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  • Histórias da Minha Aldeia
    Iniciado por cepticooucrente
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Há três, quatro décadas, quando eu ia tomando consciência do mundo que me rodeava, reparava que havia umas quantas mulheres que levavam porrada por parte dos respetivos maridos. A coisa não era propriamente tema diário devido a uma certa normalidade. «Entre marido e mulher não se mete a colher» era, na minha aldeia e aldeias circundantes, absolutamente levado à letra. E ela, a M. só foi falada pelos contornos que o seu caso tomou.

Um dia como outro qualquer a M. foi chamar o marido que estava na tasca a jogar à sueca. Não se sabe como foi que ela o chamou, se lhe assobiou, que era coisa impensável a uma mulher, se utilizou palavras mais bruscas, só sei que ele não gostou que a sua mulher pisasse o seu antro de relax diário e como não gostou, deu-lhe uma bofetada referindo que não precisava de ama-seca. Talvez que tenha sido até a bofetada mais leve que a M. levou, mas tinha sido em público e ela não foi de modas: puxa o braço atrás e desata a bater-lhe como se descomprimisse de toda a raiva acumulada. Bateu uma e duas vezes e a malta (os homens, leia-se) estava espantada e nem reagiu. Apenas começaram a reagir à quarta ou quinta bofetada/murro. Ele quedou-se. Levou e calou. Olhava-a incrédulo. Saíram da tasca mudos e envergonhados. Aquilo foi tema para umas semanas valentes. As sovas que ele lhe deu toda uma vida nunca fizeram eco, a dela foi retumbante, divulgada à boca fechada, num murmurinho que ressoava nos ouvidos de todos. Diz-se que ele nunca mais lhe bateu. Nunca mais aquela alminha foi capaz de lhe levantar um dedo. Mas a aldeia possuía um humor peculiar típico de um meio pequeno que sobrevive catalisando a vida alheia e passaram a chamar-lhe de 'picha mole' porque um homem que bate era um homenzarrão, mas um que leva é um 'picha mole'. Um verdadeiro picha-mole. Também nunca mais apareceu para jogar à sueca com os amigos e fazia o caminho dos terrenos para casa de cabeça no chão.

O picha mole não levou apenas bofetadas, levou com toda uma vergonha de ser vítima do seu próprio veneno. Soube que o picha mole morreu e a chorá-lo estava a sua esposa.


Carla Rocha

Que pena todas as histórias de violência doméstica não terminarem assim!...  >:D

Lol, esta teve graça.

As histórias de violência doméstica são demasiadamente tristes e más para serem julgadas... só quem está nessa trama é que sabe os encontros e desencontros que tem consigo próprio... Se muito já se faz, muito ainda está por fazer... mas sim, era giro que todas as histórias de violência terminassem assim!!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

CitaçãoMas a aldeia possuía um humor peculiar típico de um meio pequeno que sobrevive catalisando a vida alheia e passaram a chamar-lhe de 'picha mole' porque um homem que bate era um homenzarrão, mas um que leva é um 'picha mole'.

com a mentalidade deste mundo a violência nunca vai acabar... nem a doméstica nem a publica...
a minha religião é a verdade...

Estou plenamente de acordo, há muito feito e muito por fazer, sem dúvida. Só gostei desta história porque aqui a vítima teve um final feliz, como todas deveriam ter, a começar por nunca serem vítimas nem sobreviventes destes monstros, homens ou mulheres, obviamente. :)