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  • Espiritismo - Estudo Profundo II
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josecurado
III



Mormonismo e Espiritismo



O Espiritismo foi concebido em Manchester, EUA. Ao que parece, na mesma localidade onde Joseph Smith recebeu, em 21 de Setembro de 1823, a visita nocturna de um Anjo chamado Moróni e onde o mormonismo começou a dar os primeiros passos.

É uma coincidência extraordinária, quer em termos geográficos, quer temporais. Dir-se-ia que ambos os movimentos estão no seguimento um do outro e parece terem origem na mesma entidade.

Que entidade será esta?

Joseph Smith revelou que nos céus existem seres de carne e ossos. É necessário retroceder muito no tempo até encontrarmos na Bíblia relatos que apoiem esta afirmação.

O primeiro relato, talvez o mais famoso, diz respeito ao velho patriarca Henoch:



«Génesis 5: 22 E andou Enoch com Deus, depois que gerou Metusalém, trezentos anos; e gerou filhos e filhas. 23 E foram todos os dias de Henoch trezentos e sessenta e cinco anos. 24 E andou Enoch com Deus; e não se viu mais; porquanto Deus para si o tomou.»

Henoch foi levado vivo para os Céus! O mesmo aconteceu com o profeta Elias. Este andava também com Deus, pois chegou a entrar numa caverna do monte Horeb, o monte de Deus, onde Moisés viu a "sarça ardente" e onde foram proferidos os Dez Mandamentos. A fenomenologia presente na visão da "sarça ardente" é semelhante à que acompanhou as visões de Joseph Smith. Por outro lado, a fenomenologia que acompanhou o Êxodo tem muitas coisas semelhantes com o que aconteceu no início do Espiritismo. Parece que as tecnologias espíritas (diga-se energéticas, diga-se ainda, manipulação do espaço à distância) provêm da mesma entidade.

Vejamos o que aconteceu com Elias:



«Livro II dos Reis 2: 1 Sucedeu, pois, que, havendo o Senhor de elevar a Elias num redemoinho do céu, Elias partiu com Eliseu, de Gilgal. (...) 11 E sucedeu que, indo eles andando e falando, eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro: e Elias subiu ao céu num redemoinho.»



Substitua-se "carro de fogo" por Glória (nave espacial luminosa) e "redemoinho" por Coluna (teleportador) e teremos resolvido o mistério da subida de Elias para o Céu.

Quanto a Moisés, também é duvidoso que tenha morrido, dado que nunca foi encontrada a sua sepultura:



«Deuteronómio 34: 5 Assim morreu ali Moisés, servo do Senhor, na terra de Moab, conforme ao dito do Senhor. 6 E o sepultou num vale, na terra de Moab, defronte de Beth-peor; e ninguém tem sabido até hoje a sua sepultura.»



Moisés terá sido distinguido com o que se chama "morte gloriosa", ou seja, desapareceu (morreu) da Terra e foi (renasceu) para os Céus. Foi "sepultado vivo" na Glória, nos Céus.

Moisés e Elias reapareceram na chamada cena da transfiguração de Jesus, sendo vistos por Pedro, Tiago e João. (ver Mateus 17: 2; Marcos 9: 2; Lucas 9: 29). Talvez até Pedro, Tiago e João tenham sido distinguidos com a "morte gloriosa", porque estes apareceram também a Joseph Smith.

Por fim, temos o relato da própria ascensão de Jesus aos Céus (Evangelho Unificado):



«Ora o Senhor, depois de lhes ter falado isto,

Levou-os fora, até Betânia; e, levantando as suas mãos, os abençoou.

E aconteceu que, abençoando-os ele, se separou deles,

E, vendo-o eles, foi elevado às alturas,

E uma nuvem no céu o recebeu, ocultando-o aos seus olhos,

E assentou-se à direita de Deus.

E, estando com os olhos fitos no céu, eis que junto deles se puseram dois varões, vestidos de branco.

Os quais lhes disseram: "Varões galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que de entre vós foi recebido em cima, no céu, há-de vir, assim, como para o céu o vistes ir".»

(Marcos 16: 19; Lucas 24: 50, 51; Actos 1: 9, 10)



Segundo o testemunho das próprias escrituras, pelo menos Henoch, Elias e Jesus foram levados para os Céus em "carne e ossos". Não eram espíritos!

Desconhecemos quantos seres pensantes aperfeiçoados foram levados para os Céus (Espaço) nas mesmas condições. Uma coisa é lógica: se tudo isto for verdade (e não temos maneira de o provar), eles passaram a pertencer a uma hierarquia não humana mas sim angélica ou mesmo divina. Continuaram a ter necessidades fisiológicas, tais como comer, beber, respirar... Viverão num ecossistema artificial?

O mundo espiritual celeste é absolutamente secreto para os humanos. Imaginá-lo é apenas o que está ao nosso alcance. Eu imagino que os "espíritos" são fabricados e manipulados pelos seres de "carne e ossos", por meio de tecnologias que nem sequer podemos imaginar. Serão, portanto, esses "espíritos" que chegam até nós? Para nos confundir ou para nos seleccionar?



Allan Kardec, o Profeta do Espiritismo Moderno



O espiritismo moderno foi concebido na América mas nasceu na Europa, mais exactamente em França. O grande "parteiro" deste movimento foi Allan Kardec. Foi contemporâneo de Joseph Smith mas, presumo, nunca chegou a saber da existência deste.

Ainda em fase de gestação, o espiritismo extravasou da América para o mundo.

Constituíram-se rapidamente outros círculos espíritas nos países de tradição cristã. Fizeram-se inúmeras sessões, sem protocolo bem estabelecido. Assim, no decurso das "experiências", confundiu-se muitas vezes magnetismo e espiritismo e assistiu-se a extravagâncias de toda a espécie.

O alfabeto de Issac Port foi geralmente abandonado. Como alguns espíritos batiam com mesas, perguntou-se-lhes se eles aceitavam esse modo de comunicação. A partir da sua resposta afirmativa, começou-se um pouco por toda a parte a "fazer girar as mesas" para os interrogar sobre "o presente, o passado e o futuro"...

Os espíritos, sem dúvida inquietos com os excessos que imprudentemente tinham provocado, não cumpriram todas as promessas. Alguns deles entregaram-se a facécias lamentáveis que lançaram o público na confusão.

As primeiras vítimas foram os seus intermediários, os famosos médiuns. Alguns deles foram injuriados, insultados e ameaçados. Os espíritos entregaram-se a farsas de mau gosto, deitando-os da cama abaixo, dando-lhes pontapés, arrancando-lhes a roupa, atirando-lhes com terrinas de água à cara, metendo-lhes na camisa pêlos que provocavam comichão. Alguns círculos foram objecto de verdadeiras perseguições, não hesitando os espíritos, uma vez chamados, em partir os móveis e, se necessário, em bater com violência nos desgraçados espíritas.

Vários autores da época, entre eles Capron, relatam histórias aborrecidas. Por exemplo, a família do reverendo doutor Eliakim Phelps, entre 1850 e 1851, sofreu deploráveis "perseguições". Na casa deste reverendo, embora todas as portas estivessem cuidadosamente fechadas à chave, desapareciam os objectos mais preciosos. As cadeiras saltavam até ao tecto e, depois, voltaram a cair com um barulho ensurdecedor. Este era tão forte que a habitação e as casas vizinhas ficavam abaladas com isso. Uma noite, um espírito arrancou um archote de bronze da chaminé onde estava chumbado e, perante os assistentes aterrados, atirou-o violentamente contra o soalho até se partir em pedaços. O filho do reverendo, Harry, de onze anos, foi, diante dos pais, raptado por mãos invisíveis e atirado a um poço. Conseguiram salvá-lo mas o espírito, alguns dias mais tarde, apanhou-o, amarrou-o e atou-o a um tronco de árvore. Passado algum tempo, o doutor Phelps, que, com Harry, circulava de carro numa estrada do campo, foi atacado por um espírito que lhe atirou exactamente dezasseis pedras. Phelps juntou essas pedras e levou-as para casa.

Aksakof conta a espantosa aventura que se deu na Rússia com um tal Schtchapov, proprietário de terras no distrito de Ouralsk e que o jornal LeMessager de l'Oural referiu na altura.

Um dia, sem que nada os fizesse prever, deram-se fenómenos extraordinários em casa desse russo. Os objectos da casa começaram a cair para o chão como que por encantamento. O que é mais curioso ainda, "os corpos moles caíam com um barulho semelhante ao produzido por um corpo duro, enquanto os objectos sólidos não davam lugar a qualquer choque"!

A senhora Schtchapov foi perseguida por um espírito maligno que partia madeira à medida que ela avançava. A pobre senhora começou a definhar. Consultado um médico, este foi de opinião que os fenómenos deviam provir da electricidade e do magnetismo" contido no solo e aconselhou o quinteiro a partir de férias com a mulher.

Schtchapov e a família foram para uma cidade vizinha onde tinham uma casa. Pior ainda. Os objectos eram agora projectados em todas as direcções e corriam o risco de ferir as pessoas. Uma faca lançada com violência foi cravar-se numa porta. O infeliz quinteiro pôs em lugar seguro todos os objectos que apresentassem qualquer perigo, como por exemplo facas e garfos, mas uma mão invisível ia buscá-los ao lugar onde eles estavam escondidos e atirava-os com força contra as paredes.

Schtchapov, muito inquieto, dirigiu-se ao comandante dos cossacos de Orenburgo, encarregado pelo governo do estudo de fenómenos meteorológicos. O exército mandou para o local o engenheiro Akoutine, que se fez acompanhar de um homem de letras chamado Savtch e de um médico. Os peritos, apesar do emprego de diferentes aparelhos de detecção, não conseguiram dar qualquer explicação válida para os fenómenos de que, por sua vez, foram testemunhas.

Por fim, as observações demonstraram que só a mulher, e só ela, era visada. Schtchapov declarou:

«Certa noite em que Akoutine estava de guarda junto da minha mulher, ele chamou-nos docemente com uma voz inquieta e contou-nos que tendo ouvido repetir-se várias vezes um estranho roçar na almofada e na coberta da minha mulher, teve a ideia de raspar com a unha a almofada e os lençóis, e que, para espanto dele, esse barulho se repetiu no mesmo sítio. Ele pediu para nos certificarmos disso, porque já não queria fiar-se em si próprio. Nós ouvimos, com efeito, sempre que ele arranhava com a sua unha na coberta, que esse barulho se repetia imediatamente no mesmo sítio. Ele passava o dedo duas vezes sobre a fronha do travesseiro, e o som reproduzia-se duas vezes. Acontecia exactamente o mesmo quando ele fazia variações; por exemplo, quando dava duas pancadas fortes e a terceira fraca. Fosse qual fosse o número de pancadas, algumas vezes pouco perceptíveis, dadas quer na almofada, quer na coberta, quer na madeira da cama ou numa cadeira, mesmo num local afastado, elas repetiam-se o mesmo número de vezes, com a mesma força e no mesmo sítio, enquanto a minha mulher dormia todo o tempo, imóvel. Akoutine teve a ideia de perguntar: "Qual de nós é que bateu?" e nomeava em seguida as pessoas presentes. Os sons repetiam-se sempre precisamente no momento de proferir o nome daquele que os tinha produzido. Durante todo o tempo, vigiávamos de perto a minha mulher que dormia sem fazer o menor movimento; a sua cabeça estava virada para a parede, de modo que não podia ver-nos, no caso de ter os olhos entreabertos, o que, aliás, não nos teria escapado, dado que o quarto estava suficientemente iluminado.

Akoutine não queria acreditar.»

Um médico francês, chamado Allan Kardec, iria, numa hipótese ousada, propor uma solução para todos estes enigmas...

Em 1854, o doutor Rivail (Hippolyte-Léon-Denizard Rivail), conhecido pelas suas obras de pedagogia, encontrou um amigo de longa data, chamado Carlotti, que lhe falou de fenómenos misteriosos de que tinha sido testemunha.

«O Sr. Carlotti era corso», escreverá mais tarde Rivail, «de uma natureza ardente e enérgica; eu sempre apreciara nele as qualidades que distinguem uma alma grande e bela, mas desconfiava da sua exaltação.»

Carlotti falou-lhe da intervenção dos espíritos com um tal fervor que Rivail se sentiu tomado por uma intensa emoção, dado que o amigo lhe revelou que esses espíritos lhe reservavam uma missão importante.

No entanto, nada parecia dispor Hippolyte-Léon-Denizard Rivail a interessar-se pelas "ciências ocultas". Ele tinha nessa altura ultrapassado os cinquenta anos e toda a sua vida se tinha desenrolado fora das vias do romantismo.

Aquele que René Guénon iria qualificar, com desprezo, como "professor socialista", era um intelectual categorizado, nascido em Lyon a 3 de Outubro de 1804, numa família de juristas. Alguns dos seus antepassados tinham-se distinguido na magistratura ou na advocacia. Ele próprio fez estudos brilhantes, completados depois na Suíça, com o célebre professor Pestalozzi, iniciador da pedagogia moderna, de quem foi discípulo e amigo. Por diversas vezes, Rivail substituiu, à cabeça do Instituto de Ensino de Iverdun, o seu mestre Pestalozzi, chamado como consultor por governos estrangeiros.

Depois de ter concluído o curso dos liceus em letras e em ciências, Rivail fez os seus estudos de medicina, mas não exerceu. Atraído pela pedagogia, acumulou os diplomas mais diversos de ciências e de filosofia. Aprendeu línguas estrangeiras e falava três tão bem como a sua língua materna.

Rivail, espírito racional e metódico, cumpria todas as tarefas com a maior das seriedades. Era um trabalhador intelectual infatigável que só repousava de uma actividade para passar a outra.

Por volta de 1830, instalou-se em Paris onde fundou, na rua de Sèvres, com um sócio, um instituto científico no qual professou o ensino moderno segundo os métodos de Pestalozzi. Dois anos depois, casou com Amélie-Gabrielle Boudet, professora que, nessa altura, trabalhava por gosto, porque era filha de um rico notário da província. Amélie era dez anos mais velha do que o marido, o que, segundo parece, não se notava.

O Instituto da rua de Sèvres ia bem, mas o sócio contraiu importantes dívidas no jogo. O próprio Rivail não entendia grande coisa da gestão financeira de uma empresa e, por isso, o Instituto foi vendido.

Com um certa importância, Rivail entregou todo o dinheiro que arranjou a um amigo, negociante aventureiro, que estava à beira da falência. Esse empréstimo não permitiu ao comerciante salvar-se da falência e Rivail perdeu todos os seus haveres. Não se desencorajou. Outros amigos arranjaram-lhe trabalho. Foi por isso que o vimos fazer a contabilidade de vários comerciantes o que, para um médico, era de certo modo original.

Na realidade, Rivail só se entregava a este trabalho para garantir, como se diz, as despesas do dia-a-dia. Ele prosseguiu obstinadamente o mesmo fim: consagrar-se à pedagogia. Passava as noites a escrever manuais de gramática e de matemática, a traduzir textos, a preparar aulas. Foi ele que redigiu a maior parte das lições do célebre Lévy-Alvarez. Publicou cursos de direito e de medicina. Chegou mesmo a dar gratuitamente aulas de aritmética.

Seria fastidioso apresentar todos os títulos dos livros escolares ou universitários que publicou. Muitos deles foram galardoados pelas academias e foram tornados obrigatórios nas escolas, em particular a sua Grammaire française classique e o seu Cours pratique et theórique d'atithmétique.

Em 1849, aceitou ensinar física e química num liceu, mas continuou a escrever obras de toda a ordem.

Graças à sua notoriedade, à fortuna da mulher e ao desafogo que lhe davam as suas obras literárias, Rivail tinha conseguido uma situação social apreciável. Virado para os outros, tinha inúmeras relações em França e em vários países. Conhecia-se-lhe apenas uma distracção que, aliás, tinha a ver com as suas pesquisas de física e de química: o magnetismo.

Por ocasião da sua "conversa fatídica" com Carlotti, em 1854, Rivail não entendia nada de espíritos, mas estava muito familiarizado com os segredos do magnetismo, como partidário convicto das teorias de Mesmer e do magnetismo animal. Teve a sensação de que se podiam ligar estas teorias à existência dos espíritos. Todavia, opôs-se a uma maneira de ver as coisas que não correspondia às suas concepções racionalistas. «A ideia de uma mesa que fala — escreveu ele — ainda me não entrava na cabeça.»

Um acontecimento fortuito iria, no entanto, conduzir Rivail ao espiritismo.

«Passado algum tempo — escreveu ele — por alturas de Maio de 1855, encontrei-me em casa de uma sonâmbula, a Sra. Roger, com o Sr. Fortier, seu magnetizador; encontrei lá o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que me falaram desses fenómenos da mesma maneira que o Sr. Carlotti, mas num tom completamente diferente. O Sr. Pâtier era funcionário público, de certa idade, homem muito culto, de carácter grave, frio e calmo; a sua linguagem reflectida, isenta de qualquer entusiasmo, causou em mim uma viva impressão e quando ele me convidou para assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, na rua Grange-Batelière, N.º 18, aceitei solícito. Marcámos encontro. (...)

»Foi lá que, pela primeira vez, fui testemunha do fenómeno das mesas giratórias, falantes e corredoras, e isso em condições tais que não era possível a dúvida.

»Vi lá também algumas tentativas muito imperfeitas de escrita medianímica numa ardósia com a ajuda de uma corbelha. As minhas ideias estavam longe de ser ideias feitas, mas havia aí um facto que devia ter uma causa. Entrevi, sob essas futilidades aparentes e sob a espécie de jogo que se fazia desses fenómenos, algo de sério e como que a revelação de uma nova lei que me propus aprofundar.

»Surgiu pouco depois a ocasião de observar mais atentamente do que alguma vez tinha conseguido fazê-lo. Num dos serões da Sra. Plainemaison, travei conhecimento com a família Baudin, que nessa altura vivia na rua Rochechouart. O Sr. Baudin convidou-me a assitir às sessões semanais que se realizavam em sua casa, e a que eu fui, a partir desse momento, muito assíduo.

»Foi lá que fiz os meus primeiros estudos sérios de espiritismo, menos ainda por revelações do que por observações. Apliquei a esta nova ciência, como tinha feito até então, o método da experimentação; nunca elaborei teorias preconcebidas: eu observava atentamente, comparava, deduzia as consequências: dos efeitos procurava ir às causas por dedução, por encadeamento lógico dos factos, só admitindo como válida uma explicação quando ela pudesse resolver todas as dificuldades da questão. Foi assim que sempre procedi nos meus trabalhos anteriores desde os quinze, dezasseis anos. Comecei por compreender a gravidade da exploração que ia empreender; entrevi nesses fenómenos a chave do problema tão obscuro e tão controverso do passado e do futuro da humanidade, a solução daquilo que tinha procurado durante toda a minha vida: numa palavra, era toda uma revolução nas ideias e nas crenças; era necessário, pois, actuar com circunspecção, e não levianamente, ser positivista e não idealista, para não embarcar em ilusões.

»Um dos primeiros resultados das minhas observações foi que os espíritos, que não eram senão as almas dos homens, não tinham nem a sabedoria soberana nem a ciência soberana; que o seu saber se limitava ao grau do seu avanço, e que a sua opinião tinha apenas o valor de uma opinião pessoal. Esta verdade, reconhecida desde o princípio, preservou-me do grave escolho de acreditar na sua infalibilidade, e impediu-me de formular teorias prematuras a partir do testemunho de um só ou de alguns.

»O simples facto da comunicação com os espíritos, o que quer que eles possam dizer, provava a existência de um mundo invisível ambiente; era já um ponto capital, um campo imenso aberto às nossas explorações, a chave de uma multidão de fenómenos inexplicados; o segundo ponto, não menos importante, era conhecer o estado desse mundo, os seus costumes, se assim nos podemos exprimir; vi pouco depois que cada espírito, devido à sua posição pessoal e aos seus conhecimentos, me revelava uma fase disso, tal como se consegue conhecer o estado de um país interrogando os habitantes de todas as classes e de todas as condições, podendo cada um deles ensinar-nos alguma coisa, e não podendo nenhum, individualmente, ensinar-nos tudo; cabe ao observador formar o conjunto servindo-se dos documentos recolhidos em diferentes lados, cotejados, coordenados e controlados uns pelos outros. Agi pois com os espíritos, tal como teria feito com homens; eles foram para mim, desde o mais pequeno ao maior, meios de me informar e não reveladores predestinados.»

A partir daí, Rivail nunca mais voltaria a separar magnetismo e espiritismo.

«O magnetismo - escreveu ele - preparou as vias do espiritismo, e os rápidos progressos desta última doutrina devem-se incontestavelmente à vulgarização das ideias sobre a primeira. Dos fenómenos do magnetismo, do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas, vai apenas um passo; a sua conexão é tal que é por assim dizer impossível falar de um sem falar do outro. Se tivéssemos de ficar fora da ciência magnética, o nosso quadro seria incompleto, e poderíamos comparar-nos a um professor de física que se abstivesse de falar da luz. Todavia, como o magnetismo tem já entre nós órgãos especiais justamente acreditados, seria supérfluo dedicarmo-nos a um assunto tratado com a superioridade do talento e da experiência; falaremos disso apenas acessoriamente, mas o suficiente para mostrarmos as relações íntimas das duas ciências que, na realidade, constituem apenas uma.»

A bem dizer, Rivail tinha até então considerado o magnetismo como uma diversão de físico e estava nessa disposição quando começou a participar em experiências com os "espiritualistas".

A sua curiosidade levou-o um dia a aceitar uma tarefa que devia obrigá-lo a formular uma opinião pessoal. O seu amigo Carlotti, o escritor Victorien Sardou, René Taillandier, membro da Academia das Ciências, o editor Didier e alguns outros tinham-se encarregado desde há cinco anos de consignar as suas experiências em cadernos em número de cerca de cinquenta. Eles tinham também reunido uma documentação vinda de todo o mundo, em particular dos Estados Unidos. No grupo, ninguém se sentia com aptidão para tirar desse amontoado as ideias gerais necessárias. Ora, Rivail gozava nos meios universitários da reputação de ser um dos raros homens da época que podia fazer sínteses válidas.

Rivail aceitou a oferta dos amigos, mas faltava-lhe a fé. Quando se achou diante desse montão de pormenores, de obscuridades e de absurdos evidentes, julgou que estava a perder tempo. Anunciou o seu abandono aos amigos que na altura ficaram muito decepcionados. Mas não querendo causar embaraços a pessoas que estimava, comprometeu-se a retomar o seu trabalho quando tivesse tempo. Durante uma sessão de magnetismo, uma "sonâmbula" revelou-lhe que ele tinha sido, numa vida anterior, um druida celta com o nome de Allan Cardec e que os espíritos iam ajudá-lo a dar a conhecer ao mundo uma nova doutrina. Este anúncio impressionou-o e contribuiu para reforçar os sentimentos de simpatia que ele tinha. À medida que avançava, sentia, afirma ele, a luz despontar nele: ficava "inspirado".

«Qualquer pessoa - escreveu ele - que, quer em estado normal, quer em estado de êxtase, recebe, através do pensamento, comunicações estranhas às suas ideias preconcebidas, pode estar a fazer parte da categoria dos médiuns inspirados; é, como se vê, uma variedade de mediunidade intuitiva com a diferença de que, aí, a intervenção de uma força oculta é ainda muito menos sensível, porque, no inspirado, é ainda mais difícil distinguir o pensamento próprio do sugerido. (...)

»Os homens de génio de qualquer género - artistas, sábios, literatos - são sem dúvida espíritos avançados, capazes por si mesmos de compreenderem e conceberem grandes coisas; ora, é precisamente porque são considerados capazes que os espíritos, que querem a realização de certos trabalhos, lhes sugerem as ideias necessárias e é por isso que eles são, o mais das vezes, mediuns sem saberem. Eles têm, no entanto, uma vaga intuição de uma assistência estranha, porque aquele que faz apelo à inspiração mais não faz que uma evocação.»

Metodicamente, Rivail retomou então a sua obra de reclassificação, síntese e reflexão pessoal.

Pouco a pouco, afirmou-se a sua convicção. Os espíritos existiam! Ele converteu-se não só ao espiritualismo, como também deu a esta teoria os fundamentos de uma filosofia, até mesmo de um dogma religioso. Trabalhou febrilmente na redacção de uma grande obra que intitulou Le Livre des Esprits.

A 25 de Março de 1856, quando redigia um capítulo do seu livro, no seu novo apartamento na rua des Martyres, n.º 8, ouviu pancadas repetidas na parede do seu gabinete de trabalho. Levantou-se e perguntou à mulher o que se passava. Esta pensou que as pancadas vinham da secretária do marido. Não se conseguiu arranjar nenhuma explicação racional para o fenómeno.

No dia seguinte, como havia uma sessão de magnetismo com uma sonâmbula, Rivail, intrigado, foi lá para interrogar os espíritos. Ele conta assim este episódio que exerceu nele uma influência muito grande:

«Pergunta: você ouviu o facto que acabei de citar, poderá dizer-me a causa dessas pancadas, que se fizeram ouvir com tanta persistência?

»Resposta: Era o teu espírito familiar.

»P: Porque é que ele vinha bater assim?

»R: Ele queria comunicar-se a ti.

»P: Poderá dizer-me quem é ele e o que me queria?

»R: Pode perguntar-lhe a ele mesmo, porque ele está aqui.

»P: Meu espírito familiar, quem quer que seja, agradeço que tenha vindo visitar-me; quer dizer-me quem é?

»R: Para ti, chamar-me-ei A VERDADE e, todos os meses, estarei aqui à sua disposição durante um quarto de hora.

»P: Ontem, quando bateu enquanto eu trabalhava, tinha algo de particular a dizer-me?

»R: O que tinha a dizer-te era sobre o trabalho que estavas a fazer; aquilo que estavas a escrever desagradava-me e eu queria fazer-te acabar.

»(Observação: O que eu estava a escrever referia-se precisamente aos estudos que estava a fazer sobre os espíritos e suas manifestações).

»P: A sua desaprovação incidia sobre o capítulo que eu estava a escrever ou sobre o conjunto do trabalho?

»R: Sobre o capítulo de ontem; pensa nisso; relê-o esta noite, reconhecerás os teus erros e corrigi-los-ás.

»P: Eu próprio não estava muito satisfeito com esse capítulo, e refi-lo hoje. Está melhor?

»R: Está melhor, mas ainda não é o suficiente. Lê da terceira à trigésima linha e encontrarás um erro grave.

»P: Rasguei aquilo que fiz ontem!

»R: O facto de o teres rasgado não impede que o erro subsista; relê e verás.

»P: O seu nome - Verdade - é uma alusão à verdade que eu procuro?

»R: Talvez, ou pelo menos é um guia que te protegerá e te ajudará.

»P: Posso evocá-lo em minha casa?

»R: Sim, para te assistir pelo pensamento; mas para respostas escritas em tua casa, não poderás obtê-las durante muito tempo.

»P: Poderá vir mais do que uma vez por mês?

»R: Sim, mas não prometo senão uma vez por mês, até nova ordem.

»P: Animou algum personagem conhecido na terra?

»R: Eu disse-te que, para ti, eu era a Verdade; este nome, para ti, queria dizer discrição; não te direi mais.»

De volta a casa, Rivail apressou-se a reler o que tinha escrito e verificou que tinha efectivamente cometido um erro grave que se apressou a rectificar. Ficou muito abalado com este incidente, porque a sonâmbula tinha apenas uma instrução rudimentar.

Mas, para todos os espíritas do mundo, a data da "Revelação" foi 30 de Abril de 1856, em casa de um tal Roustan, com uma jovem Jafeth, sonâmbula. Nesse dia, o espírito Verdade revelou que Rivail tinha sido escolhido entre todos para cumprir uma "missão" destinada a trazer a salvação ao mundo. Esta revelação foi confirmada a 12 de Junho através da médium Aline C. e depois a 12 de Abril de 1860 através do médium Crozet.

A sessão de 12 de Junho de 1856 foi assim relatada:

«Pergunta: Quais são as causas que me poderiam levar a errar? Seria a insuficiência das minhas capacidades?

»Resposta: Não, mas a missão dos reformadores está repleta de escolhos e de perigos; a tua é rude, previno-te disso, porque se trata de agitar e de transformar todo o mundo. Não penses que te basta publicar um livro, dois livros, dez livros, e ficar tranquilamente em casa; não! Terás de pagar com a tua pessoa: levantarás contra ti ódios terríveis, inimigos figadais irão conjurar a tua perda; estarás exposto à calúnia, à traição mesmo daqueles que te vão parecer os mais devotados; as tuas melhores instruções serão ignoradas e deformadas; mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga: numa palavra, terás de travar uma luta quase constante e farás o sacrifício do teu repouso, da tua tranquilidade, da tua saúde, e até da tua vida, porque não viverás muito tempo. Pois bem, alguns recuam quando, em vez de uma estrada florida, encontram debaixo dos pés silvas, pedras agudas e serpentes!

»Para essas missões, a inteligência não basta. Para agradar a Deus é preciso, antes de tudo, humildade, modéstia, desprendimento, pois Ele despreza os orgulhosos, os presunçosos. Para lutar contra os homens é preciso coragem, perseverança e uma firmeza inabalável; é também necessária prudência e tacto para levar as coisas a bom termo e não deixar comprometer o sucesso por causa de medidas ou de palavras intempestivas; é preciso, enfim, dedicação, abnegação, e estar disposto a todos os sacrifícios.

»Podes, assim, ver que a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti.

Espírito de Verdade»

Rivail virá a escrever, em 1867, a propósito desta comunicação:

«(...) Dez anos e meio após esta comunicação me ter sido entregue, eu constato que ela se realizou em todos os seus pontos, pois experimentei todas as vicissitudes que nela me eram anunciadas. Fui alvo de ódio de inimigos encarniçados, da injúria, da calúnia, da inveja e do ciúme; publicaram-se libelos infames contra mim; os meus melhores esclarecimentos foram deturpados; fui traído por aqueles em quem tinha depositado a minha confiança, aqueles a quem fiz favores pagaram-me com a ingratidão. A Sociedade de Paris foi continuamente um centro de intrigas, urdidas por aqueles que se diziam do meu lado e que, mostrando-me boa cara pela frente, por trás difamavam-me. Disse-se que os que tomavam o meu partido eram pagos por mim com o dinheiro que eu obtinha do espiritismo. Nunca tive descanso; por mais de uma vez sucumbi perante o excesso de trabalho, transtornei a minha saúde e comprometi a minha vida.

»No entanto, e graças à protecção e ao amparo dos bons espíritos que, sem cessar, me deram manifestas provas da sua solicitude, sinto-me feliz em reconhecer que não senti um só instante desfalecimento nem desencorajamento e que prossegui constantemente a minha tarefa com o mesmo ardor, sem me preocupar com a malevolência de que era objecto. Segundo a comunicação do espírito Verdade, eu devia esperar tudo isso e tudo se verificou.»

A 18 de Abril de 1857, foi publicado o seu livro fundamental "Livre des Esprits". Rivail deu à nova doutrina o nome de Espiritismo, para evitar qualquer equívoco com a palavra "espiritualismo" que se aplica a teorias muito diferentes.

Pela primeira vez, usou o pseudónimo com o qual iria tornar-se célebre em todo o mundo: Allan Cardec.



IV



O Desenvolvimento do Espiritismo Kardecista



O Livre des Esprits, antes mesmo das obras do americano Jackson Davis, esteve na base do movimento espírita internacional. Desde a sua publicação, obteve um êxito considerável. Foi traduzido em todas as principais línguas. A segunda edição apareceu em 1858. Foi necessário publicar a seguir três novas edições em menos de um ano. O acolhimento que encontrou em todo o mundo foi tão favorável que Allan Kardec (daqui para a frente chamar-lhe-emos assim) ficou transfigurado com isso. Mais do que nunca, ele acreditou na sua missão e passou a consagrar-se-lhe com ardor, paixão e obstinação.

A 1 de Janeiro de 1858, Allan Kardec criou a Revue Spirite. A 1 de Abril do mesmo ano, a pedido dos amigos, fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Para instalar a Sociedade num local particular, era necessário a autorização do governo, o que podia ser difícil de obter. Mas o pai da jovem utilizada habitualmente como médium era amigo pessoal do prefeito de polícia, o que facilitou as coisas. Além disso, o Ministro do Interior era também ele espírita, e o caso resolveu-se facilmente.

A nova Sociedade instalou-se no Palais-Royal, sucessivamente galeria de Valois e galeria Montpensier. Finalmente, em 1860, ela adquiriu um local no N.º 59, travessa de Sainte-Anne.

Superada esta etapa, Allan Kardec pediu a demissão de presidente provisório mas, por pressão dos amigos, aceitou os resultados de uma votação secreta que o levou à presidência efectiva da Sociedade.

Além dos seus artigos na Revue Spirite, Allan Kardec publicou diversas obras que tiveram numerosas edições e se continuam a vender em todo o mundo. Não se limitou a redigir livros e artigos; viajou por toda a França, indo de cidade em cidade, para propagar as suas ideias e encorajar a organização de círculos espíritas.

Em 1861, Allan Kardec foi atingido por um acontecimento que o afectou profundamente. Havia nesse tempo, em Barcelona, uma livraria com o nome de Maurice Lachâtre que, tendo lido os seus escritos, desejava assegurar a sua difusão em Espanha. Ele pediu, pois, a Kardec que lhe enviasse um certo número de obras espíritas para as vender nesse país.

A título de experiência, Allan Kardec enviou a Lachâtre trezentos livros. Uma vez chegadas a Espanha as suas encomendas, foram abertas e controladas pela alfândega que recebeu os direitos previstos pelos regulamentos. Parecendo esses livros suspeitos do ponto de vista religioso, a alfândega enviou ao bispo de Barcelona dois exemplares, solicitando a sua opinião. A autoridade religiosa abespinhou-se com estas publicações. O bispo pediu ao Santo Ofício que apreendesse todas as obras e que lhas entregasse para que fossem destruídas.

Allan Kardec, avisado por Lachâtre reclamou a devolução das suas encomendas para França e a restituição dos direitos alfandegários. Esta reclamação foi indeferida. O bispo de Barcelona justificou a apreensão numa nota onde se dizia «A Igreja Católica é universal e, sendo estes livros contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião dos outros países.»

A Sociedade de Estudos espíritas pensou dirigir-se aos amigos que tinha nas esferas governamentais francesas a fim de instaurar, pela via diplomática, um processo de restituição. Allan Kardec assegurou que o espírito Verdade o dissuadia de o fazer: segundo ele, a intolerância do bispo acabaria por provocar uma reacção em Espanha, o que iria fazer nascer nesse país um imenso interesse pelo espiritismo.

O Santo Ofício, por requerimento do bispo de Barcelona, mandou confiscar as encomendas na alfândega e levou a cabo um processo inquisitorial de auto-de-fé. Fez-se uma fogueira e, no decurso de uma cerimónia à qual assistiam centenas de curiosos, depois do rufar dos tambores revestidos de crepe, o algoz da Catalunha queimou todos os livros.

As cinzas foram espalhadas simbólicamente por um padre que, em seguida, abençoou o local para o purificar. Da multidão saíram algazarras. Gritou-se: «Abaixo a Inquisição!» Numerosas pessoas acotovelaram-se para recolher as cinzas e fazerem com elas talismãs. Tal como Allan Kardec tinha previsto, senão o espírito Verdade, a Espanha não ia tardar a tornar-se um dos focos mais activos do espiritismo mundial.

Durante os anos que se seguiram a este acontecimento espectacular, o movimento espírita teve, em França e no mundo, um desenvolvimento que ninguém podia esperar. Esse sucesso trouxe-lhe, por tabela, inúmeras e fortes inimizades. Os espíritas tiveram de enfrentar não só a hostilidade dos mais diversos meios - a Igreja, a Ciência oficial, os partidos e os círculos materialistas, etc. - mas também um desenvolvimento do charlatanismo mágico: a multiplicação dos videntes, dos faquires, dos espíritas de feira, dos ilusionistas, causou o risco de lançar o descrédito num movimento que pretendia manter-se sério. Allan Kardec empenhou-se, ajudado por alguns discípulos, em lutar em todas as frentes. Fê-lo sem parar até morrer. Esgotado devido a um excesso de trabalho constante, além disso cardíaco, morreu subitamente, sem sofrimento, aos 65 anos, a 31 de Março de 1869, às doze e trinta...



A Doutrina Kardecista



Quais foram, pois, as ideias essenciais que fizeram o sucesso do kardecismo? Não se pode pretender resumir em meia dúzia de páginas a obra abundante, múltipla e multiforme, ora simples, ora hermética, de Allan Kardec. Limitar-nos-emos, pois, aqui a indicar aquilo que o profano dela pode reter, indo buscar ao próprio autor a argumentação que ele utiliza para apoiar a sua tese.

A atenção dos observadores foi atraída por fenómenos supranormais que a filosofia e a física materialistas não foram capazes de explicar. Quando muito, essa filosofia e essa física sentiram um grande alívio quando souberam que existiam casos de fraude. Assim, elas ocultaram o seu falhanço pretendendo que todas essas patranhas eram apenas da alçada dos cronistas e dos psiquiatras.

Em contrapartida, alguns filósofos, pensadores, escritores, investigadores e sábios não foram de modo nenhum desencorajados pelos mistificadores que denunciaram sempre que podiam, nem pelos detractores cujos ataques pura e simplesmente desprezaram. Procuraram a verdade com tanta obstinação quanta paciência e conseguiram estabelecer que esses fenómenos, se por vezes eram provocados voluntariamente, por interesse ou por graça, eram o mais das vezes inegáveis. Eles demonstraram que esses fenómenos não se davam em qualquer parte e de qualquer maneira, mas que obedeciam a uma "causa inteligente" que estava simultaneamente fora do objecto e fora da pessoa intermédia entre esse objecto e a causa desconhecida.

«Qual era? - escreveu Allan Kardec - Foi ela mesma que respondeu; declarou pertencer à ordem dos seres incorpóreos designados pelo nome de espíritos. A ideia dos espíritos não preexistiu portanto, nem sequer foi consecutiva; numa palavra, não saiu da cabeça, foi dada pelos próprios espíritos.»

Esses espíritos conseguiram fazer-se entender com os homens por meios que se aperfeiçoaram no decorrer dos anos. Eles comunicam com os vivos através de pancadas, respondendo sim ou não ou indicando as letras que devem formar as palavras. As pancadas podem obter-se através do baloiçar de um objecto, de uma mesa, por exemplo, que bate com o pé. Evidentemente, o espírito não está na mesa, está ao lado, serve-se desse instrumento sem o habitar.

Os espíritos só se manifestam em certas condições; geralmente, só podem fazê-lo por intermédio de pessoas que tenham o dom de servir de veículo para a comunicação entre eles e os vivos. Há vários tipos de médiuns que teremos ocasião de examinar mais à frente.

A mediunidade não é um estado definitivo, mas essencialmente provisório. «A sua causa física está na assimilação mais ou menos fácil dos fluidos perispiritais do incarnado e do espírito desincarnado.» Esta linguagem é bastante difícil de compreender. Segundo esta tese, o homem é formado por três princípios que coexistem durante a vida, mas que se separam com a morte. Em primeiro lugar o corpo material, fabricado com compostos de carbono. Além do corpo, há um princípio não mortal chamado alma, que participa da natureza divina e, devido ao livre arbítrio, deve dar conta a Deus dos actos realizados durante as sucessivas vidas. O corpo é para a alma apenas uma morada provisória, que lhe serve para se aperfeiçoar à medida das suas reincarnações.

«No momento da morte - frisa Allan Kardec - a alma sofre uma grande perturbação. Só gradualmente se separa do corpo. Esta separação, pode ser bastante rápida ou levar anos. Mas a alma não está ainda totalmente desprendida da matéria pelo facto de estar desincarnada. Ela está prisioneira de um terceiro princípio, o perispírito. Designa-se com esta palavra um invólucro, uma espécie de corpo fluídico, vaporoso, diáfano, invisível no estado normal, mas que, em certos casos, e através de uma espécie de condensação ou de disposição molecular, pode tornar-se visível e até tangível e, desde então, fica explicado o fenómeno das aparições e dos toques. Este invólucro existe durante a vida do corpo: é o elo entre o espírito e a matéria; com a morte do corpo, a alma ou o espírito, o que é o mesmo, despoja-se apenas do invólucro grosseiro, conserva a segunda, como quando tiramos uma peça de roupa que está por cima para ficarmos apenas com a que está por baixo, tal como o germe de um fruto se despoja do invólucro cortical e conserva apenas o perisperma. É este invólucro semi-material do espírito o agente dos diferentes fenómenos através dos quais ele manifesta a sua presença.»

Na terra, o homem dispõe do seu livre-arbítrio. Não está de modo nenhum submetido à fatalidade, senão não teria qualquer responsabilidade moral. Ora, as sucessivas reincarnações têm como objectivo permitir às almas alcançarem a perfeição moral.

«A alma é criada por Deus simples e ignorante, isto é, nem boa nem má, mas susceptível, devido ao seu livre-arbítrio, de tomar o caminho ou do bem ou do mal; por outras palavras, de observar ou de infringir as leis de Deus. O homem nasce bom ou mau consoante a incarnação de um espírito avançado ou de um espírito atrasado.

»... A terra pode ser considerada ao mesmo tempo como um mundo de educação para espíritos pouco avançados e de expiação para espíritos culpados.»

Allan Kardecd definiu assim a sorte do homem na vida futura:

«A fixação irrevogável da sorte do homem depois da morte seria a negação absoluta da justiça e da bondade de Deus, porque há muitos dos quais não dependeu esclarecerem-se o suficiente, para não falar já dos idiotas, dos cretinos e dos selvagens, e das inúmeras crianças que morrem antes de terem entrevisto a vida. Mesmo entre as pessoas esclarecidas, há muitas que podem julgar-se bastante perfeitas para serem dispensadas de fazer mais alguma coisa, e não é uma prova manifesta que Deus dá da sua bondade permitir ao homem fazer amanhã o que não conseguiu fazer hoje? Se a sorte está irrevogavelmente fixada, por que é que os homens morrem em idades tão diferentes e por que é que Deus, na sua justiça, não dá a todos tempo para fazerem a maior quantidade de bem possível ou para repararem o mal que fizeram? Quem sabe se o culpado que morre aos trinta anos não se teria arrependido e não se teria tornado um homem de bem se tivesse vivido até aos sessenta? Por que é que Deus lhe tira o meio enquanto o dá a outros? O simples facto da diversidade da duração da vida e do estado moral da grande maioria dos homens prova a impossibilidade, se se admitir a justiça de Deus, de que a sorte da alma está irrevogavelmente fixada depois da morte.»

Em que é que se funda, pois, a justiça de Deus?

As regras de conduta dos homens não explicitamente definidas por Allan Kardec nas suas obras. Para ele, há apenas uma obrigação: observar a lei cristã. Mas a moral kardecista está por vezes arredada da moral pregada pelas Igrejas, em particular pela Igreja Católica. Ela está na linha traçada por Jesus nos seus ensinamentos e no seu exemplo. Essa linha foi, segundo Kardec, seguida pela seita dos primeiros cristãos, mas «deformada pelos padres da Igreja» no concílio de Niceia, quando o cristianismo se confundiu com o Império Romano e pretendeu associar os interesses de César aos interesses de Deus...

O concílio de Niceia, em 325 EC, o primeiro de todos os concílios, foi encarregado de estabelecer um credo e um conjunto de dogmas destinados a reprimir os excessos de certas seitas.



O Espiritismo Perante a Ciência Actual



O espiritismo moderno não encontra enquadramento possível na Biologia, onde as mais avançadas técnicas de Engenharia Genética ganham terreno a uma velocidade imparável. Para estas ciências, o ser vivo ou indivíduo, constitui uma unidade inseparável formada por matéria e energia organizadas segundo um plano genético elaborado pela espécie a que pertence, no contexto da Evolução, e perpetuado através da reprodução. As células reprodutivas constituem a base de dados de todos os códigos genéticos necessários à emergência de um novo indivíduo, imediatamente após a fecundação. Tudo isto integrado num ecossistema planetário, também este um Ser Vivo ou Alma Global. Não há, portanto, necessidade ao recurso de um suposto espírito ou ser imaterial, consciente e inteligente, que vai evoluindo servindo-se sucessivamente de um determinado número de reencarnações ou corpos materiais. Excepto se considerarmos este arranjo como uma metáfora, o que nos remete invariavelmente para o simbólico.

Afigura-se cada vez mais difícil conciliar a investigação biológica, nomeadamente a biologia humana, com as doutrinas espíritas, pelo que a sobrevivência destas depende inteiramente da crença e da fé depositada nos testemunhos de pessoas que afirmam terem sido alvo de experiências por parte dos espíritos. Mas que tipo de experiências? E que entidade desconhecida é que se encontra por detrás de tais experiências?

O espiritismo, desde épocas remotíssimas, vive essencialmente de um grande pavor sentido pela mente humana que é imaginar a possibilidade da perda da sua consciência individual no momento da morte. Todavia, só o conhecimento científico da fenomenologia complexa que é a Vida (Alma) poderá resolver este mistério.

Em termos filosóficos, há uma estranha confusão entre Alma e Espírito. Um ser vivo capaz de se movimentar no meio em que vive é uma "alma", de "anima", significando "animação", "movimento". Daí o conceito de Reino Animal no qual a Biologia colocou também a Humanidade.

Mas há, verdadeiramente, o Reino Espiritual. Infelizmente, aqui, é enorme o nosso desconhecimento (a Ciência Oficial incluída). Chegaremos até esse Reino através da Luz Oculta, essa Sabedoria tão difícil de desvelar bem no centro do Esoterismo, pois a este domínio pertencem e nele somente poderão entrar os Eleitos.

Não é suficiente crer, mas é urgente saber!

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