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  • Conto de Natal - O Coração da Mãe
    Iniciado por Templa
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            - E logo hoje a avó Aurora tinha de se esquecer da canela! – disse João aos primos, com um falso ar zangado. Sabia quem teria de a ir comprar. Ele próprio, que era o mais velho de todos. O pai, o tio Alberto, o tio Júlio e o avô António tinham saído de casa cedo e nenhum deles podia ir à vila. Tinham ido à casa velha do prédio mais bonito dos avós buscar lenha para a fogueira de Natal. Ele e os primos ficaram a dormir, depois de os jogos no computador, na véspera, se terem prolongado noite dentro comprometendo-lhes o acordar cedo desse dia.

            A vista das Travessas era deslumbrante, especialmente em dias como aquele. Apesar do frio. O sol brilhava desde manhãzinha e não se veria lá do alto aquele capacete de nevoeiro que às vezes cobria a aldeia, onde os avós maternos tinham nascido um dia.
Mas hoje a paisagem não podia contar, nem com ele nem com os primos e tinha pena. A jornada iria ser outra. O Jorge e o André, também gostavam de ter ido às Travessas, mas as razões de uns e de outros para terem ficado a dormir eram as mesmas: o computador. De maneira que, sentir a brisa ondulante das árvores que povoavam o caminho até lá, iria ficar para depois. Para depois, também, ficaria aquela música das folhas dos dois enormes eucaliptos, ao cimo da estrada, agitadas pelo vento e a ecoarem naquela melodia suave que lhe ficara no ouvido desde criança. Logo da primeira vez que lá fora, ainda pequenino, aquele som do vento e das árvores enfeitiçara-o. Vinha de toda a serra que envolvia o vale, onde um dia nascera um povoado. Entre a aldeia e a montanha, hoje, mal o inverno despontara, via-se a terra despida do verde primaveril das vinhas. Mas, mesmo assim, o esqueleto das videiras tosquiadas pela poda e todas as vistas circundantes eram lindas.

            Mal a avó lhe falou da canela, João, Jorge e André trataram de ir ver como estavam as bicicletas. Se os pneus tinham ar suficiente ou não e quantas teias de aranha se teriam pendurado nelas. Guardadas na garagem desde o verão, deviam precisar de uma boa inspecção. Além disso, já não eram muito novas, depois de terem sido substituídas por outras que tinham na cidade onde moravam, a mais de 180 quilómetros.

            Na aldeia não havia, há anos, uma única mercearia e eles teriam de pedalar uns vinte quilómetros, 10 para cada lado, galgando a estrada que serpenteava o vale se, entretanto, não apanhassem, eles e as bicicletas, uma camioneta generosa e grande que os levasse à boleia. A subida era íngreme, mas a descida era fabulosa. Sentirem-se a deslizar por ali abaixo dava-lhes uma sensação de poder, uma experiência renovada sempre que a família ia à aldeia, nas férias ou no Natal.

             Ainda bem que a avó não se lembrara de chamar o pai, os tios ou o avô pelo telemóvel. Resolvia o problema em pouco mais de meia hora. Mas, talvez nas Travessas nem houvesse até rede. Até tinha sido bom ser ele o convocado para a tarefa.  E ele e os dois primos, antes de iniciarem o percurso até à vila, iriam convencer o único rapaz da aldeia, o Ricardo, a pedalarem juntos. Rondavam todos os 14, 15 anos e era com quem se divertiam desde os 7 ou 8 anos. Davam-se tão bem que, um dia, até lhes tinham chamado "Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse" e, mesmo,  "Os Três Mosqueteiros e D'Artagnan". Desde que a terra se transformara quase num lugar fantasma, valiam as férias de Verão, Páscoa e Natal para o lugarejo se encher de gente jovem, quando os poucos moradores eram eles próprios quase fantasmas. Já só havia idosos, ainda mais velhos do que os avós, já na casa dos sessenta. De maneira que o amigo era uma mais-valia para os três primos e para as suas diversões.

             Já as irmãs, a Patrícia e a Carolina, uma com 8 e outra com 5 anos, assim como as primas, eram demasiado pequenas para os acompanharem nas brincadeiras e, muito menos, irem onde hoje tinham de ir. A Sara tinha 10 anos, era irmã do Jorge e a Joana, com 7, era irmã do André, filhos, respectivamente, da tia Lúcia e do tio Alberto, da tia Margarida e do tio Júlio. O papá e as irmãs sempre tinham sido muito chegados e, desde que, depois da morte do avô Carlos, o pai restaurara e ampliara a casa, o Natal era sempre passado na aldeia. Com cinco quartos, cabia lá toda a família. Incluindo, sem falta, o avô António e a avó Ester. O pai era engenheiro e, juntamente com um amigo arquitecto, após a demolição de algumas paredes interiores, tinha feito da cozinha o centro de convívio da família, de onde todos concordaram em excluir a televisão. Sendo enorme, as paredes de granito tinham ficado à mostra e tinha uma lareira ao centro. Era onde todos se sentavam ao lume, ao redor da fogueira, que aquecia todo o espaço. Além disso, a um canto, o pai construíra ainda outra lareira mais pequena, usada sobretudo no inverno e, especialmente, na noite da consoada. Era lá que as avós e as tias, numas enormes panelas de ferro com três pés, coziam as batatas, as couves, o bacalhau e o polvo, depois de já terem feito os doces todos. As rabanadas, os bolos de gila, as filhós, os sonhos e os pastéis de bacalhau eram a especialidade da Avó Aurora, enquanto o arroz-doce, a aletria, o leite-creme e as farofas, cabiam inteiramente à avó Ester. E era ele, João, bastante habilidoso no desenho, que, a seguir, com a canela que hoje ninguém se lembrara de comprar, enfeitava as travessas, desenhando motivos alusivos ao Natal.

             Quando começara com as decorações natalícias, dois anos antes, tinha tentado desenhar um presépio num grande prato de arroz-doce, com as figuras principais, mas enganou-se nas proporções e o resultado fora desastroso. Nossa Senhora e S. José saíram enormes e ele tinha ficado sem espaço para o Menino Jesus e, muito menos, para uma ou duas vaquinhas. Ou até para o burrinho.

              O remédio, em seguida, foi ficar-se por coisas mais simples, como as estrelinhas, os sininhos e as folhinhas de azevinho.
Tinham chegado já na véspera da consoada e, hoje, o dia já começara numa azáfama, que os envolvia a todos. Sobretudo as mulheres. Excepção era a mãe.
A mãe era tão linda... Tinha os mesmos olhos verdes do avô Carlos, falecido quase três anos antes de repente, e uma pele de veludo que ele gostava de beijar quando a sentia mais triste, como vinha acontecendo nos últimos tempos. Ela adoecera pouco antes de o avô morrer e a avó Aurora ainda hoje estava convencida de que o marido morrera de desgosto por causa da doença da única filha, a quem ambos tinham feito questão de chamar Estrela.

              Ninguém falava nada acerca da doença mãe em frente dele e das irmãs, mas ele sabia muito bem que o problema era do coração e muito grave. A mãe nascera com uma deficiência, agravada por causa do nascimento dele e das irmãs. Sobretudo da Carolina, a irmã mais nova.
As irmãs, embora vissem a mãe sempre doente, não tinham noção das coisas. Mas ele ouvia muitas vezes conversas em surdina sobre o assunto. Principalmente entre o pai e a avó Aurora. Mesmo antes de deixar a escola, onde era professora de educação física, a mãe cansava-se muito e havia 3 anos que não trabalhava. Não podia fazer nada, vivendo, desde essa altura, encharcada em medicamentos. Por isso, ainda que a família lhe quisesse ocultar as coisas, não conseguiria. E se João ainda tivesse dúvidas, os rótulos dos remédios lidos às escondidas dissipavam-lhas completamente. Tinha plena consciência de que a mãe poderia morrer a qualquer momento. Entretanto, aquela mala, sempre pronta, como se ela tivesse de ir viajar inesperadamente, eram indícios mais do que suficientes de que, a qualquer altura, de dia ou de noite, a mãe poderia ter de ir para ao hospital.

             Enquanto isso, ele ficava a rezar pelo seu regresso rápido, livre daquela doença que os atormentava a todos. E, mesmo agora, a mala lá fizera de novo a viagem, embora a mãe não tivesse, tanto quanto ele sabia, sido desaconselhada a percorrer os 180 quilómetros entre um lugar e o outro. A única diferença era a de, naquele local remoto, não haver um único hospital num espaço de sessenta quilómetros de curvas e contracurvas, em estradas íngremes e, na maior parte das vezes, desertas.
Mas agora o problema era pequeno, era apenas um frasco de canela em pó e duas carteiras em pau, que ele e os primos tinham de ir buscar à vila, juntamente com o Ricardo, mais as bicicletas de cada um.

              Abalaram, como previsto, depois de terem convencido o Ricardo a acompanhá-los, e de todos prometeram à avó e à mãe que não demorariam. E, já que estavam que estavam em época natalícia, pediram entretanto ao Menino Jesus uma boleia para os quatro aventureiros das bicicletas.

              Pedalaram juntos, em fila indiana, no frio da manhã e embora já não houvesse gelo na estrada, iam com cuidado. Olhavam de vez em quando para as videiras, de um lado e de outro da via, penteadas e lindas sob os arames,  a que daí a uns meses os rebentos haviam de se enrolar como longos braços carregados de flores onde, as maravilhosas uvas nasceriam e seriam colhidas em Setembro, numa vindima afamada e à moda do Douro.
Foi no início do segundo troço, um dos menos íngremes, que o Menino Jesus lhes concedeu o milagre de uma camioneta, com sacos de batatas, couves e abóboras destinadas ao mercado da vila. Não sem antes terem de percorrer os três primeiros quilómetros à força de pedais, ensopando em suor as grossas camisolas de lã.

              Depois do recado feito, já na descida, João, os primos e o amigo vingaram-se dos três quilómetros da subida que os tinham feito pedalar e transpirar tanto, enquanto desciam à bolina o pedaço de estrada que à ida tanto suor lhes tinha arrancado.

              Em pouco mais de hora e meia, estavam de regresso com a encomenda à casa da avó Aurora. A noite da consoada poderia chegar à vontade, não seria por falta de canela que iria ser mal recebida.

               Na cozinha tudo estava a postos, apesar de entrar e permanecer nela constituir um verdadeiro desafio. Havia coisas por todo o lado, couves, batatas, bacalhau, açúcar e aquele cheirinho a canela e açúcar no ar que lhes faziam crescer água na boca. Afinal, a avó tinha feito um pouco de bluf, pois ainda havia em casa um restinho de canela para começar o Natal.
O mais importante, os sapatos, contudo, ainda não estava à lareira. Só lá seriam colocados depois da ceia e, sobretudo, a seguir à Missa do Galo. Nem sempre a havia, por falta de padre, mas este ano calhara à aldeia ser comtemplada com ela. Ninguém gostava de faltar e eles também não o iriam fazer. Sobretudo após o restauro da igreja, agora com a velha talha dourada a brilhar como se tivesse sido acabada de esculpir. E os presentes seriam abertos no dia seguinte de manhã, com o mesmo entusiasmo de sempre.

              Apesar de tudo, João estava algo circunspecto, enquanto lhe ocorriam certos pensamentos que, na maior cumplicidade, acabou por contar aos dois primos.
- Eu só queria um presente... Mas nem me atrevo a pedi-lo ao Menino Jesus, com medo de que ele não possa, ou não queira, satisfazê-lo. Só queria ver a minha mãe curada. A minha mãe, além de ser Estela de nome, é a Estrela do meu coração e de todos os dias e não a posso ver sofrer. Era o melhor presente que podia receber do Menino Jesus, muito embora há muito a fantasia de que figuras como o Menino Jesus e o Pai Natal a dar presentes, há muito se tivesse dissipado na cabeça dele.

               O primo Jorge perguntou-lhe se ele acreditava em milagres e ele respondeu que aguardava um a qualquer instante.
-Então pede-o – aconselhou ele e o outro primo. E, com isto, foram para o computador, esquecer as preocupações.

               Com tanta azáfama, hoje ninguém iria almoçar. Todos tinham de se limitar a depenicar aqui e ali qualquer coisa. Mesmo dos doces que iam aparecendo nas travessas, como os bolinhos de bacalhau, as rabanadas e a as filhós. O pai, e os tios e o avô já tinham chegado das Travessas, enquanto as irmãs e as primas brincavam na salinha pequena, perto da cozinha, com as insubstituíveis Barbies. A lenha era sempre da incumbência dos homens, o vinho também, além de um trabalho de apoio às avós e às tias no que fosse preciso. Os rapazes já tinham feito a parte deles. Agora era altura de gastarem o resto da tarde, se entretanto não os chamassem para mais uma emergência. E João até sabia qual seria a sua: enfeitar o arroz-doce e a aletria com a canela que tanto suor tinha custado. Por isso mesmo, hoje iria ficar-se por coisas simples nos desenhos, não fosse de novo o dedo sabotar-lhe as proporções arruinando-lhe os enfeites.

              Iria ser um grande Natal, como sempre. Dezasseis pessoas sentadas na enorme mesa de bancos corridos, ali mesmo na cozinha XL que o pai reconstruíra para juntar a família, uma família saudável e feliz todos os dias.

              A excepção era a mãe, que ficava sempre sentada numa cadeira de braços, no topo da mesa, o mais perto possível da lareira, para ficar aconchegada. Era o lugar dela.
A casa estava toda enfeitada de luzes. Na árvore de Natal, um pinheiro de tamanho razoável, trazido das Travessas pelo pai e pelos tios, fora enfeitada nesse meio tempo pelas tias, pelas irmãs e pelas primas, ali mesmo na grande cozinha, onde elas tinham pendurado umas bolas azuis enormes, estrelinhas e muitos corações vermelhos e pequeninos. No topo, ao lado da grande estrela dourada, estava um enorme coração vermelho. Isso, para João e para toda a família, não deixava de simbolizar que o coração da mãe estava sempre presente no coração deles que, todos os dias e tal como João fizera, pediam a Deus  um milagre que a salvasse.
A mesa estava bonita, com os melhores serviços de louça antiga da avó Aurora, dois, porque a família crescera bastante nos últimos anos. Num dos topos da mesa a avó, como sempre fizera desde que o avô morrera, mandara lá colocar o lugar dele. Estaria fisicamente vazio, mas todos acreditavam que o avô, naquela noite tão especial, estaria por ali em espírito a partilhar da refeição mais querida de um ano inteiro.

             A ceia decorreu com animação, com as meninas e parte dos rapazes a reclamarem do bacalhau e das couves. E era para agradar a todos que havia o polvo cozido, os ovos e os bolos de bacalhau, fritos pela tia Lúcia ao lume, num tacho de ferro apoiado num tripé e mais velho do que a Avó Aurora, dizia ela.

             Depois da Nissa do Galo, a que a mãe e o pai não tinham ido, após alguns instantes junto à enorme fogueira do largo do coreto, onde o Ricardo também não podia faltar, a família regressou a casa. As avós e as tias arrumaram o que devia ser arrumado, deixando entretanto a mesa posta com os doces. A avó acreditava que todos os que da família tinham partido para o além, viriam nessa noite até casa em espírito partilhar com os vivos a Noite Santa. E a mesa sempre o melhor local de reuniões. Era à mesa que se celebravam quase todos os acontecimentos da vida.

              Os rapazes, tinham ido preparar os jogos da noite para a sala, a fim de, a seguir, todos se divertirem com o quino, o monopólio e jogos do género. Só a Carolina adormecera entretanto, pelo que o pai a foi deitar na cama da avó Aurora. O dia tinha sido bastante cansativo e, com cinco anos, não aguentou, acabando vencida pelo sono. Além de que, no dia seguinte, logo de manhã, lá estariam os presentes do Menino Jesus no sapatinho e a excitação seria grande. Ela pensava que, se fosse dormir, o tempo correria mais depressa. Entretanto a Patrícia, a irmã do meio e as primas não demoraram muito tempo a segui-la, só tendo ficado a Sara.
Quando eram cerca de 3 horas da manhã, foram todos deitar-se. Os três rapazes dormiriam no grande sofá da sala e o quarto das meninas fora preparado com antecedência,  na pequena sala de apoio à cozinha, onde há tempos a avó tinha camuflado dois beliches para ocasiões como estas.

             Depois de a cama deles estar preparada, os rapazes não demorara muito, estavam a dormir a sono solto, e tão profundamente que não haveria nada no mundo que os acordasse. Estavam demasiado cansados das corridas de bicicleta e de todas as emoções do dia.
Acordaram de manhã com os gritos das irmãs e das primas revolvendo os presentes no sapatinho que o Menino Jesus lá deixara durante a noite. Bárbies,  nenucos ,  estojos de médico,  kits completos para o banho das bonecas . Enfim,  era um mundo de brinquedos que nunca mais acabava, enquanto os rapazes, depois de tamanha alegria das meninas, se levantaram para verem até que ponto se empenhara com eles  o Menino Jesus em tempos de tanta crise.
João, ao olhar para a avó Aurora, que assistira, juntamente com a Tia Margarida, o Tio Júlio, a Avó Ester e o Avô António ao desembrulhar de presentes, pareceu ver-lhe nos olhos sinais de quem tinha chorado e, antes de a Carolina regressar do quarto dos pais e dizer que eles não estavam, João, sem lhe passar pela cabeça ir ver o sapatinho, pensou logo no pior.

Quando as irmãs voltaram do quartos dos pais dizendo  que eles não estavam, João  desatou a chorar compulsivamente, contagiando as irmãs e os primos e desencadeando algumas lágrimas nos restantes, enquanto, abraçado à avó Aurora,  dizia:

            - A mãe, morreu, a mãe morreu – e chorava copiosamente.
            - Não João! A mãe não morreu! Foi apenas para o hospital para lhe colocarem um coração novo. Foi chamada de urgência e não vos quisemos preocupar. Olha,  foi um presente de Natal para ela e para todos. Graças a Deus! – Exclamava a tia Margarida.

              Patrícia,  por entre lágrimas, perguntou então  à tia:

            - Um presente de Natal? Mas o menino Jesus também dá de presente corações vivos e com sangue?
Todos sorriam com a pergunta.
           - Às vezes dá. E o novo coração da mamã vai ser tão bom que ela nunca mais ficará doente – respondeu  a Tia Margarida.
           A miúda começou nesse meio tempo a ficar mais calma e, depois do choro inicial, foi acabar de abrir os brinquedos, enquanto João e os primos se abeiravam dos avós, do tio Júlio e da Tia Margarida para saber na realidade o que se tinha passado.
- A mãe foi chamada às 4h da manhã, pouco depois de termos ido para a cama, para lhe fazerem o transplante. Inesperadamente, alguém morreu e agora a tua mãe vai receber o coração dessa pessoa. Neste momento, ainda deve estar a ser operada. – disse o Tio Júlio.
Depois de todos acalmarem um pouco, João foi para o quarto dos pais metendo-se na cama ainda choroso.

            Após a conversa na cozinha, junto à lareira das prendas, João estava, por um lado, triste, mas, por outro sentia-se feliz, embora preocupado. Um transplante de coração não era uma operação banal. E o que o deixava triste era o facto de saber que alguém, possivelmente jovem ainda, tivesse morrido para ser agora possível que o seu coração começasse de novo a bater no peito da mãe. Teria sido alguém jovem a morrer num daqueles estúpidos desastres de viação que tantas vidas levam atrás? E seria o coração de um homem ou de uma mulher que, daí para o futuro, bombaria no peito da mãe?

           Era uma sensação estranha pensar em tantas coisas. Mas no fundo, agradecia àquele ser desconhecido que partira para o além mas que, apesar de tudo, não fora em vão. Daí para a frente, não haveria um único dia em que ele não elevasse uma prece a Deus, pedindo-lhe para guardar bem no Seu reino aquele ser que salvaria a mãe de uma morte lenta e em agonia. Ela estaria de volta dentro em breve e voltaria a ser saudável, a sua Estrela e a mãe mais bonita de todas as mães do mundo.

           Quando eram cerca das 11H, a Avó Aurora bateu à porta do quarto, dizendo-lhe que Pedro, o pai de João tinha acabado de telefonar. A operação tinha corrido muito bem, fora um sucesso e, dentre em breve, teriam a mãe de volta.
João, com um sorriso na boca do tamanho do mundo, levantou-se e, abraçado à avó, confidenciou-lhe:
           - Avó, posso dizer-te uma coisa?
           - Sim filho. Diz.
           - A cura da mãe foi o que hoje mais pedi ao Menino Jesus. Podes perguntar ao Jorge e ao Tiago. Afinal, ele existe e pode dar os melhores presentes do mundo. Só foi pena ter de morrer alguém que, se calhar até tem filhos como nós, que agora estarão sem mãe ou sem pai.
            - Sim. Ele ouviu-te, João. Quanto ao que se passou para tudo ter sido possível, não devemos senão agradecer a Deus e a quem foi esta noite embora deste mundo e deixou o coração para a tua mãe.
             - Olha, avó, já fiz isso... Mas queria ainda pedir-te outra coisa?
             - Claro, João. Diz
             - No ano que vem, quando puseres a mesa para a ceia de Natal, gostava que lhe acrescentasses mais um lugar vazio... Era para esta pessoa desconhecida que agora, através da mãe, faz parte das nossas vidas...
             - Assim farei, querido neto. Assim farei...

             E tudo aconteceu na Noite de Natal.


Templa, 11 de Dezembro de 2012
Templa - Membro nº 708

anokidas
Que linda história Templa,Parabéns
Este Final foi certamente muito mais feliz para toda a família,quanto ao Natal e a maneira bonita que descreves,parece o Natal aqui da família do meu marido,aqui vivesse o Natal tal e qual, em família e todos a ajudar,famílias enormes e muita comida graças a Deus...este ano não sei,mas amor haverá certamente.

Gostei muito,Parabéns


Anokidas

Citação de: anokidas em 11 dezembro, 2012, 23:46
Que linda história Templa,Parabéns
Este Final foi certamente muito mais feliz para toda a família,quanto ao Natal e a maneira bonita que descreves,parece o Natal aqui da família do meu marido,aqui vivesse o Natal tal e qual, em família e todos a ajudar,famílias enormes e muita comida graças a Deus...este ano não sei,mas amor haverá certamente.

Gostei muito,Parabéns


Anokidas

Obrigada. Este conto já estava meio escrito desde o ano passado e, por acaso,  tem na origem um burlão que passou por aqui e que se dizia Agente literário... Enfim, uma coisa para esquecer. E o homem nunca mais é apanhado pela polícia. É alérgico a alho e a cebola...

Bjs.

Templa
Templa - Membro nº 708