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  • Fernando Pessoa e o ocultismo
    Iniciado por cepticooucrente
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Treze de junho é a data de nascimento de Fernando Antônio Nogueira Pessoa, em 1888. Suas últimas palavras, antes de morrer, em trinta de novembro de 1935, foram escritas em inglês erudito: "Não sei o que o amanhã me reserva."
Acredito realmente que, com todo o brilhantismo de seu cérebro privilegiado, não poderia prever que sua obra causaria tamanho impacto no mundo inteiro. Obra que ainda está para ser totalmente desvendada, uma vez que seu "baú" (o lugar em que punha tudo o que escrevia) parece inesgotável. Ainda estão selecionando e publicando tudo o que deixou. Para ser estudada, então, séculos serão precisos como aconteceu com Camões (também de junho, dia dez, só que é data de morte) e Shakespeare. Até hoje estudamos e amamos esses dois gênios.

Fernando Pessoa ocupa o mesmo pódio, com seus setenta e um heterônimos, que pouca gente sabe que existiram, pois divulgados foram apenas Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e posteriormente, Bernardo Soares.

Com obra tão variada e tão extensa, somente muitas gerações pela frente é que terão estudado tudo o que escreveu, que abrange muitos setores do conhecimento.

Para homenageá-lo, escolhemos um assunto de que ele gostava muito, o ocultismo, e esclarecemos que empregamos esse termo aqui de forma bem genérica, englobando esoterismo, espiritismo e entidades filosóficas, pois, conforme nossas pesquisas, Fernando Pessoa interessou-se por tudo.

João Gaspar Simões, o primeiro crítico a estudar esse aspecto da obra do Poeta, disse que ele se interessou primeiro pelo espiritismo, por influência de sua tia Anica, tendo mesmo afirmado que era médium. Uma ocasião, escreveu para a tia, que então estava na Suíça, contando que foi praticamente obrigado a psicografar, tais as sensações que sentia, mas que não eram  coisas compreensíveis.  Isso aconteceu mais vezes e também uma tendência a psicografar números e a desenhar sinais cabalísticos e maçônicos, deixando-o um pouco preocupado.

Quando Casais Monteiro, a quem Fernando Pessoa escreveu sobre a origem dos heterônimos, perguntou-lhe sobre o ocultismo, respondeu: "Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus  de espiritualidade, sutilizando-se até chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou esse mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não. Por essas razões e ainda outras, a Ordem Externa do Ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita (exceto a Maçonaria anglo-saxônica) a expressão "Deus", dadas as suas implicações teológicas e populares e prefere dizer "Grande Arquiteto do Universo", expressão que deixa em branco o problema de se Ele é Criador ou simplesmente Governador do Mundo. Dadas estas escalas de seres, não creio na comunicação direta com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual, poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos. Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (...), o caminho místico (...) e o caminho alquímico."

Outra estudiosa de Fernando Pessoa, Dalila L. P. da Costa, cita dois períodos de profunda transformação na vida mística do poeta:

1) dos 26 aos 29 anos (1914 - 1917) - ele deseja e consegue, na poesia e na contemplação a união do eu com o Absoluto, numa alquimia transmutadora da personalidade. Vejam-se os quatorze sonetos de "Passos da Cruz". (cito apenas alguns versos dos sonetos mais significativos, todos de Fernando Pessoa ele-mesmo, ou ortônimo): "Venho de longe e trago no perfil/ Em forma nevoenta e afastada/ O perfil de outro ser que desagrada/ Ao meu atual recorte humano e vil.// Aconteceu-me do alto do Infinito esta vida // Caiu chuvas em passado que fui eu// Narrei-me à sombra e não me achei sentido/ Hoje sei-me o deserto onde Deus teve/ Outrora a sua capital de olvido.// Não sou eu quem descrevo. Eu sou a tela/ E oculta mão colora em mim/ Pus a alma no nexo de perdê-la/ E o meu princípio floresceu em Fim.// Inconscientemente me divido/ Entre mim e a missão que meu ser tem. "O sentimento do sagrado e da sacralidade da vida sempre esteve presente em Fernando Pessoa, com a crença num outro mundo, certeza compensatória de nosso exílio terrestre. 2) o segundo período é o da maior metamorfose de sua busca espiritual; dedicou-se ao estudo de textos órficos, templários, rosacruzes, percorrendo as doutrinas teosóficas, cabalísticas, neoplatônicas, espíritas, budistas, convencendo-se de que a Igreja não pode revelar mais que uma parte ínfima de Deus.

Os principais poemas místicos são dessa época. O poema "Iniciação", por exemplo, é a descrição da morte ritual como descida aos infernos. O neófito percorre os diversos graus de iniciação, sucessivos estados espirituais, com o objetivo de atingir crescentes níveis de sublimação. A progressiva perda  do eu externo falso, para a realização do verdadeiro eu. Até resgatar sua essência divina, na funda caverna e última purificação com seu corpo material abandonado na terra."

Os sonetos que têm como título "No túmulo de Christian Rosencreutz", são precedidos de uma citação de um documento rosacruz  chamado "Fama Fraternitatis Rosae Crucis" e são também de Fernando Pessoa ortônimo; os estudiosos do Poeta afirmam, porém, que todos os heterônimos (pelo menos os mais conhecidos) apresentam elementos ocultistas em seus versos, e, para Fernando Pessoa ele-mesmo, a essência do universo, a substância última da vida são as forças ocultas.

Jacinto do Prado Coelho, grande conhecedor da obra de seu conterrâneo, chama Alberto Caeiro de "místico da espantosa realidade". Diz ainda: "Toda a poesia ortônima e heterônima pressupõe a amargura da incapacidade de conhecer o que está para além, uma vez adivinhado um além; a fome de Absoluto, sentimento do absurdo da vida, sentimento de que tudo é ilusão. Cada um deles, a seu modo, era místico, ocultista vez por outra. O poema "Eros e Psique"  tem como epígrafe um trecho do ritual do Grau de Mestre do Átrio na Ordem Templária de Portugal. O poema é de Fernando Pessoa ortônimo.

O crítico Gilberto de Melo Kujawski diz que o poema "Além Deus" documenta a entrada do Poeta no esoterismo e afirma: "O ocultismo em Fernando Pessoa não é farsa, é projeção cósmica  de sua duplicidade fundamental." Vejamos os versos do poema: "Olho o Tejo, e de tal arte/ Que me esquece estar olhando/ E súbito isso me bate/ De encontro ao devaneando - /O que é ser-rio, e correr? O que é está-lo eu a ver?//  Sinto de repente pouco,/ Vácuo, o momento, o lugar./ Tudo de repente é oco - / Mesmo o meu estar a pensar./ Tudo – eu e o mundo em redor - /Fica mais que exterior.// Perde tudo o ser, ficar,/ do pensar, se me some./ Fico sem poder ligar/  Ser, ideia, alma de nome/ A mim, à terra e aos céus...//...................../ E súbito encontro Deus." (Há mais quatro poemas ainda, sobre esse "encontro").

Mensagem, a única obra publicada em vida do autor, é tida como a sua obra mais esotérica. Trata de Portugal, sua história, sua alma, mas, sobretudo, trata da condição humana, daí seu alcance universal.

Fernando Pessoa refere-se a fatos e personagens históricos diretamente ou em metáforas. Não é uma obra narrativa, como Os Lusíadas e as demais epopeias conhecidas.

O poema se divide em três partes: 1: Brasão, com 19 poemas; 2: Mar Português, com 12 poemas e 3: O Encoberto, com 13 poemas. Na primeira parte, é evidente o uso da numerologia esotérica. O escudo heráldico distintivo da nobreza de Portugal tem relações numéricas constantes e altamente significativas. Mensagem é o fruto final da iniciação hermética de Fernando Pessoa, sua grande obra alquímica.

"Hiperlúcido, podendo destruir-se até o suicídio, Pessoa submete tudo à sua diabólica inteligência. Espalhou por sua obra uma série de chaves que autorizam a iniciar um roteiro de sondagem no seu universo ocultista... Uma delas é o poema "Tabacaria". - citação do Prof. Massaud Moisés.



ARL - Academia Ribeirãopretana de Letras

Muito bom este tópico, um outro "lado" deste génio, que não deixa de ser genial!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

Eu adoro Fernando Pessoa e acho que fiquei a adorar mais quando descobri esta parte oculta e fascinante dele. É mesmo um génio! :)

sofiagov
#3
Citação de: cepticooucrente em 28 abril, 2015, 09:36
Eu adoro Fernando Pessoa e acho que fiquei a adorar mais quando descobri esta parte oculta e fascinante dele. É mesmo um génio! :)

:) é sim senhor.