadas.
No esboço da obra, Goethe associa a aposta de Job entre Deus e o Diabo e com o motivo do pacto diabólico entre Fausto e Mefistófeles. Fausto (figura histórica) era o nome de um mago, necromante e erudito do século XVI, cuja vida já tinha inspirado o drama Dr. Faustus de Christopher Marlowe (contemporâneo de Shakespeare). Também serviu a Goethe o recurso (para construir a personagem e história) a um livro popular que versava sobre os efeitos deste necromante ("adivinho negro"). Na descrição da sua figura imiscuíam-se ideias que se encontravam associadas a outros magos como Paracelso ou Agrippa.

Goethe antecede a acção por um prólogo passado no céu, onde o Diabo fez uma aposta com Deus sobre se conseguirá demover Fausto dos seus incansáveis esforços e aspirações, fazendo com que este se satisfaça com algo de trivial ("Pó é o que ele há-de comer, e com deleite."). Para tal, Deus dá-lhe liberdade de acção,assim como fizera com Job.
No início da acção propriamente dita vemos o erudito Fausto na escuridão do seu gabinete e, depois, durante um passeio de Domingo de Páscoa com o seu servente Wagner, a expressar a sua insatisfação com a ciência tradicional e com a estreiteza da vida burguesa em geral. Este estado de espírito faz entrar em cena Mefistófeles que, mascarado de cão, se infiltra em sua casa e convence Fausto a fazer um pacto com ele ("Era pois este o cerne do caniche."). Mefistófeles promete a Fausto ajudá-lo a reconhecer "o que mantém junto o mundo no seu íntimo". Em troca, Fausto entrega-lhe a sua alma, mas acrescenta uma ressalva: "Se eu disser ao momento / pois permanece, que és tão belo! / aí poderás prender-me em correntes." Depois de apartes satíricos dirigidos ao mundo universitário e aos costumes que ali se encontram instalados (a cena dos alunos e a bebedeira na adega de Auerbach), Fausto é transformado num janota todo lampeiro.
Depois segue-se a história de Margarida que perfaz a 1ª parte do drama.

Esta tragédia dá-nos a sedução sem olhar a meios de uma inocente rapariga camponesa pelo Fausto convertido em jovem estroina com a ajuda do Diabo, o envenenamento da mãe de Margarida, a morte do irmão de Margarida num duelo, a gravidez ilegítima, o infanticídio, o encarceramento e a loucura de Margarida. Aqui, Goethe inspirou-se fortemente na Ofélia do Hamlet de Shakespeare: Fausto corresponde a Hamlet, Margarida a Ofélia, e o seu irmão Valentim a Laertes, enquanto Mefisto canta as canções de Ofélia. A fim de ilustrar o cariz demoníaco das tentações da carne, Goethe insere na história de Margarida a romântica noite de Walpurgis - esta não é mais que uma festa das bruxas, para cuja descrição Goethe esventra Macbeth e o Sonho de Uma Noite de Verão.

Por contraposição ao ímpeto da acção trágica, a 2ª parte muda para o estilo panorâmico de um teatro que apresenta o mundo de forma simbólica. No prólogo, Fausto acorda de um sono terapêutico como se tivesse acabado de viver um acesso psicótico e aparece, na companhia de Mefistófeles, na corte do imperador. Ali trabalha como um mago que se dedica à recuperação do arruinado erário público. Em termos de política cultural, Fausto empenha-se em reavivar o classicismo, exaltando Helena (de Esparta) e Páris (filho de Príamo, rei de Tróia) como encarnações da beleza, tentativa esta que acaba por fracassar.

O 2º acto leva-nos ao gabinete de estudos de Fausto, onde Wagner, entretanto doutorado, instalou um laboratório de tecnologia genética produzindo, tal como o famoso investigador Frankenstein o fizera, um embrião artificial a partir da massa biológica indicada para o efeito contida numa proveta: é o homúnculo.
Este homenzinho ensina a Fausto o caminho para a clássica noite de Walpurgis. Ali seres fabulosos da época pré-homérica, deuses gregos e filósofos da natureza reúnem-se para celebrar uma festa do mar que, à imagem e semelhança do Symposium de Platão, culmina num elogio a Eros todo-poderoso.

No 3º acto ocorre o encontro de Fausto com Helena: ela representa a concepção clássica da arte, ao passo que Fausto simboliza a força da vivência anímica. Da sua união nasce o próprio espírito da poesia, Euforião, com o qual Goethe tenta abarcar a figura meteórica de Byron: Euforião arde num acesso de entusiasmo poético, tal como Byron, no seu entusiasmo, se sacrifica pela libertação da Grécia.

Depois da morte de Helena, cujos traços se confundem com os de Margarida, Fausto regressa à terra desta esfera intemporal, ajuda (com o apoio de Mefistófeles) o imperador a vencer os seus adversários e, a título de compensação, recebe uma zona costeira como feudo.

No 5º acto, inicia um megaprojecto de engenharia, em que, pela construção de diques, consegue ganhar terra ao mar. De caminho manda incendiar brutalmente a cabana do velho casal Filemão e Baucis, porque dificulta a redistribuição dos terrenos. No processo, os velhos senhores morrem. Com a ajuda da técnica, agora Fausto consegue fazer milagres sem recorrer à magia, de modo que, lentamente, se vai emancipando de Mefistófeles.
Mas isso fá-lo prever um futuro estado de satisfação, o que faz com que Mefistófeles considere - erroneamente - que se encontram preenchidas as condições referidas na ressalva formulada pelo próprio Fausto. Concebe a possibilidade de uma sociedade do trabalho livremente organizado ("essa azáfama quero eu ver") e diz: "Na antecipação de semelhante felicidade / fruo agora os momentos mais excelsos". Dito isto cai morto.
Quando Mefistófeles se apresta para apoderar-se da sua alma, desce um exército celestial -  Mefistófeles é distraído eroticamente por um anjo todo sexy, e já os mensageiros celestiais levam a alma de Fausto. Mais uma vez, o "pobre diabo" vê a sua recompensa por um canudo. Os anjos, por sua vez, cantam as razões da salvação de Fausto: "Quem sempre arduamente se esforça / a esse podemos salvar". No final, Margarida espera-o e o chorus mysticus dá-nos, por fim, a interpretação de tudo..."Tudo o que é efémero / não passa de uma alegoria / o insuficiente / aqui se torna acontecimento / o indescritível / aqui feito está / o eterno feminino / para cima nos puxa."

Nesta obra, a cultura alemã funde-se com a europeia, e assim não existe obra que apresente um maior número de pontos de intersecção entre ambas: Fausto é a obra poética em que outras nações mais facilmente vêm a conhecer a literatura alemã, e Fausto e Mefistófeles serão os alemães a que, com toda a probabilidade, deram mais atenção.
Naturalmente, a obra não foi poupada ao "serviço nacional em prol da nação e da pátria" histórico, e a desmesura faustiana seria aproveitada para legitimar o sentido de missão alemão. Foi isso que Thomas Mann corrigiu, em 1947, com o seu Dr. Faustus, actualizando o Fausto depois da experiência do tempo nazi. Nesta versão, a música, a ebriedade, a loucura e Nietzsche desempenham um papel central e, no fim, Fausto é realmente recolhido pelo Diabo, a quem empenhara a sua alma.
Em Goethe vence a salvação, em Mann a condenação.

Não espero que leiam isto tudo, mas fica a partilha  :P  E a recomendação para que leiam a obra, pois vale cada linha  ;)


Por acaso eu rogava-te uma praga se lhe tivesses tirado sequer uma vírgula!!!

Já li há tanto tempo e depois é uma obra que exige mesmo um trabalho destes para se reter...

Obrigada

Templa
Templa - Membro nº 708

Ligeia
Eu é que agradeço a amabilidade (e paciência pela leitura), Templa!  :-* :)
O rogar da praga é que não dá muito jeito, já há quem me pregue vudus só porque sim, olha agora uma praga por causa do Fausto, a somar à conta...  ;D

Estive a ver aquilo da bilocação, mas não encontrei referências a Goethe, só ao Padre Pio  :-\

#3
Citação de: Ligeia em 01 maio, 2012, 14:32
Eu é que agradeço a amabilidade (e paciência pela leitura), Templa!  :-* :)
O rogar da praga é que não dá muito jeito, já há quem me pregue vudus só porque sim, olha agora uma praga por causa do Fausto, a somar à conta...  ;D

Estive a ver aquilo da bilocação, mas não encontrei referências a Goethe, só ao Padre Pio  :-\


Mas eu já li isso algures num dos meus livros, segundo creio. Santó António de Lisboa também tinha o mesmo dom...

Mas eu própria irei pesquisar sobre o assunto e postarei aqui. Olha, procura em Bilocação, o mito do sósia fantasma....

Abraço
Templa - Membro nº 708

Ligeia
Encontrei um artigo (maio 2005) da Super Interessante online que fala da bilocação e refere o caso de Goethe:

"Consta também que o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) cavalgava um dia por uma estrada, quando teria visto um outro homem – seu sósia perfeito – vindo em sentido contrário, também montado a cavalo e vestindo um traje cinza com detalhes em dourado. Oito anos mais tarde, Goethe cavalgava novamente pela mesma estrada, mas no sentido contrário. Foi quando teria se dado conta de que estava vestindo uma roupa semelhante à do sósia que vira oito anos antes. Teria Goethe vislumbrado seu próprio futuro?"

No entanto fiquei um pouco confusa, pois no dito artigo bilocação e doppelganger aparecem como sinónimos...

Citação de: Ligeia em 02 maio, 2012, 13:37
Encontrei um artigo (maio 2005) da Super Interessante online que fala da bilocação e refere o caso de Goethe:

"Consta também que o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) cavalgava um dia por uma estrada, quando teria visto um outro homem – seu sósia perfeito – vindo em sentido contrário, também montado a cavalo e vestindo um traje cinza com detalhes em dourado. Oito anos mais tarde, Goethe cavalgava novamente pela mesma estrada, mas no sentido contrário. Foi quando teria se dado conta de que estava vestindo uma roupa semelhante à do sósia que vira oito anos antes. Teria Goethe vislumbrado seu próprio futuro?"

No entanto fiquei um pouco confusa, pois no dito artigo bilocação e doppelganger aparecem como sinónimos...


Pois é,
Templa - Membro nº 708