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  • A página triste e a página zangada
    Iniciado por Filipa84
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A página triste e a página zangada

   Era uma vez uma página triste.
   Era uma página velha, de um caderno de desenhos, outrora pertencente a uma jovem estudante.
   A jovem estudante terminou os estudos, e o caderno ficou esquecido numa gaveta, em casa de sua mãe. Os anos passavam, e as poucas folhas restantes do caderno iam sendo arrancadas de evz em quando, pela velha senhora, para logo serem rabiscadas com listas de compras, receitas salpicadas de gordura, ou pequenas anotações de números, moradas e nomes.
   Mas a última folha resistia, no caderno velho de pontas dobradas pelo tempo. Era nesta última folha que morava a página triste, amarelada e velha.
   Vivia triste e solitária, de costas voltadas para a outra página. A outra página era uma página zangada. Frustrada por ser a última página, da última folha, do último caderno à venda na prateleira da papelaria, há tantos anos atrás.
   Estava permanentemente zangada e amargurada, pois convencera-se que nunca iria ter qualquer uso. Irritava-se com as lamúrias da sua companheira de costas voltadas, não compreendia a sua infinita tristeza pois, ao menos para ela, ainda havia esperança, ainda podia ser usada, um dia... Quanto a si, não tinha qualquer expectativa: Nascera branca e cheia de potencial, e morreria amarelada e inútil. Vazia. Nenhum artista nela escreveria belas palavras, nem nenhum génio anotaria os seus brilhantes cálculos matemáticos.
   Até que um dia ouviram a senhora da casa gritar para o neto:
   - André sossega lá um bocadinho! A avó tem de aspirar a casa. Olha, vai fazer um desenho, e senta-te quietinho
   Obediente, o pequeno André vasculhou as gavetas e encontrou um caderno. Com espanto, verificou só existir uma folha.
   - Não faz mal – pensou. - Chega muito bem, só não me posso é enganar.
   Empenhado, agarrou nos seus lápis e começou a desenhar, na primeira página.
   Encheu-a de todas as cores que o seu conjunto de lápis permitia. Desenhou a relva do quintal da avó, usando todos os tons de verde de que dispunha.Pintou uma árvore com passarinhos amarelos e roxos, uma casa azul, de telhado vermelho, e desenhou-se a si mesmo e à avó, saltando à corda debaixo da frondosa árvore.
   Para terminar, pintou um enorme sol, numa explosão de amarelo e laranja.
   Quando terminou, ergueu a folha em contra luz para apreciar o seu trabalho, e a página zangada sentiu as cores trespassarem-na. Sentiu os contornos dos desenhos, o calor do amarelo e a frescura do verde. Acima de tudo, sentiu o carinho impresso naquele desenho.
   Com uma ponta de inveja e resignação, disse à companheira:
   - Estás a ver? Eu bem te disse que um dia ias ser usada. Que sorte a tua, um lindo desenho de uma criança, é um destino nobre, do qual não muitas páginas se podem gabar hoje em dia! Só eu é que nunca vou servir para nada, contentar-me-ei em ser o teu suporte e a sombra das tuas cores. – terminou com um suspiro.
   Mas foi então que o menino virou a folha, e decidiu escrever uma dedicatória na parte de trás do desenho, na folha zangada:

   Querida Avó:

    Eu gosto muito de ti.
    Tu fazes as melhores bolachas do mundo e deixas-me brincar ao ar livre. Deixas-me estar de joelhos no chão e não te zangas quando me sujo.
    Quando estou doente, tenho a certeza que são as tuas torradas que me põem bom, e não os remédios. Eu sei disto porque fico logo quentinho e bem-disposto, e os remédios não fazem isso!
    Em conclusão, queria mesmo dizer que te adoro, porque és boazinha e zangas-te pouco.            Quando te ris ficas muito fofinha com as rugas todas à volta dos olhos, são bonitas, porque parece que passaste a vida a rir, e isso é muito bom, para uma velhinha!
    Espero que gostes do meu desenho, somos nós a saltar à corda no teu quintal. Eu sei que não podes, por causa dos teus ossos, mas quando olhares para o desenho, é como se estivéssemos lá os dois, de verdade.

Mil beijinhos,
André.


   E assim a página triste a página zangada viveram felizes para sempre, ostentando com orgulho a expressão do amor de uma criança.


Filipa Baptista
"A ciência não só é compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade" - Carl Sagan

sofiagov
sim senhora bela história .

Mais uma vez adorei muitos parabéns Filipa. :-*

"A ciência não só é compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade" - Carl Sagan

 ;D Muito engraçado o conto. Parabéns  :P
Não me trates por VOCÊ!!!
Respeito mais tratando-te por TU do que tu a tratares-me por VOCÊ!

Um conto infantil muito bom. Tens jeito para a literatura infantil, que é extremamente difícil, continua.


Parabéns, mesmo

Templa
Templa - Membro nº 708

"A ciência não só é compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade" - Carl Sagan