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  • O meu pai tem Alzheimer
    Iniciado por cepticooucrente
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O meu pai, nascido há 86 anos no Alentejo, tem Alzheimer.

Aos 20 anos conheceu o amor da sua vida. Na Avenida da Liberdade, num dia de chuva, quando os respectivos guarda-chuvas ficaram presos um ao outro em plena estrada. Até que a morte os separasse. Assim foi. 58 anos casados, António e Lurdes. Duas filhas: Helena e Sónia, irmãs com dezoito anos de diferença.

Na sua vida, cheia de trabalho, dedicou-se ao desenho técnico e foi Chefe do Departamento de Obras da Fundação Gulbenkian. Mais que um trabalho, uma paixão que o fazia apelidar a Gulbenkian como a sua segunda casa. Homem educado, cavalheiro, tímido e lisonjeiro, nunca deixou de trazer no olhar a malandrice que o fazia desde pequeno ser apelidado de "Totó, o pai da ronha". "Lolita" para as filhas, porto seguro das vidas de cada uma de nós, colo quente dos netos, homem de família, de honestidade sem par. Homem feliz, realizado pessoal e profissionalmente, trabalhou até aos 74 anos. Traiu-o a perda da mulher, e simultaneamente a terrível doença que lhe rouba a memória todos os dias.

Visitamos o meu pai, como quem vai ver os miúdos na creche. Porém, tudo é o oposto da creche: ao invés de vida, há sobrevivência, em vez de gritos há gemidos, em vez de sonhos há esperas, murmúrios, desabafos, lágrimas. Um lar com doentes de Alzheimer é uma espécie de vivência de vidas passadas. Há senhoras que passeiam nenucos, há os que teimam em ir trabalhar, há os que passam o tempo a carpir os mortos que já partiram na sua infância, há os que chamam pela mãe, há os que embalam os filhos que já são pais. E há filhos, como nós, que perdidos no cenário do lar, a cada visita, perdem um pouco mais daqueles que ali um dia deixaram. Não ousem censurar quem deixa um pai ou uma mãe doente de Alzheimer num lar. A evolução da doença leva todos ao limite, roça todos os sentimentos e chega a colocar em causa alguns afectos. A perda de dignidade é obscenamente evolutiva e depressa chega ao ponto da ruptura. O internamento é tão inevitável quanto doloroso, tão necessário quanto adiado ao limite.

Fui visitar o meu pai. Estava na mesma, com o olhar pousado nas árvores, a manta sobre as pernas, as mãos com as veias visíveis, zangadas, cansadas. Perdeu o brilho do olhar. E é nos olhos que percebo a vida, lá longe, numa memória que trai e se revela em retalhos espaçados, plenos de hiatos. É no mesmo olhar que o vou perdendo, por já não saber quem sou, por ser órfã sem o ser. A mãe, meu pai, a saudade que tenho da mãe, a saudade que também não sabes o que é. Sou eu, a gordinha que ousava sonhar ser bailarina. No teu olhar, meu pai, vou-te perdendo aos poucos. Deve ser isto a dor. Certamente é isto o Alzheimer.


Sónia Bigodes

Qual será a missão destas pessoas?...

Fico de lagrimas nos olhos a ler isso.

É no mesmo olhar que o vou perdendo, por já não saber quem sou, por ser órfã sem o ser.
No teu olhar, meu pai, vou-te perdendo aos poucos.


A sua missão não sei qual é , mas que há muita gente que fica doente após perder o parceiro, há. Porquê ??

Citação de: SaraRS em 08 maio, 2015, 09:55
Fico de lagrimas nos olhos a ler isso.

É no mesmo olhar que o vou perdendo, por já não saber quem sou, por ser órfã sem o ser.
No teu olhar, meu pai, vou-te perdendo aos poucos.


A sua missão não sei qual é , mas que há muita gente que fica doente após perder o parceiro, há. Porquê ??

É de partir o coração... :'(

Há gente que fica doente, há gente que também parte logo a seguir, e ainda há gente que, muitas vezes resultados de promessas feitas, dão a volta, seguem em frente e vivem a vida. Porquê? Também não sei, mas imagino que é pelo ter de ser, que tem muita força.

É certamente triste uma "decadência" desta natureza. A missão, não sei qual é pois radicamos essa para a recência dos acontecimentos. E todo o resto que foi a vida dele? Acho que a verdadeira missão se insere nesse outro tempo em que a fragilidade do "corpo" e neuronal não se fazia notar. Os episódios posteriores, são um desenlace e poderão nem sequer ter uma missão subjacente. Mas esta é a minha opinião.

Tenho uma amiga que tem a sua mãe internada com Alzheimer. Essa mãe foi uma grande mulher, trabalhou toda a vida, criou os filhos com regras e princípios, fez deles homens e mulheres e a partir de uma certa altura "desligou-se deste mundo por períodos grandes". A filha fez de tudo para não a internar, tratou dela, cuidou dela... mas não conseguiu aguentar, tendo feito uma mastectomia por volta dessa altura, impedindo-a de continuar a dar-lhe os cuidados necessários.

O mais triste para esta minha amiga é olhar para aquela "mãe" que não corresponde à mãe que ela sempre teve. Como se de dois seres diferentes se tratassem. Aquilo que mais lhe dói é ter passado por um processo de mastectomia sozinha, sem ter tido a oportunidade de partilhar o seu sofrimento com a sua mãe. Esta, não a reconhece. Há dias que lhe diz para ir embora porque não fala com estranhos... outros, diz-lhe que ela é uma enfermeira muito querida e que gosta muito dela... não é fácil vermos as pessoas que amamos neste processo de decadência.

Hoje em dia a minha amiga quando vai visitar a sua mãe olha para ela como ela realmente era e não como ela está agora. É uma ilusão, é verdade... mas um mecanismo que ela encontrou para se proteger da dor de ver a sua mãe assim!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

Compreendo bem, infelizmente.
O meu mecanismo de defesa é olhar para a pessoa como se fosse outra pessoa e aquela que era anteriormente andasse algures por aí nos seus afazeres, feliz.

Citação de: Faty Lee em 08 maio, 2015, 11:21
O mais triste para esta minha amiga é olhar para aquela "mãe" que não corresponde à mãe que ela sempre teve. Como se de dois seres diferentes se tratassem. Aquilo que mais lhe dói é ter passado por um processo de mastectomia sozinha, sem ter tido a oportunidade de partilhar o seu sofrimento com a sua mãe. Esta, não a reconhece. Há dias que lhe diz para ir embora porque não fala com estranhos... outros, diz-lhe que ela é uma enfermeira muito querida e que gosta muito dela... não é fácil vermos as pessoas que amamos neste processo de decadência.

Hoje em dia a minha amiga quando vai visitar a sua mãe olha para ela como ela realmente era e não como ela está agora. É uma ilusão, é verdade... mas um mecanismo que ela encontrou para se proteger da dor de ver a sua mãe assim!

É sem dúvida das coisas mais tristes olharmos para aquela pessoa e não as reconhecermos como pais ou mães. Mais triste ainda quando não nos reconhecem a nós.

O mecanismo que a tua amiga encontrou acho que é inevitável. Porque é muito sofrimento estarmos constantemente a olhar para alguém que praticamente "não está lá". Quem sabe se não é essa a missão, tornar os filhos mais fortes, ultrapassando as dificuldades e sofrimentos, criando mecanismos de defesa...

Sei o que é, também passei por isso com a minha avó, que na altura já era a única referência feminina dos meus antepassados. E eu e a minha filha éramos as únicas que ela reconhecia como dela. Todos os outros familiares deixaram de "existir".

É tão triste perdermos a identidade, a vida deixar de ter passado ou presente, estarmos num mundo que deixou de fazer sentido para nós.

E com aqueles que se vão lentamente, são as memórias do passado, da família que se perdem também. É muito triste, mas de alguma forma temos de passar por estas provações.

Quem sabe, é mais um ensinamento deles, fazerem nos ver com o seu lento desaparecimento que afinal temos força para seguir em frente e aproveitar todos os momentos.
"Que minha porta se abra àqueles que habitam fora da riqueza, da fama e do privilégio. Que os que jamais andaram descalços não encontrem o caminho que chega à minha porta....
Que o lugar onde habito seja como uma floresta. Que haja caminhos e veredas para as cavernas e poços e árvores e flores, animais e pássaros, todos conhecidos e por mim reverenciados com amor." A Bruxa, Rae Beth

Citação de: Bela Tavares em 08 maio, 2015, 11:28
Quem sabe, é mais um ensinamento deles, fazerem nos ver com o seu lento desaparecimento que afinal temos força para seguir em frente e aproveitar todos os momentos.

Acho que é muito por aqui... mostrarem-nos de forma dolorosa, como a vida é tão efémera e impermanente!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

Vivi isso com a minha mãe que faleceu há  seis anos. Algumas vezes tratava-me por senhor, outras por pai e outras reconhecia-me. Foi terrível! Esteve sempre em minha casa desde que a doença foi detectada.Ia de manhã quando saía para o trabalho, colocá-la num centro de dia e no regresso ia recolhê-la, tal como se fosse buscar um filho ao colégio. Foram anos que não esqueço pois, dormia muito mal com medo que ela fugisse durante a noite,. Só ficou internada 3 meses antes de falecer. Eu ia vê-la diariamente. No dia em que faleceu, estava lúcida e despediu-se de mim com um beijo e uma carícia.

Citação de: oculto em 08 maio, 2015, 12:05
No dia em que faleceu, estava lúcida e despediu-se de mim com um beijo e uma carícia.

Isso é muito comovente... já ouvi histórias assim, porque será que melhoram antes de partir?

Penso que é mesmo para se despedirem dos seus familiares e da própria vida.

sofiagov

BlackMiau
#12
Tenho um tio que foi internado com Alzheimer, após uma semana em que a minha tia foi muito abaixo e ficou de cama uma semana. A minha prima foi a casa deles e ficou chocada com o cenário que encontrou... Para não me alongar muito na história, o meu tio está agora num hospital dedicado a esse tipo de doença, só come com sonda e tem de ser atado a uma cadeira para não andar a passear sozinho. Quando falo em atado, falo numa fita larga em roda da cintura, que é o suficiente para o impedir de se levantar.

E agora pergunto eu... Se já é complicado para nós vermos alguém neste estado, como será para quem sofre disto? Quais serão os pensamentos que têm? Eu não consigo imaginar o estado de confusão que deve reinar nas suas cabeças ao verem-se arrancados do seu ambiente conhecido, para irem parar a um sítio estranho cheio de gente desconhecida...

Citação de: BlackMiau em 08 maio, 2015, 13:29
E agora pergunto eu... Se já é complicado para nós vermos alguém neste estado, como será para quem sofre disto? Quais serão os pensamentos que têm? Eu não consigo imaginar o estado de confusão que deve reinar nas suas cabeças ao verem-se arrancados do seu ambiente conhecido, para irem parar a um sítio estranho cheio de gente desconhecida...

Eu acho que neste estado eles não têm mesmo noção de nada... nesse aspecto não devem sofrer. Pelo menos quero acreditar nisso. :P

O meu avô tinha alzheimer e era muito mal compreendido, compreendo muito bem o que dizes. Essas pessoas tem que receber todo o amor e todo o carinho, eu sempre o defendi e estava do lado dele porque sei que não deve ser fácil. Imaginem o Espírito encarnado e nos estados avançados da doença o Espírito não consegue comandar o corpo, porque nós somos Espíritos imortais não corpos de carne.

http://www.youtube.com/watch?v=xv64WB0LWcE
Abençoado seja o seu santíssimo nome em favor de todos nós Deus nosso Pai.