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  • [Outro]Sósias à portuguesa
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Sósias à portuguesa

Estranho malabarismo genético aquele que permite que, em pontos distintos do globo, dois seres estejam muito próximos nos traços físicos que melhor os definem. Ao caminharem pelas ruas, sentem os olhares (in)discretos. Com o tempo, aprendem a lidar com a abordagem de estranhos que julgam reconhecer neles uma estrela. Ensaiam frente ao espelho movimentos, gestos, expressões que os aproximam dessas figuras que todos conhecem dos palcos, da TV, do cinema. Em Portugal, o universo dos sósias tem ainda uma expressão tímida, e apenas uma agência os representa. A produtora, realizadora e astróloga Vera Spiegel criou há dez anos uma agência, depois de perceber que por cá o fenómeno dos "lookalike", tão popular noutros mercados, era ainda inexistente. Entre os principais clientes de Vera estão agências de publicidade, produtoras de televisão, editoras discográficas. Os sósias são quase sempre requisitados para festas, lançamentos e inaugurações e o pagamento por um dia de trabalho ronda os 300 euros.

A deslizar como Michael Jackson


Fernando tinha 7 anos quando viu um concerto de Michael Jackson em Bucareste, em 1992, que o pai tinha gravado na TV. Ficou fascinado pelo rei da pop e aprendeu logo a reproduzir o célebre passo moonwalk. A capacidade de dançar e de o imitar ficou por ali, adormecida. Em 2005 participa numa festa para fãs, em Lisboa, e no ano seguinte vai a outra, em Londres. Acabado de entrar na faculdade, nem chega a pisar o campus. Fica seis meses na capital britânica. É aqui que se cruza com Michael Jackson. Espera-o à porta do hotel, submerso na multidão de fãs, e segue-o de táxi até um restaurante, onde, de "nariz colado ao vidro", o vê passar diante de si. O projecto de montar um espectáculo de tributo a Michael Jackson faz cada vez mais sentido. Um agente conhecido aconselha-o a criar um site e a arranjar um nome artístico.

Regressa a Braga em 2007, faz as fotos, cria o site e arranja a tal identidade artística. Shade Klaw é o nome com que Fernando Machado sobe aos palcos nesse mesmo ano, como sósia e imitador do músico, numa discoteca em Piccadilly Circus, Londres. Desde então tem corrido mundo com o espectáculo "Shade Klaw, The Ultimate Michael Jackson Tribute Artist", integrando a galeria dos mais conhecidos impersonators do cantor. É ele quem coordena os ensaios das bailarinas que o acompanham. Os fatos que usa em palco, réplicas perfeitas dos de Michael Jackson, são feitos por uma costureira bracarense, com tecidos que Shade Klaw compra em Londres.

Depois da morte do cantor, pensou em desistir. "O meu objectivo era que ele me visse um dia. Agora sei que isso não será possível. Mexeu muito comigo." O apoio da legião de fãs que o acompanha no site, no YouTube e no Facebook fizeram-no continuar. Fernando é reservado, e muitos dos seus amigos nem sabem o que faz. Assume que é "muito bem pago" pelas suas actuações, mas não adianta valores.

Aos 24 anos está novamente na faculdade, no curso de Tecnologias de Comunicação Multimédia, e o volume de espectáculos vai forçosamente diminuir. Até ao dia em que terminar o curso e se mudar em definitivo para Londres. Para continuar a imitar o tal "artista único e completo".

A energia de Tina Turner

Alda Botelho move-se com uma energia invulgar, nada nela denuncia os 67 anos que carrega. Mas são óbvias, demasiado óbvias, as semelhanças com Tina Turner. No rosto, no sorriso, nas longas pernas que reproduzem os movimentos da diva negra da pop. Angolana, a viver em Portugal há 34 anos, Alda correu ofícios diversos: foi funcionária pública, esteve na indústria hoteleira, teve uma boutique, um ginásio, cuidou de idosos, fez figuração numa telenovela, e há dez anos que tudo concilia com os trabalhos de sósia para a Interfaces. Muito antes de chegar à agência era já confundida no supermercado, no parque de estacionamento e até nas ruas de Paris. Numa viagem ao Canadá foi abordada no check-in do aeroporto da Portela com a habitual: "Não é a Tina Turner?" Alda explicou que não, que era uma sósia. Mas o tratamento que recebeu foi o de uma estrela. "O meu bilhete era em classe económica, e ela olha para mim e diz: 'Não, a Tina Turner não pode viajar em classe económica', e pôs-me em primeira classe. A tripulação toda tirou fotos comigo. Estavam sempre a servir-me champanhe, tive um tratamento especialíssimo."

Ao som de Beethoven, na sua casa em Carcavelos, Alda conta que não são apenas físicas as semelhanças com Tina. Também ela viveu um casamento difícil, do qual se libertou, seguindo caminho com os quatro filhos. "Comparo-me a ela no facto de ser lutadora. Eu também passei por momentos difíceis e não me deixei abater. Sozinha, fui para a frente." Assume que a analogia com a cantora lhe "preenche o ego". Prepara cuidadosamente cada actuação. "Preocupo-me com a postura dela. Vejo muito o vídeo de um concerto. Quando actuo, encarno a personagem, tenho a impressão que se me chamarem Alda não respondo." Em 2006 viu-se retratada no documentário "Alda", do realizador Miguel Coelho. Fez recentemente um curso de Teatro e Cinema na Casa do Artista. Ainda lhe sobra o sonho de pisar os palcos como actriz.

"A bem paga" Júlia Roberts

Em Cláudia Belo, as semelhanças com Julia Roberts são evidentes, tão evidentes que nos levam a olhar para ela uma e outra vez. E as reacções de espanto sucedem-se em todos os que, em estúdio, a preparam para as fotos. "A primeira pessoa que me disse foi o realizador Miguel Gaudêncio, que na altura me convidou para fazer um videoclip. Foi um dos meus primeiros trabalhos, tinha eu uns 21 anos", conta. Mais tarde, ao dançar no programa "Domingo Fantástico", a bailarina é descoberta por Vera Spiegel e junta-se à agência. "Normalmente, são trabalhos com muito glamour. Há uma passadeira vermelha, eu chego de limusina. Não trabalho muito, porque a Julia Roberts não canta. Os sósias cantores têm muito mais espectáculos."

Cláudia está habituada a ser confundida nas ruas com a mais bem paga actriz americana. Isso também já aconteceu no Brasil e numa praia no Sul de Espanha. "Até de óculos escuros e boné me conseguem achar parecida com ela." Ao contrário do que seria de imaginar, viver com esta analogia não lhe traz vantagens. "Ela acaba por me prejudicar. Toda a vida fiz castings para publicidade, e nos castings dizem-me: 'És muito parecida com a Julia Roberts', e isso limita-me. Ou o realizador quer uma sósia para o trabalho ou então exclui-me mesmo." Com quase 33 anos e um filho de um ano, Cláudia está hoje afastada da dança e dos programas de televisão, onde durante muito tempo trabalhou como bailarina. Fez um curso de Actividades Aquáticas e dá aulas de hidroginástica em Lisboa. É uma "Pretty Woman" serena e recolhida, distante das luzes da ribalta.

Pose à Madonna

Longos cabelos louros, calções curtos, o telemóvel a reclamar insistentemente a sua atenção. Ana Águas denuncia, aos 30 anos, a imagem de uma mulher ágil, inquieta. Formada em Artes do Espectáculo pela escola do Chapitô, divide-se entre trabalhos de bailarina, espectáculos de fogo, andas e trapézio e actuações como sósia de Madonna. Num primeiro contacto com Ana, a associação à rainha da pop não é evidente. Um olhar atento percebe depois as semelhanças nos traços do rosto, nas expressões. E a maquilhagem concretiza o resto. Frente à câmara fotográfica, reproduz em rápidas sequências as poses sensuais e altivas da cantora. O corpo agita-se com segurança. Conhece de cor movimentos e poses, habituou-se a copiá-los com mestria.

Voz de Maria Callas

Isabel Araújo conhecia-lhe bem a voz, "o perfil nobre e altivo". Mas não imaginava que o seu rosto se poderia assemelhar ao dela. Foi um amigo que o detectou e a convenceu a fazer uma produção fotográfica. Enviou as fotos para a agência, e estava encontrada a sósia de Maria Callas. Nada mais inusitado para uma engenheira agrónoma, a viver em Paço de Arcos, que há quatro anos rumou a Norte, a Oliveira de Azeméis, para dirigir o parque verde La Sallete.


"Sempre foi uma personagem que me interessou. Gosto muito de música, sou muito eclética nos meus gostos musicais, e um deles é ouvir Callas quando estou deprimida." E é também pela música que se acentua a ligação à diva do bel canto. Isabel sobe ocasionalmente aos palcos, mas para cantar o fado.

Aos 44 anos, a visibilidade pública que possa ganhar enquanto sósia não a intimida. Isabel é uma das mais assíduas participantes em concursos de televisão que o país conheceu. No total, foram 14. Começou aos 16 anos, e desde então ganhou tudo o que havia para ganhar. Ou quase. "A única coisa que nunca ganhei foi uma casa, porque de resto ganhei electrodomésticos, jóias, géneros alimentícios, viagens, dinheiro e até um carro. No primeiro grande concurso onde estive ganhei 1400 contos (7 mil euros). Isto há uns 22 anos. Para uma jovem que estava na faculdade, foi fabuloso. Diziam que eu seria a sucessora do papa-concursos, o engenheiro Luís Almeida." Agora tenta chegar ao "Jogo Duplo", de José Carlos Malato. Ainda não foi chamada. "Continuo a concorrer, mas acho que eles já não me deixam ir.

Marilyn Manson

Vestir personagens, desenhar roupas, pensar o impacto visual que possam causar nos telespectadores ou numa plateia. Criar uma imagem que todos retenham. É o que move o figurinista e maquilhador Paulo Julião. Desde sempre voltado para o espectáculo, interessa-lhe, aos 35 anos, trabalhar como produtor. Pensar e conceber a tal ilusão por inteiro. "Gosto de trabalhar a imagem num todo. Gosto de criar ilusões visuais." O fascínio ter-lhe-á ficado do estágio feito nos musicais londrinos, quando espreitou o brilho dos bastidores de "Cats" e "O Fantasma da Ópera".


Quase por acaso tropeça no universo dos sósias. Vera Spiegel, com quem se cruza no mundo da televisão, pede-lhe um dia que dê corpo a Marilyn Manson. Vê nele um rosto que poderá facilmente adaptar-se à imagem cénica e sombria do polémico performer. Em jogo estava a inauguração da megaloja da Valentim de Carvalho no Chiado e uma produção fotográfica para os outdoors. Foi o início da relação de Paulo com a Interfaces, como sósia de uma figura com a qual não se identifica. Para quem pisou os palcos lisboetas como transformista, o desafio reside na construção da personagem. "É um trabalho difícil de construção. O playback é muito rígido. Dá-me gozo a construção de maquilhagem, de cabelo, de guarda-roupa. Trabalhei durante algum tempo com performance de transformação. Há pessoas muito difíceis de fazer. O Marilyn Manson é um grande desafio."

Os trabalhos sucederam-se, quase sempre inaugurações de discotecas. Cá, mas também em Espanha e Londres. "É muito engraçado, parece que estamos na estreia de um filme. Chegas de limusina e pensas que és a pessoa. Muitas vezes não somos anunciados como sósias, é o grande truque. Vamos com seguranças, é a passadeira vermelha, vamos com aquele aparato que os próprios levariam, para criar distância em relação ao público. É aquela coisa que toda a gente gostaria de sentir, nem que fosse 10 minutos na vida."

Suavidade Meg Ryan

Eunice Freitas caminha com a suavidade de uma bailarina. Figura esguia, tem no rosto os traços de menina que remetem para a imagem de Meg Ryan. Um corpo moldado ao longo de uma vida no ballet e na dança jazz. Formação que culmina na Escola Superior de Dança, em Lisboa, onde frequenta o terceiro ano. Pelo meio, ainda houve tempo para se licenciar em Comunicação Empresarial e trabalhar em publicidade. O interesse pelo teatro levou-a nos últimos anos a novos cursos e workshops, que a empurrariam para o elenco da telenovela "Morangos com Açúcar", onde interpreta, claro está, uma professora de dança e educação física. Na novela, as maquilhadoras detectam as semelhanças com Meg Ryan. Já antes um realizador inglês o tinha notado, aquando da participação da bailarina/actriz, de 27 anos, numa série policial britânica cujas filmagens também se fizeram por cá. Rendida às evidências, inscreve-se na Interfaces.

Mas Eunice também é Sky Paris. A bailarina iniciou em Abril, no Casino Lisboa, uma série de duetos eróticos. Espectáculos curtos, para os quais criou esta personagem que chama de "neo pin-up". "Recriamos num dueto uma fantasia, em 12, 15 minutos. Ali junto as duas coisas, o acting e a dança", explica. A "Fantasy" seguiu-se "Dreambodies", espectáculo que percorreu as noites de Agosto no Arena Lounge, esse imenso playground onde brinca e seduz na pele de uma naughty girl.

A tudo isto, Eunice acrescenta o sonho de reabilitar o degradado Cinema Paris. Projecto que terá de reunir investidores e que pretende apresentar à autarquia lisboeta, para criar no velho cinema um espaço de formação e espectáculo para artistas que conjugue as vertentes de dança, voz e interpretação. "Sinto uma grande discrepância no meio artístico. Onde temos um espaço que reúna os que dancem, cantem e representem? Falta um lugar de encontro dos artistas."

Fonte:Expresso