Bem-vindo ao Portugal Paranormal. Por favor, faça o login ou registe-se.
Total de membros
19.424
Total de mensagens
369.458
Total de tópicos
26.916
  • Os Fundamentos Do Ateismo.
    Iniciado por Mephisto
    Lido 2.722 vezes
0 Membros e 1 Visitante estão a ver este tópico.
Mephisto
Após um interessante debate acerca do cepticismo na perspectiva do defeito, reparei que existia uma grave ausência de informação racionalizada à altura do tema em questão.
Atendendo à temática geral do fórum, parece-me pertinente a introdução deste tópico no sentido de melhor compreender a essência do ateísmo que resultará, absolutamente, numa melhor compreensão do cepticismo com que muitos são aqui confrontados diariamente.
Espero que apreciem o enorme exercício intelectual por parte do autor (não é meu o texto).



OS FUNDAMENTOS DO ATEISMO


"Por simples bom senso,
não acredito em Deus.Em nenhum."

Charles Chaplin

«««Etimologicamente, a palavra "ateu" é formada pelo prefixo "a" (que denota ausência) – e pelo radical grego theós – que significa Deus, divindade ou teísmo. Ou seja, a palavra "ateu" pode significar sem deus ou sem teísmo. Como a imprecisão desse primeiro significado o torna impróprio para representar a noção de descrença ateísta, usa-se como base a acepção teísmo, que significa crença na existência de algum tipo de deus ou deuses de natureza pessoal. Neste caso, chegamos a uma definição mais coerente e clara de indivíduo ateu – aquele que não acredita na existência de qualquer deus ou deuses. Assim, quando queremos uma palavra que representa tal perspectiva, usamos o termo "ateu" ligado ao sufixo "ismo", que, na língua portuguesa, é usado com o significado de doutrina, escola, teoriaou princípio artístico, filosófico, político ou religioso. E, deste modo, chegamos a uma definição bastante nítida do que é ateísmo: estado de ausência de crença na existência de qualquer deus ou deuses.

Antes de tudo, é importante salientar que, comummente, a maioria dos ateus, quando se refere à sua posição, diz apenas que não acredita em deus/deuses. Isso não está incorrecto, mas, na verdade, o que quer dizer é que não acredita na existência de deus/deuses. Afirmar apenas "não acredito em Deus" pode dar margem à interpretação errónea de que a pessoa em questão acredita na sua existência, mas é contra deus, contra os seus mandamentos, ou então que não lhe dá qualquer crédito, o desacredita, o difama, facto este que, não raro, dá origem a vários preconceitos em relação à posição ateísta. Esclarecido este ponto, vejamos quais são os tipos de ateísmo existentes. Há várias modalidades de ateísmo que diferemfundamentalmente quanto à atitude do indivíduo para com a ideia de uma divindade. Vale a pena lembrar que tais classificações são meramente didácticas, feitas apenas para delinear as circunstâncias mais comuns em que o ateísmo pode ser encontrado. As duas modalidades/tronco são:

Ateísmo implícito
– Ateísmo puro
– Ateísmo prático

Ateísmo Explicito
– Ateísmo passivo/céptico
– Ateísmo activo/crítico

A primeira, filosoficamente, é pouco relevante. O ateísmo implícito, como o próprio nome indica, é a variante do ateísmo que existe tacitamente. Neste caso, o ateísmo não se fundamenta na rejeição consciente e deliberada da ideia de deus, baseada em conceitos filosóficos e/ou científicos, mas simplesmente existe enquanto um estilo de vida que não leva em consideração a hipótese da existência de algum deus para se guiar. O ateísmo implícito pode ser dividido em ateísmo puro e ateísmo prático.

O ateísmo puro é o estado de ausência de crença devido à ignorância ou à incapacidade intelectual para posicionar-se ante a noção da existência de uma divindade. Nesta categoria entram todos os indivíduos que nunca tiveram contacto com a ideia de um deus; por exemplo, alguma tribo, grupo ou povo que se encontre isolado da civilização e que seja alheio à ideia de um deus. Também se enquadram nesta categoria os indivíduos incapazes de conceber a ideia de um deus (seja isto por imaturidade intelectual ou por deficiências mentais, como por exemplo, crianças de pouca idade, pessoas que sofrem de alguma enfermidade mental incapacitante).

O  ateísmo prático enquadra aqueles que tiveram contacto com a ideia de deus, ou seja, que conhecem as teorias sobre as divindades, mas não tomam qualquer atitude no sentido de negá-la, rejeitá-la ou afirmá-la, permanecendo, deste modo, neutros sobre o assunto. É nesta categoria que se encontram os que normalmente se dizem agnósticos,isto é, aqueles que julgam impossível saber com certeza se há ou não uma divindade. Segundo este ponto de vista, devido a essa impossibilidade, afirmam que seria inútil qualquer esforço intelectual no sentido de comprovar ou refutar a existência de um deus. Qualquer pessoa que tem conhecimento da existência das religiões e das suas teorias, mas vive sem se preocupar se há ou não algum deus ou julga impossível sabê-lo com certeza, sem rejeitar ou afirmar explicitamente a ideia de deus, é classificada como pertencente ao ateísmo prático.

O ateísmo explícito é a rejeição consciente da ideia de deus. A causa desta rejeição frequentemente é fruto de uma deliberação filosófica; contudo, não é possível fazer qualquer espécie de generalização quanto à causa específica da descrença, pois cada pessoa julga individualmente quais as razões que são válidas ou inválidas para corroborar ou refutar a ideia da existência de um deus. O ateísmo explícito pode ser dividido em duas outras categorias: ateísmo passivo e ateísmo activo.

O ateísmo passivo ou céptico é a descrença na existência de deus/deuses devido à ausência de evidências em seu favor. Esta variedade também pode ser encontrada sob a denominação de "posição céptica padrão", pois reflecte um dos axiomas mais fundamentais do pensamento céptico, que é: não devemos aceitar uma proposição como verdadeira se não tivermos motivos para fazê-lo; ou, na sua versão lacónica: sem evidência, sem crença. O ateu desta categoria limita-se a encontrar motivos para justificar a sua rejeição da ideia de deus, por vezes esforçando-se em demonstrar por que as supostas provas da existência divina são inválidas, mas sem se preocupar com a negação da possibilidade da existência de um deus.

O ateísmo activo ou crítico é a variedade mais difícil de ser defendida, pois é uma descrença que envolve a negação da possibilidade da existência de um deus. Os ateus desta categoria tipicamente intitulam-se racionalistas e seguem o princípio de que o ataque é a melhor defesa. Ou seja, literalmente atacam a ideia de deus, evidenciando as contradições e as incongruências presentes neste conceito, empenhando-se em demonstrar, através de argumentos racionais, por que razão a existência de um deus (como definido pelas religiões) é logicamente impossível.

À primeira vista, talvez pareça que tais definições são demasiado singelas para serem capazes de abarcar todas as possibilidades, mas não são. Isso porque a posição ateísta, em si mesma, não é positiva, não possui qualquer conteúdo, pois não representa algo, apenas a ausência de algo; nas suas categorias mais elaboradas, o ateísmo é uma ausência vinculada a uma rejeição ou a uma negação de algo largamente aceite, que, no caso, é o teísmo, nas suas variadas formas.
Deste modo, a definição de ateísmo não subentende qualquer espécie de descrição prática do indivíduo. Nesta classificação, aquilo que os ateus fazem nas suas vidas não é levado, de todo, em consideração. Ao contrário de outros "ismos" (como cristianismo, judaísmo, espiritismo, xintoísmo, hinduísmo, islamismo), o ateísmo não é um estilo de vida nem uma doutrina dotada de um corpo de conhecimentos ou princípios, mas somente uma classificação acerca do posicionamento ou estado intelectual do indivíduo em relação à ideia de deus. Portanto, o ateísmo não possui natureza análoga às religiões teístas.
Uma vez que o ateísmo é apenas uma classificação (e não uma doutrina ou uma cosmovisão), logicamente não incorpora qualquer espécie de valores, princípios morais ou noções de ética. É exactamente devido a esse facto que muitos indivíduos, inadvertidamente, classificam os ateus como imorais. Deve ficar claro, no entanto, que a ausência de um conjunto de valores morais, na verdade, refere-se somente ao ateísmo em si mesmo, de modo que, na prática, isso não implica qualquer incompatibilidade entre os dois absolutamente.

Assim como os teístas, os ateístas possuem valores morais que norteiam as suas acções. Não há evidências empíricas em absoluto para sustentar a acusação de imoralidade tão frequentemente lançada contra os descrentes. É claro que os ateus, como um todo, não compartilham um código moral único, não possuem uma moral baseada na autoridade de princípios ateístas, que seriam absolutos ou superiores como os valores vinculados ao teísmo. Na realidade, os ateus escolhem individualmente (visando os seus objectivos, as suas necessidades) quais são os valores que melhor lhes servirão para guiar as suas vidas em função do sentido que escolheram para elas. O que não existe é uma moral ateísta no sentido em que falamos de uma moral cristã, mas há, por certo, ateístas morais, que se baseiam em factores de natureza humana para fundamentar os seus valores de modo racional. Sem um deus, tais factores não poderiam ser absolutos ou transcendentais.

Logicamente, a grande frequência com que se tenta corroborar ou refutar o ateísmo através de julgamentos e valores morais apenas demonstra uma lamentável leviandade (ex: "os ateus também fazem caridades" ou "muitos ateus são criminosos"). É claro que, se desejarem, alguns ateus podem ser bondosos, compassivos, solidários etc. Talvez devido ao facto da maioria dos religiosos se identificar com esse tipo de moral o seu típico rancor em relação à palavra "ateu" possa ser um pouco amenizada; todavia, pretender que a bondade tenha, em si mesma, algum valor, que ofereça qualquer verosimilhança à posição, é, no mínimo, um absurdo. O mais "dogmático" dos ateísmos ainda não passa de uma mera negação ("Deus não existe", afirmativamente). Sendo assim, assumir um posicionamento ateísta remete-nos a um plano muito mais fundamental, muito mais abrangente. Por outras palavras, além de ser independente da moral, o ateísmo precede-a em profundidade filosófica. Ou seja, na melhor das hipóteses, somente será possível deduzir, individualmente, valores a partir do ateísmo, mas nunca o ateísmo a partir dos valores.

Daí a impossibilidade da bondade, por exemplo, servir de suporte a ele; e o mesmo vale para objecções ao ateísmo baseadas em delitos cometidos por indivíduos ateus.
Há também uma grande tendência de se querer vincular a responsabilidade das acções à visão de mundo do indivíduo, e tal tendência está ligada à ideia de que esta vem sempre carregada de valores e deveres (neste caso, também vinculada ao mal-entendido de que o ateísmo é uma crença positiva). Por exemplo, se um cristão faz uma caridade em nome de deus e usa a Bíblia para justificar tal feito, então pode-se dizer que o cristianismo é, em certo grau, responsável por tal acção. Isso porque toda religião tem os seus dogmas, as suas verdades, os seus princípios superiores, em suma, o seu cânone "tu deves". Portanto, ela define o que é o bem e o que é o mal, o que é certo e o que é errado, e assim por diante. Diferentemente, o ateísmo encontra-se alheio a todo esse rebuliço de valores que os humanos cultivam. Se um ateu faz algo bom ou ruim, isso não se deve ao ateísmo, pois o ateísmo não diz coisa alguma a respeito do que devemos ou não fazer. O ateísmo não diz o que é o bem nem o que é o mal, muito menos o que é certo ou errado. Ele não arrasta consigo nenhuma espécie de valor, e é por isso que não se pode atribuir-lhe qualquer tipo de culpa ou responsabilidade. Tudo recai tão somente sobre os ombros do livre arbítrio individual, não sendo possível qualquer espécie de generalização da causa do seu acto que venha a abarcar o ateísmo.

Por isso, todo o ateu que defende valores morais específicos (mesmo se forem de benevolência e de caridade) sem deixar claro que isso não tem qualquer relação com sua descrença, estará, sem perceber, a prestar um grande desserviço aos ateus. Talvez a intenção seja boa, isto é, pense que com isso está a reverter o estereótipo negativo que tipicamente se tem dos ateus, de que são todos pervertidos, frustrados, imorais, insensíveis, criminosos. O problema, naturalmente, reside no facto de que esse contra-ataque pressupõe a falsa ideia de que o ateísmo deve defender-se de acusações morais e isso só acaba por gerar mais confusão ainda. A personalidade dos ateus não tem qualquer relação directa com o ateísmo. Todos esses estereótipos sociais de como os ateus são não passam de preconceito, ilusão, pois, como vimos, o ateísmo não é capaz de justificar nada disso.

O facto de algum ateu ser altruísta ou egoísta, bondoso ou malvado, compassivo ou cruel é apenas reflexo do seu temperamento e dos valores adoptados pelo indivíduo em particular. Não delinear essa distinção entre o ateísmo e a moral faz com que as pessoas pouco aprofundadas no assunto se acostumem a encarar os padrões comportamentais dos indivíduos descrentes como uma consequência de seu ateísmo; ou seja, do mesmo modo que os ateus caridosos darão uma boa imagem ao ate-ísmo, os ateus criminosos irão macular e inflamar a sua imagem. Além de isso dar luz a diversos e indesejáveis estereótipos, estes ainda ocultam a verdadeira face do ateísmo – a neutralidade.
Portanto, os ateus não compartilham necessariamente qualquer similaridade, excepto a descrença, é claro. Os ateus podem ser bons ou maus, santos ou pervertidos, altruístas ou egoístas, individualistas ou colectivistas; podem ser democratas, comunistas, anarquistas ou monarquistas; podem ser filósofos, médicos, psicólogos, professores, electricistas, lixeiros, escritores, comerciantes, alpinistas, actores ou qualquer outra coisa. O ateísmo, em si mesmo, é estritamente neutro, e, portanto, vazio de quaisquer implicações morais ou filosóficas. Ateísmo é apenas o nome que se dá ao estado de ausência de teísmo, ou seja, tão-somente a ausência de crença na existência de quaisquer deuses. E, enfim, se pode ser dito que os ateus têm algo em comum, este algo é exactamente não ter nada em comum, pelo menos não necessariamente, como uma regra geral.

Todas as pessoas, um dia, já foram ateístas, sem excepção. Todos os bebés nascem sem discernimento suficiente para compreender a noção de um deus. Como vimos acima, esse estado é enquadrado como uma categoria de ateísmo. É claro que não se trata de uma descrença deliberada, mas demonstra quão absurdo é tentar derivar qualquer espécie de consequência do facto de alguém ser ateu. Certamente os religiosos fervorosos objectarão essa ideia, dizendo que é injusto taxar qualquer pessoa incapaz de formar o seu juízo a respeito do assunto como uma ateísta. Contudo, vejamos: injusto porquê? Há algo de errado em ser ateu? É sinal de perversão, insanidade? É claro que não (talvez sim para alguns teístas intolerantes...). Mas, enfim, nesta situação, a palavra parece estar a descrever perfeitamente a perspectiva do indivíduo em relação à ideia da existência de divindades. Por exemplo, certamente ninguém levantaria objecções à pretensão de classificar um bebé como um indivíduo apolítico por ser incapaz de conceber o que é a política e posicionar-se em relação a ela; tão pouco à ideia de que todos eles são analfabetos. "Como se pode dizer", afirmou Richard Dawkins, "que uma criança de quatro anos seja Muçulmana, Cristã, Hindu ou Judia? É possível falar de um economista de quatro anos de idade? O que você diria sobre um neo-isolacionista de quatro anos ou um liberal Republicano de quatro anos?" A questão está na incoerência de imputar posições positivas a quem não pode responder por elas, sequer pode concebê-las. Na nossa sociedade, no entanto, a palavra "ateu" encontra-se tão carregada de preconceitos, tão estigmatizada, que chamar um indivíduo de ateu, longe de ser uma mera classificação neutra, na verdade aparenta ser uma espécie de insulto.

Objectivamente, percebemos que essa animosidade para com a definição apresentada de ateísmo puro, na realidade, não tem nada de razoável, impessoal ou desinteressado. O problema certamente não está na definição, mas nos preconceitos que são nutridos em relação à posição ateísta. O grau em que um indivíduo religioso se sente incomodado com a ideia de se chamar uma criança desinformada de ateia pode ser usado para medir o grau de preconceito e intolerância que possui em relação ao ateísmo. Digam o que disserem, o ateísmo não é uma perversão, nem uma teimosia, nem uma insensibilidade, nem qualquer outra coisa senão a ausência de crença na existência de deus. O resto fica por conta dos preconceitos.

Entretanto, quando analisamos a perspectiva religiosa, torna-se compreensível que tais preconceitos existam. O facto de alguém rejeitar a verdade óbvia de que existe um criador, e declarar-se abertamente ateu, só pode significar que se trata de uma pessoa insensível, cínica, ressentida, frustrada com a vida e revoltada com deus. Mas, logicamente, tal raciocínio é de todo unilateral. O problema não está nos ateus, mas no facto que os homens convictos são prisioneiros dos seus pontos de vista. Quem jura lealdade absoluta a uma doutrina ou ponto de vista específico inevitavelmente fecha os olhos para tudo o resto e, deste modo, a imparcialidade torna-se algo impossível. Homens comprometidos com um ponto de vista perdem a sua liberdade de pensamento, tornam-se incapazes de ver a realidade senão através de uma óptica parcial e pessoal, e assim tudo passa a dividir-se em dois grupos: os que, como eles, sabem da verdade, e os outros, que estão todos errados e perdidos. Sem dúvida, uma atitude lamentável, pois qualquer pessoa razoavelmente esclarecida sabe que o uso da convicção (ou da fé) como único critério da verdade fatalmente conduz a uma completa falta de imparcialidade que cega e tolhe a visão de mundo.

No que concerne à origem de tais preconceitos, é impossível saber exactamente o que acontece na mente religiosa, mas podemos lançar mão de uma analogia que parece ser bastante razoável para explicá-la. Digamos que, na perspectiva religiosa, um indivíduo declarar-se ateu talvez seja algo tão chocante quanto um filho querido e bem cuidado que afirma não amar os seus pais. Algo como dizer: "Que importa se eles me amam? Que importa se eles me geraram, me alimentaram e me educaram? Fizeram-no porque quiseram; não obriguei ninguém a isso e, portanto, não devo gratidão alguma". Para a maioria das pessoas, certamente tal afirmação é chocante; vem à nossa mente a imediata impressão de que tal pessoa é insensível e cínica, sendo difícil imaginar que ela é feliz e mentalmente sadia. Mas, sem dúvida, temos de admitir que as palavras dessa pessoa fazem sentido, e são estritamente racionais. O facto é que todos nós temos preconceitos, e acharmos que todos devem amar cegamente os seus pais apenas porque foram bondosos e cuidaram bem de nós é só mais um deles. Provavelmente, isso está enraizado em instintos; mesmo assim, no nível objectivo, continua a ser um preconceito. Este é um bom exemplo para demonstrar que as crenças arraigadas por motivos emocionais parecem possuir uma curiosa imunidade à crítica racional. Portanto, supondo-se que as crenças religiosas fundamentam-se em factores emocionais, isso explicaria por que razão afirmar que "nãoamamos o nosso criador" pode soar como algo muito forte para eles, desembocando fatalmente em preconceitos de todo tipo.

Percebendo que não podem estereotipar os ateus moralmente ou filosoficamente, os críticos do ateísmo partem para outra táctica. Deslocam-se para o campo da prática e afirmam que a descrença é negativismo puro; que destrói, mas não reconstrói; que deixa um vazio na vida das pessoas; que é inútil. Mas essa argumentação é claramente tendenciosa, pois tenta depreciar a posição ateísta contrapondo-a de modo distorcido ao teísmo. Se o ateísmo não é um conjunto de valores, se não é uma explicação e nem um guia para a vida das pessoas, porque haveria de ser útil nesses aspectos? Não há o menor sentido em fazer tal comparação. O ateísmo não é uma alternativa para o teísmo e nunca pretendeu ser. Todavia, naturalmente, sem dogmas a serem seguidos, inevitavelmente recai sobre os nossos próprios ombros a incumbência de escolher e julgar os valores, isto é, de nos posicionarmos individualmente frente ao mundo em que vivemos. Mas essa incumbência deve ser entendida em termos de liberdade de escolha, não de vazio existencial (tal liberdade pode gerar angústia, é claro, mas isso não vem ao caso neste ponto da argumentação). O ateísmo, ao contrário do que alguns fazem parecer, não é a maldição da vida sem sentido, mas a maldição de precisar de escolher um sentido. Enfim, é difícil imaginar o que poderia haver de mau e negativo no facto de que cada um é livre para criar as suas próprias regras e perseguir os seus próprios objectivos, em vez de ser obrigado a seguir as regras e os objectivos de outrem.

Outro equívoco comummente cometido por aqueles que se opõem ao ateísmo consiste em tratar tal posição como análoga ao teísmo, como uma "religião da descrença". Ou seja, julgam que os ateus, assim como os teístas, na realidade professam alguma espécie de crença dogmática na inexistência de deus/deuses. Partindo dessa premissa, concluem que o ateísmo não tem mais validade do que qualquer crença religiosa, pois, assim como os teístas acreditam em deus e são incapazes de provar a sua existência, os ateus seriam descrentes em deus igualmente incapazes de provar a sua inexistência.

Pelo que vimos acima, tal objecção obviamente transborda uma tremenda incompreensão do que é o ateísmo. Primeiramente, porque o ateísmo não é uma crença dogmática na inexistência de deus, mas somente a ausência de crença nesse tipo de entidade sobrenatural. Em segundo lugar, porque há uma regra lógica muito simples (e convenientemente ignorada pelos teístas) que diz o seguinte: não é razoável acreditar em algo sem ter motivos para fazê-lo. Qualquer indivíduo sensato há-de convir que a atitude de não acreditar em algo (por não haver evidências convincentes em seu favor) não é uma crença, e tão pouco precisa de se sustentar em provas.

Além disso, provar negações universais, por motivos lógicos, é algo extremamente difícil, e alegremente certos teístas usam isso para afirmar que ninguém é capaz de provar a inexistência de deus. À primeira vista, isso parece razoável, e seria suficiente para empatar os resultados. Mas, com um pouco de pensamento crítico, logo se percebe a incoerência: não podemos provar a inexistência de praticamente coisa nenhuma. E, para deixar a ideia clara, só precisamos de algum tempo livre para dar asas à nossa imaginação especulativa. Por exemplo, formulemos algumas hipóteses bizarras:

1) O nosso Universo, na verdade, é um "aquário espacial" feito por alienígenas que estão a brincar ao cultivo de seres humanos.

2) Existem cogumelos imateriais que vivem numa dimensão paralela, os quais estão a vigiar-nos constantemente, apesar de não podermos detectá-los.

3) A verdadeira divindade, que criou o mundo e os homens, é Zeus, com a ajuda de Apolo e Dionísio. Eles e inumeráveis outros deuses estão todos no Olimpo a observar-nos.

4) A Terra em que vivemos é um electrão; o Sol é um conjunto de protões e neutrões; o nosso sistema planetário como um todo é um átomo de flúor gigantesco. Os físicos modernos discordam de tal afirmação, mas isso acontece porque o homem ainda não possui tecnologia suficiente para observar e analisar a realidade de modo preciso.

5) O Universo só parece mecânico e impessoal; mas na verdade, o mundo em que vivemos é auto-consciente.

6) Há uma civilização pacífica que habita o núcleo do Sol; ela protege-se do calor através de um sistema hiper-tecnológico que nos é inconcebível; nela vivem milhões de unicórnios, centauros e minotauros num grau de desenvolvimento muito superior ao nosso.

7) Há um grande dragão alado vermelho cuspidor de fogo no meu quarto; contudo, de cada vez que alguém tenta observar ou confirmar a sua existência, este desaparece imediatamente de modo misterioso.

Então perguntemos: como é que alguém seria capaz de refutar tais hipóteses? Não temos qualquer motivo para julgá-las verdadeiras, mas, mesmo assim, não temos como provar que são definitivamente falsas. É esse o problema das negações universais.
Por exemplo, no caso da sexta hipótese, o único modo de provar que tais seres não existem seria ir até o núcleo do Sol e olhar para ver se estão lá ou não, mas isso não é realmente uma boa ideia, pois frequentar locais que estão a milhões de graus Celsius é relativamente perigoso. Basicamente, isso significa que não podemos provar a inexistência dessa tal civilização helionuclear. Entretanto, faz algum sentido declarar que essa impossibilidade serve como uma evidência da sua existência? Definitivamente, não. Além do mais, o facto de alguém acreditar piamente em tal hipótese é irrelevante à sua veracidade.
O mesmo se aplica, naturalmente, à ideia de deus: trata-se somente de uma hipótese sem comprovação, uma especulação, realmente. Só precisamos de trocar a afirmação "Há seres vivos no centro do Sol" por "Deus criou o mundo" ou "Deus existe". Não existem razões para julgarmos que a hipótese divina deveria fugir à regra. Pelo mesmo motivo que as pessoas, normalmente, não acham sensato acreditar que estamos a ser vigiados por cogumelos imateriais, os ateus acham sensato não acreditar na hipótese da existência de um deus criador.
Devemos perceber, entretanto, que isso não implica de modo algum a impossibilidade da existência de cogumelos imateriais ou deuses. De facto, nenhuma das hipóteses apresentadas acima é impossível. Simplesmente não acreditamos nelas porque não temos motivos para julgar que são verdadeiras. Como vemos, não há qualquer traço de extremismo em tal raciocínio, como poderia parecer à primeira vista.

O contra-argumento dos teístas "prove-me que Deus não existe", que costuma ser aceite prontamente como válido pelos desavisados, é uma falácia argumentativa que recebe o nome de "Inversão do ónus da prova", na qual aquele que afirma a veracidade de uma proposição coloca sobre os incrédulos o dever de provar a sua falsidade e, se estes forem incapazes de fazê-lo, imediatamente ficaria comprovada a veracidade da proposição. O engano, nota-se, é óbvio: como poderíamos fazer isso, provar a inexistência de tal deus, se, na realidade, nem existem provas da sua existência para refutarmos?
Na realidade, o dever de provar a veracidade recai sobre os ombros daquele que afirma algo. Se algum indivíduo diz "Deus existe", é sobre ele que fica a responsabilidade de provar a veracidade da sua proposição, ou seja, provar a existência de deus. Se falhar em prová-la, então não teremos motivos para aceitá-la e, assim, a descrença torna-se plenamente justificada.

Assim, vemos que os ateus não têm o dever de provar coisa alguma, pois, no acto de descrer, não estão a afirmar nada. Em geral, o que dizem é simplesmente o seguinte: "Não acredito em deus porque não tenho motivos para fazê-lo; caso tivesse algum motivo, acreditaria; mas não encontrei nenhum". Ante a ausência de evidências, ser ateu não passa de uma simples questão de honestidade intelectual. Bertrand Russell resumiu muito bem o conceito fundamental nesta passagem:
"Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que o papel dos cépticos é refutar os dogmas apresentado, em vez de os dogmáticos terem de prová-los. Essa ideia, obviamente, é um erro. Da minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês a girar em torno do Sol numa órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar a minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estava a dizer tolices. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todos os domingos e introduzida nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer na sua existência seria sinal de excentricidade."

Mas isso não é suficiente para fechar a questão. Há uma frase (a qual, aliás, é bastante famosa entre os ateus) que serve como um aviso para que mantenhamos a nossa mente sempre aberta: "ausência de evidência não é evidência da ausência". A simples falta de evidências não é suficiente para justificar a crença na inexistência, e a maioria dos ateus realmente não acredita de modo definitivo na inexistência divina.

Entretanto, não podemos ignorar o facto de que há certos ateus que acreditam na inexistência de deus/deuses. Como vimos, são os que pertencem à categoria do ateísmo crítico. Para justificar tal posicionamento, a ausência de evidência não é suficiente. Neste caso, torna-se necessário demonstrar a impossibilidade da existência divina. E, deste modo, poder-se-ia dizer que esta posição é dogmática, pois é impossível provar definitivamente a inexistência de qualquer deus. Mas o pequeno detalhe que faz toda a diferença reside no facto de que não tentam provar a impossibilidade da existência de qualquer divindade, mas de uma divindade específica de uma ou outra religião.

O ateu crítico usa a própria crença do indivíduo teísta para fundamentar a sua argumentação. Se alguém diz: "Eu acredito em Deus", o ateu crítico pergunta coisas como: "O que é Deus?",  "Qual é a natureza desse Deus?", "Quais são os seus atributos?". Por exemplo, estudando as definições do Deus bíblico, o ateu crítico poderia procurar contradições nos atributos desta divindade e, usando a regra lógica da não-contradição (tudo aquilo que se autocontradiz é necessariamente falso), usa essa informação para argumentar contra a existência de tal ser. Assim, do mesmo modo que a regra da não-contradição justifica a crença na inexistência de entes cujos atributos se excluem mutuamente (como cubos esféricos ou círculos hexagonais), também justifica a crença na inexistência de um deus cujos atributos são autocontraditórios. Nesta situação, a crença encontra-se justificada de modo racional e lógico, não sendo possível, portanto, acusá-la de dogmatismo, talvez de racionalismo redutor, mas isso será discutido posteriormente.

Em discussões do tipo Ateísmo versus Teísmo, percebe-se facilmente que a maioria das pessoas não entende o que é ateísmo. É por isso que grande parte dos argumentos usados contra ele é notável pela sua absoluta irrelevância. Por exemplo, quando algum ateu assume abertamente a sua posição, logo é coberto de argumentos verborreicos e disparates de todo o tipo. Alguns exemplos: "Quer ir para o inferno?"; "É mais um daqueles que acredita que isso tudo surgiu do nada?"; "Então explique a origem da vida e do Universo"; "É uma pena que seja tão infeliz".
Sem levar em consideração o primeiro exemplo e o último, pois nem sequer merecem uma resposta séria, devemos ter em mente que o facto de alguém ser ateu não diz nada, absolutamente nada, sobre o que ele pensa a respeito de tais assuntos. Isso porque o ateísmo possui carácter negativo, e as negações são extremamente parcimoniosas no fornecimento de dados. Por exemplo, se alguém dissesse "Eu não me chamo José", que poderíamos inferir a partir disso além do facto de que o seu nome é outro, que não José? Seria absurdo pensar que tal informação fornece qualquer pista significante sobre o seu verdadeiro nome. É simplesmente incabível tentar deduzir a partir do facto de alguém ser ateu quais são seus pontos de vista filosóficos, morais ou científicos sobre quaisquer assuntos.

É claro que os religiosos costumam fazer esses tipos de pergunta porque a maioria dos ateus adopta o posicionamento científico, que se baseia na experimentação e no racionalismo, mas não necessariamente. O indivíduo ateu pode possuir as suas próprias teorias ou então, sem problema algum, pode abster-se de responder a essas questões, alegando que, na ausência de dados corroborativos para construir qualquer teoria razoavelmente verosímil, qualquer afirmação não passaria de um mero disparate.

Neste último caso, a resposta mais típica às perguntas dessa natureza é simplesmente esta: não sei.
"_Como surgiu o Universo?
_Não sei.
_Por que existimos?
_Não sei.
_Deus existe?
_Não sei. Afirmo apenas que nasci neste mundo e que sou ignorante quanto a todos esses factos. A nossa existência parece um grande mistério insondável. Portanto, de nada adianta dizer "foi Deus" se, na realidade, não tenho motivos para acreditar nisso. Prefiro admitir o meu desconhecimento a abraçar uma hipótese infundada para tentar mascarar a minha ignorância ante este grande ponto de interrogação que é o mundo em que vivo."


A integridade intelectual impede que pontos de interrogação sejam utilizados como argumentos em favor de hipóteses confortantes como a da existência de um deus. O facto de não sabermos de onde viemos, como surgiu a vida ou qualquer outra coisa, não significa em absoluto que "foi Deus". Não sabermos de onde tudo isso surgiu significa apenas que não sabemos de onde tudo isso surgiu e tão-somente; nem mesmo significa que surgiu. A ignorância não é um argumento, definitivamente; e a tentativa de usá-la como um argumento somente revela uma grande e lamentável parcialidade, que muito provavelmente deriva da necessidade de crer.

Esse deus, que só habita os recônditos da nossa ignorância, é tipicamente alcunhado "Deus das lacunas", pois só sobrevive por entre as sombras do desconhecido. É devido a esse subterfúgio explicativo que, outrora, devido à ignorância, os fenómenos naturais (como trovões e relâmpagos) eram interpretados como manifestações de um deus descontente com os humanos. É claro que, naquela época, esta parecia uma explicação tão plausível e respeitável para os fenómenos naturais quanto, actualmente, dizer que o Universo foi criado por um deus, pois ambas as coisas eram igualmente desconhecidas. Mas, nos dias de hoje, a ciência já lançou uma luz (a maior inimiga do Deus das lacunas) sobre os processos responsáveis pelos trovões e pelos relâmpagos, tornando ridícula a afirmação de que se devem à manifestação de um deus enfurecido com os humanos.

Hipócrates, nascido por volta de 460 a.C., considerado um dos pais da medicina, na sua época já compreendia a tendência humana de mistificar aquilo que lhe é desconhecido. "Os homens pensam que a epilepsia é divina meramente porque não a compreendem. Se eles denominassem divina qualquer coisa que não compreendem, não haveria fim para as coisas divinas"



Sejamos honestos quanto a nós mesmos: somos seres complexos, capazes de empreendimentos notáveis, mas também limitados, e não temos todas as respostas ao nosso alcance (pelo menos não actualmente). Portanto, quem não se quiser enganar através de fábulas explicativas e consoladoras, precisa de aprender a conviver com tais limitações, pois a atitude de responder a uma pergunta valendo-se de um mistério, na realidade, não explica coisa alguma. Isso, naturalmente, não significa fechar-se totalmente para outros pontos de vista. No nosso conhecimento, há (e deve haver) lugar para a dúvida, para a incerteza, pois deste modo o nosso conhecimento não ficará cristalizado na forma de crenças impermeáveis às novas evidências que vierem a ser descobertas e às novas teorias que vierem a ser formuladas.
Se não aceitarmos que a nossa visão de mundo é provisória, que sempre estará sujeita a revisões, ela tornar-se-á obsoleta rapidamente. Então devemos conceder à hipótese da existência de um deus alguma plausibilidade? Certamente: a mesma que concederíamos a uma especulação bastante improvável que, há milénios, está à espera de evidências que a comprovem.

Vale a pena fazermos, aqui, um breve comentário sobre a posição denominada "agnosticismo". Equivocadamente, costuma-se pensar que esta jaz no limiar da dúvida entre o teísmo e o ateísmo, quando, na verdade, ela é independente da questão da crença/descrença num deus. Tal visão diz respeito somente à impossibilidade de a mente humana conceber, compreender ou julgar alguns tipos de questões, afirmando que tais assuntos estão além da capacidade da racionalidade humana, sendo, portanto, impossível formular sobre eles qualquer juízo seguro.

É errado pensar no agnóstico como um indivíduo meio-termo entre as duas perspectivas, ou seja, que não afirma nem nega a existência de uma entidade superior, supostamente representando uma posição de questionamento sensato em vez de um extremismo ateísta. O agnosticismo certamente não é uma terceira opção entre o teísmo e o ateísmo, e é fácil evidenciar o porquê. O agnosticismo envolve a crença em deus? Não. Envolve a descrença em deus? Não. Então que relação necessária tem com esta questão? Nenhuma. Como explicou George H. Smith, "O termo "agnóstico", em si mesmo, não indica que alguém acredita ounão num deus (...) agnosticismo não é uma posição independente ou um meio-termo entre teísmo e ateísmo, pois classifica de acordo com um critério diferente".

Em rigor, a palavra "agnóstico" significa apenas sem conhecimento, isto é, trata-se de um termo genérico que diz respeito somente à afirmação da impossibilidade de se obter conhecimento acerca de alguma coisa ou assunto qualquer. Então seria mais correcto dizer algo como: este indivíduo (ateu ou teísta) é agnóstico em relação à questão da existência de deus ou de alguma "questão x" qualquer.

Portanto, como podemos perceber, não existe um meio-termo entre acreditar e não acreditar, ou seja, entre teísmo e ateísmo. Afirmar "acho impossível saber com certeza" não é uma solução, mas uma evasiva. O que comporta um meio-termo, na verdade, é a lacuna que fica entre a negação e a afirmação de deus, e tal lacuna corresponde ao ateísmo céptico ou prático.

Como se pode notar, essa noção do agnosticismo é uma posição errónea comummente adoptada por aqueles que não são teístas, mas que na verdade não consideram a existência de deus uma hipótese absurdamente improvável, como alguns ateístas mais fervorosos. Mas, sem dúvida, os agnósticos desse tipo são, tecnicamente, ateus. Provavelmente muitos denominam-se como tal porque têm receio do estigma social vinculado ao ateísmo, que é muito forte; então transferem o significado das suas posições a outros termos que soam mais brandos, como agnóstico, como convém, pois em cima do muro não caem tantas pedras.

Voltando ao assunto principal, é sempre comum vermos, devido a todos os mitos que existem sobre o ateísmo, indivíduos a imaginar e a perguntar-se como é que os ateus são. Talvez pensem que são criaturas exóticas raríssimas, que vivem num submundo oculto, se vestem de preto e advogam pela destruição de todas as religiões, mas isso não passa de fantasia. Na sua maioria, os ateus são pessoas realmente comuns, que baseiam na lógica e nas evidências as suas opiniões sobre a realidade. O facto é que, provavelmente, todas as pessoas já se depararam com ateus casualmente, mas sem se aperceberem disso, daí acharem que são tão raros. Na realidade, se não perguntarmos directamente aos indivíduos, é quase impossível descobrir se são ateus. São poucos aqueles que gritam aos quatro ventos que não acreditam em nenhum deus.

Sem dúvida, também há os ateus mais exacerbados, tipicamente denominados ateus militantes, alguns dos quais mantêm uma postura hostil para com a religião. Alguns julgam que ela é um grande entrave ao progresso da humanidade, principalmente aqueles que têm algum conhecimento de História. Mas isso, fundamentalmente, como vimos, não pode ser encarado como uma consequência directa do ateísmo, pois não existe uma Santa Escritura Ateísta que dita "Tu vilipendiarás a religião e escarnecerás a crença do teu próximo". Se algum ateu procede de tal maneira, trata-se apenas de um posicionamento individual, e querer imputar a causa do seu comportamento agressivo ao ateísmo é uma atitude errada e desonesta.
Muitos também pensam que os ateus são irredutíveis na sua descrença, que são descrentes crónicos, incapazes de mudar o seu ponto de vista. Se podemos dizer que os ateus são irredutíveis, são-no apenas na atitude de não acreditar em hipóteses sem comprovação.

Certamente, se algum teísta surgisse com uma prova realmente válida para a existência de deus, até os ateus mais ferrenhos teriam de dar o braço a torcer. Aliás, não há motivos para se pensar o contrário. Afinal, por que razão um indivíduo se oporia à existência de um criador? Quem não gostaria de ser a coroa da criação? Quem escolheria ser um efémero mamífero, um grão de pó pensante, se pudesse ser o imortal supra-sumo do Universo? Para citar Peter Atkins:

"Seria de facto fascinante se o Universo tivesse um propósito; seria provavelmente aprazível haver vida após a morte. Porém, não há um só pedacinho de evidência em favor de nenhuma das duas especulações. Como é fácil de compreender as pessoas anseiam por um propósito cósmico e vida eterna, e como não existe evidência para ambos, parece-me uma conclusão inescapável que nenhum dos dois existe."

Realmente seria óptimo se todos nós fôssemos tão especiais quanto gostaríamos de ser, mas o facto é que não temos motivos para acreditar que somos. Novamente, é a integridade intelectual que nos impede de acreditar em algo infundado somente porque é confortante.

Pelo exposto acima, percebemos que o ateísmo, ao contrário da imagem que se pinta dele, não é representado por uma seita de iconoclastas fanáticos, imorais e desequilibrados que querem destruir a religião a todo custo. Sem dúvida, o ateísmo apresenta-se como uma posição totalmente razoável, lúcida e sensata quando encarada na perspectiva objectiva, isto é, sem se levar em conta factores subjectivos (o modo como "gostaríamos que a realidade fosse", "no que precisamos acreditar para viver" etc.). E, como foi pontificado no início deste trabalho, o que os indivíduos livres pensadores procuram, em geral, não são certezas absolutas: procuram aquilo que é mais provável de ser verdadeiro.

O objectivo deste capítulo foi desfazer alguns dos principais mitos, preconceitos e calúnias que gravitam ao redor do ateísmo, para que assim sejamos capazes de ver a sua posição de modo cristalino. Naturalmente, fica claro que muito esforço é feito da parte dos teístas no sentido de deturpar o verdadeiro significado dessa descrença. Em vez de enfrentar as verdadeiras questões, criam espantalhos do que seria o ateísmo e, destruindo-os, regozijam-se de tê-lo refutado, quando na realidade tal refutação não passa de um mal-entendido.

Contudo, não pensemos que são todos tão ingénuos e inocentes: caluniam porque não podem enfrentar; evadem porque não podem responder. O facto é que o teísmo sempre terminou como perdedor em todas as vezes que tentou enfrentar os factos e a racionalidade, e simplesmente desmoronaria se tentasse, honestamente, confrontar-se cara a cara com todas as questões que o ateísmo apresenta.
Deste modo, se há uma questão que realmente incorpora todo o peso do verdadeiro desafio que o ateísmo lança contra as religiões, é esta: que motivos temos para acreditar na existência de um deus?



Autor: André Dispore Cancian

Titulo original: Os fundamentos do Ateísmo

Fonte:Infernus -ORGÃO OFICIAL DE EXPRESSÃO DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE SATANISMO N.º 7 · IX/V Era APS págs: 8 a 13. / N.º 8 · III/VI Era APS págs: 8 e 9.

#1
  Este tópico está muito interessante, mas tenho uma questão.
 Se eu negar a ideia da Criação desligada da existência de Deus isso coloca-me em que "patamar"?
 

Obrigado

Mephisto
No patamar do primeiro parágrafo do texto.   ;)

Boas, Bom Post Mephisto ...

Mas isto já é mais que uma sinopse sobre o ateísmo ...  ;D
Tenho de reler, (o tal exercício mental necessário) mas ainda assim muito útil ...

Abraço
Causa Debet Praecedere Effectum -  ( Não há efeito sem causa )

De Nihilo Nihil - ( Nada vem do nada )

Só o facto "simples" de ler o texto, já fiz o meu exercício intelectual e agora posso tirar férias mentais durante uma semana, tal foi o cansaço...

Mas na verdade o que importa é responder (ou tentar) à questão:
Citaçãoque motivos temos para acreditar na existência de um deus?
"Somos seres espirituais com corpo físico, e não seres humanos que buscam a condição espiritual." (Sara Marriott).

Ligeia
Resumindo... (o Tico está de férias, o Teco embebedou-se, por isso não há milagres  ;D)
Ateu: sem deus (ou sem teísmo); não implica negação
Agnóstico: sem conhecimento/gnose; o que é incognoscível
Agnosticismo teológico (se tal posso concluir): a impossibilidade de saber se deus (ou deuses) existe ou não, assim como tudo o que lhe diga respeito

Só me resta uma questão bacoca: quem nega deus é o quê? Necessariamente satânico (opá, esta foi carregadinha de maldade, uma rasteira sem classe alguma, lol)?...

Citação de: Ligeia em 01 agosto, 2012, 17:55
Resumindo... (o Tico está de férias, o Teco embebedou-se, por isso não há milagres  ;D)
Ateu: sem deus (ou sem teísmo); não implica negação
Agnóstico: sem conhecimento/gnose; o que é incognoscível
Agnosticismo teológico (se tal posso concluir): a impossibilidade de saber se deus (ou deuses) existe ou não, assim como tudo o que lhe diga respeito

Só me resta uma questão bacoca: quem nega deus é o quê? Necessariamente satânico (opá, esta foi carregadinha de maldade, uma rasteira sem classe alguma, lol)?...

fizeste-me rir agora ligeia :D não acho que seja maldade :) sinceramente tudo depende das nossas escolhas... e citando uma frase conhecida "se não és por mim és contra mim" e quem é o arqui-rival de Deus? satã o princípe das trevas...

também tenho uma pergunta...  não é invenção, muito menos minha porque já presenciei este tipo de situação pelo menos duas vezes... se os ateus não acreditam em Deus... porque é que em situações de alto espanto ou extase dizem "oh meu Deus" ? sei que não deve ser com todos e não quero ofender ninguém, porque cada um sabe de si... mas como disse já presenciei isto no mínimo duas vezes e as pessoas em questão dizem-se ateias e não me souberam responder.

"out with the bad, in with the good"

Ligeia
#7
Uma vez lido o artigo conclui-se que ateu não é aquele que não acredita em Deus, Tikimiky  ;)
O dizer-se "oh meu deus" é uma questão linguística, de identificação cultural/comunitária e não tanto uma questão religiosa, de fé ou de crença. Se os ateus que questionaste não foram capazes sequer de esboçar um rascunho de resposta às questões que aqui apresentas então é porque não serão ateus mas sim outra coisa... Resta saber o quê (sem ofensa, mas muitos dizem-se ateus e agnósticos por "modismo")

E cá continuo a aguardar para um adjectivo/nome único que represente os negadores de Deus (nietzschiano não vale, esses só tentaram matar Deus, não propriamente negá-lo) ;D

Citação de: Ligeia em 03 agosto, 2012, 23:39
Uma vez lido o artigo conclui-se que ateu não é aquele que não acredita em Deus, Tikimiky  ;)
O dizer-se "oh meu deus" é uma questão linguística, de identificação cultural/comunitária e não tanto uma questão religiosa, de fé ou de crença. Se os ateus que questionaste não foram capazes sequer de esboçar um rascunho de resposta às questões que aqui apresentas então é porque não serão ateus mas sim outra coisa... Resta saber o quê (sem ofensa, mas muitos dizem-se ateus e agnósticos por "modismo")

E cá continuo a aguardar para um adjectivo/nome único que represente os negadores de Deus (nietzschiano não vale, esses só tentaram matar Deus, não propriamente negá-lo) ;D

obrigado pela resposta ;) lá está cada um acredita naquilo que quer...
"out with the bad, in with the good"

Zen
Citação de: Salomé em 24 julho, 2012, 11:23
Mas na verdade o que importa é responder (ou tentar) à questão, que motivos temos para acreditar na existência de um deus?

Temos vários, mas só vou tocar neste ponto, "a nossa existência", como surgimos?

Só consigo encontrar as seguintes hipóteses:

- Surgimos do nada
(Não me parece que tudo possa ter surgido do nada, até porque o nada não existe, uma força inteligente era necessária para dar origem ás leis naturais, a todo o equilibrio que existe na Natureza, no Universo, etc)

- Sermos criadores de nós mesmos
(Esta hipótese parece-me absurda e acho que é a opinião geral
de todos, se assim fosse, hoje saberíamos tudo e conseguiriamos fazer tudo, eramos Deus)

- Existir um Criador fora de nós
(Ora aí está, a hipótese que resta é a mais sensata/plausível, tantos efeitos causados pela causa primária temos á nossa volta, que se torna óbvio demais, basta só meter o orgulho de lado e rápidamente se constata isso, tudo o que não é obra do homem, é obra do Criador)


Citação de: Ligeia em 01 agosto, 2012, 17:55
Só me resta uma questão bacoca: quem nega deus é o quê? Necessariamente satânico (opá, esta foi carregadinha de maldade, uma rasteira sem classe alguma, lol)?...

Quem nega a existência de Deus é uma pessoa que, não quer/não aceita/não admite/ a existência de Deus, agora tentar encaixá-lo em algum "movimento" teológico pode ser complicado, mas na minha opinião, uma pessoa que nega a existência de Deus é um louco, porque para ele negar categoricamente que Deus não existe, ele teria de o provar, e como é sabido, não existe forma de o comprovar cientificamente, resumindo, há homens que conseguem encontrar Deus nesta vida e outros não, o que nega a existência de Deus ainda é espiritualmente cego.

Acho que essa ideia/convicção/posição da negação de Deus, é um pouco rudimentar nos dias de hoje, na minha opinião, derivou em certa parte do Ateísmo do século XVIII com o surgimento do iluminismo, que na altura era um movimento caracterizado por uma grande confiança na inerente sabedoria, colocando a razão natural do ser-humano acima de tudo, descartando Deus, dessa forma o homem entusiamou-se de tal maneira, que pensava que não existia mais nada para além do mundo material.

A pessoa que nega a existência de Deus, talvez o considere um Antiteísta, já que uma das caracteristicas deste último, é opôr-se directamente á crença na existência de um Deus.