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  • Cosmovisão: Um Olhar Celta sobre o Universo
    Iniciado por cody sweets
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Universo em Criação

No eterno vir a ser, que parece ser a concepção druídica do mundo, não se pode voltar atrás. Ao contrário, é necessário ir adiante, e a renovação e o rejuvenecimento estão à frente, e não atrás.
- Jean Markale

Uma das características mais marcantes dos mitos celtas é a ausência de cosmogênese – não há um relato da criação e início do universo: isto porque, em última análise, o universo não foi criado: ele vem sendo criado através das eras, pelas ações transformadoras do tempo, das intempéries e das criaturas – inclusive, nós. Esta visão nos devolve a responsabilidade pelos nossos atos, tanto individuais quanto coletivos. Joseph Campbell nos diz que "sua vida é o resultado de suas próprias ações. Não há ninguém a culpar, a não ser você mesmo", e é por isso que a Alma Celta hoje não se limita a ser somente uma filosofia ou uma religião, mas é também um modo de vida para o qual a preservação e restauração da natureza, os direitos dos outros animais, o consumo consciente de produtos e recursos e a vida ética são práticas fundamentais.

Micro x Macro: chave do pensamento celta

Em nossos tempos, a base da sociedade é o indivíduo: é comum ouvirmos que cada um deve ser respeitado em sua "individualidade" ou que temos de preservar os "direitos individuais"; produtos são vendidos em porções "individuais" e a competitividade artificalmente embutida no universo profissional faz com que todos pensem em si sem pensar no coletivo. Do trabalho para a coletividade e até para o seio da família é somente um passo curto, mas devastador para as relações pessoais.

Isso simplesmente não tinha espaço na Sociedade Celta. NO seio da tuath, a tribo, cada pessoa tinha a sua liberdade assegurada de acordo com sua condição pessoal, mas acima de tudo estavam os interesses comuns da tribo. O Corus Bescna, um texto legal produzido na Irlanda Medieval, afirma que "É um dos deveres da tribo oferecer apoio a cada membro da tribo, e isso a tribo faz quando nas condições ideais. Os deveres de um indivíduo para com sua tribo são: que aquilo que ele não comprou ele não venda; que ele não cause ferimento; nem deseje ferir ou trair". Ou seja, a tribo, como entidade-nase da sociedade, é responsável pelo bem estar de cada indivíduo dentro de suas possibilidades. Em contrapartida, as ações do indivíduo não podem desrespeitar os interesses da tribo como um todo.

Do ponto de vista celta, cada pessoa é uma parte vital de sua tribo, como um órgão de um organismo. A relação entre ambos é de interdependência: um não existe sem o outro e o desequilíbrio de um implica no desequilíbrio do outro. Da mesma forma, e até pela inter-relação de almas que o princípio anímico da Alma Celta propõe (ver "Animismo" acima), a relação do indivíduo com a sua comunidade amplia-se para a relação entre essa comunidade e a paisagem em que vivem. Essas relações são variações de um mesmo tema, em micro- e macro-níveis, como fica claro na compreensão pelos celtas irlandeses do simbolismo da Colina de Tara para a Alma da Irlanda. (link)

A ação individual é parte da ação global: pelo pensamento celta, estamos todos interligados - algo que, graças a teorias modernas como o Pensamento Sistêmico e a Física Quântica, somente agora a mentalidade ocidental parece capaz de compreender/recordar. Isso determina que quem se identifica com a espiritualidade celta deve ter consciência de seus atos, das causas e conseqüências, das origens das coisas e pensamentos, das interconexões. Em resumo: trata-se de um caminho de consciência e responsabilidade, que nos mostra qual o nosso papel dentro do Universo.

Parece pretensioso e distante da realidade, mas é mais simples do que se pode imaginar. Ao afirmar que "o objetivo da vida é fazer com que o pulso de seu coração entre em harmonia com o pulso do universo, alinhando a sua natureza individual com a Natureza", o grande mitólogo norte-americano Joseph Campbell ecoou com precisão a essência da espiritualidade celta que, com sua profunda compreensão da Natureza, oferece a cada um de nós a chance de viver melhor a partir do re-entendimento da qualidade de nossa relação com o mundo.


O Universo Celta

Como praticamente todos os povos de origem indo-européia, os celtas viam o universo composto por três níveis de realidade: um mundo superior; este mundo intermediário; e um mundo inferior - todos interligados de forma harmônica, entrelaçados como num 'knotwork' celta. Uma vez que o druidismo é uma filosofia que preza o equilíbrio e não o conflito entre os extremos, não existem conceitos como bem ou mal absolutos: portanto, não existem "Paraíso" ou "Inferno". O que existe é a percepção do 'mundo médio' – o universo fenomenológico em que vivemos – e o Outro Mundo, o mundo sutil, espiritual, divino.


'Terra dos Abençoados': Visões Celtas do Outro Mundo

Seja na forma de ilhas a oeste das terras celtas, seja na forma das 'colinas ocas' da paisagem britânica, o Outro Mundo Celta é sempre descrito como um local paradisíaco, habitado por deuses e deusas, heróis e heroínas, onde não há inverno nem tempestades e há fartura e alegria. O Outro Mundo é o reflexo da perfeição, e é dever do druida viajar ao Outro Mundo em busca dessa perfeição para aplicá-la neste mundo. Essa é a característica do druida como xamã, o 'caminhante entre mundos' que conhece a realidade do "Paraíso" e aplica-a em nossa realidade, promovendo a cura e a harmonia.

Quer dizer então que é possível viajar ao Outro Mundo em vida? Para a Alma Celta, sim. Os mitos e lendas celtas nos mostram que diversos heróis e heroínas fizeram a 'perigosa travessia' que os levou ao Outro Mundo transformando-os para sempre. Através das aventuras de Arthur e seus companheiros nas lendas galesas, bem como as Imramma ("viagens por mar") irlandesas, embarcamos em verdadeiras jornadas xamânicas para Avalon / Inis Afalach (a 'Ilha das Macieiras'), ou Hy Brasil, a 'Ilha dos Abençoados'.

O Vaso da Perfeição

Poucos conceitos são tão celtas em sua essência quanto "A Busca pelo Graal": seja na forma de um Cálice, como na mais conhecida literatura arthuriana medieval, seja como um Caldeirão no Outro Mundo nas lendas galesas originais, ou ainda na forma das fontes e nascentes irlandesas, o Graal é o Recipiente Mágico de onde jorra a Vida e a Inspiração. Alocado em terras sagradas no Outro Mundo - Avalon, Hy Brasil ou Annwn - o Cálice Sagrado ou o Caldeirão Inesgotável da Fartura é o recipiente que contém o néctar transformador e restaurador da Vida. Encontrar o Graal e dele beber é a metáfora perfeita para a filosofia celta.



'A Donzela do Graal' - Dante Rossetti

O Outro Mundo e Nossa Realidade

Na verdade, há momentos em que os mundos estão tão próximos que parece
que nossas coisas terrenas não passam de sombras das coisas do além.

- WB Yeats, The Celtic Twilight

É consenso que o Outro Mundo celta está próximo a este, ou mesmo a este mesclado. Mas engana-se quem crê que isso facilita o contato com o Outro Mundo. Ao contrário, essa proximidade – maior do que se imagina – é justamente o que dificulta o acesso ao mundo espiritual: afinal, o Outro Mundo celta não está num ponto geográfico determinado. Como bem lembra John Carey, "existem múltiplos outros mundos irlandeses, localizados em lugares específicos, tanto no subterrâneo quanto em ilhas. O Outro Mundo é uma abstração moderna". Se o Outro Mundo é uma abstração, não é a movimentação física que nos leva até ele: mais que um local geográfico, o Outro Mundo é um estado de espírito. Quem não entender esta realidade está condenado, qual Cavaleiro do Graal, a vagar em busca do inatingível objetivo.


Outro Mundo Celta: um mundo ideal

Nas terras paradisíacas do Outro Mundo celta não há fome nem inverno, e lá vivem guerreiros heróicos, poderosas damas e nobres reis. Pode-se dizer que o Outro Mundo Celta é um mundo ideal – e aqui esta palavra ganha mais de uma acepção: para além do sentido comum segundo o qual "ideal" é algo perfeito, o 'mundo ideal' do Outro Mundo celta evoca o universo das idéias – da sagrada criatividade do pensamento e da imaginação. Eis porque o conceito celta de Outro Mundo é difícil de ser compreendido: jamais será encontrado num local geográfico, porque é ideal. E é ideal porque o pensamento e a imaginação – a verdadeira Magia da alma humana – é incapaz de criar algo defeituoso ou incompleto. Em cada um de nós, nos níveis mais íntimos de nossas almas, a criação daquilo que é ideal gera perfeição. A força do mundo ideal está na inspiração que ele gera e nas emoções que ele desperta – as quais, por sua vez, traduzimos em nossas ações.

Eis porque a Alma Celta atribui tanta importância e poder à Arte: a criatividade do poeta, do escultor e do músico que, a partir da página em branco, do bloco de pedra ou das cordas estáticas do instrumento, produz vida e transforma o mundo. Por esse prisma, a Arte – plástica, literária, musical ou ritual - é a manifestação neste mundo do ideal e da perfeição que o artista vislumbra no outro mundo.

George Bernard Shaw, controverso mas genial dramaturgo e pensador irlandês, afirma que "A imaginação é o início da criação: você imagina o que quer, deseja o que imagina e, por fim, cria o que deseja." Aos estudiosos das artes mágicas, esta é uma fórmula perfeita, que explica como um indivíduo, ao trabalhar sua criatividade, desperta sua natureza, faz aflorar as forças criadoras, comunga com os deuses. Para a Alma Celta, a Inspiração é Sagrada - uma visão traduzida com poética precisão no conceito da Awen / Imbas.

Fonte: claudiocrow.com
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"