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  • A minha arte é ser doido e a vossa?
    Iniciado por marcvs
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Diálogo I – o pensador

Poucos ouviram histórias distantes de quem havia controlado o pensamento de alguém, tentativas em verdade. Tal coisa não é realmente possível. Num dia, num aspecto, talvez. Numa vida, nalgumas acções, provavelmente. Mas jamais se pode ordenar e ver o comando cumprido constantemente. Tal coisa não é possível. A desobediência, dizem, é o fruto da má educação, da educação má, também. Todos procuraram a pedra filosofal, mesmo sem saberem o que representa. Esta procura não é mais do que essa tentativa de fugir, saber que, mesmo sendo ordenados, podem transformar o ferro das suas correntes em ouro, na sua fortuna. Mas nunca ninguém o pôde fazer. Tal coisa não é possível.

Estas e outras parábolas corriam no ar, o velho procurava explicar o tormento da sua mente revolta. Talvez não se apercebesse que ninguém o ouvia. Talvez a idade, talvez a loucura. Talvez... O sorriso surgia no velho para logo desaparecer numa expressão interior de coisa nenhuma. Vazio, no entanto, não o era. Mas o que era? Quem era? Ainda não havia compreendido. Tal coisa não é possível.

Os ditos dos mestres, as ideias dos discípulos, tantas verdades... Qual delas é a melhor? O que seria melhor? Porque procurar o melhor? Tantas verdades, tantas mentiras! O Homem, o Mundo e o Universo, jamais alguém pôde conceber realmente. Tal coisa não é possível. Procuram apenas. E o que acham? Mestres e discípulos, loucos todos eles... A minha verdade, eu sei-a, não a contarei a quem quer que seja. Não porque seja invejoso, não porque me julgue digno, não porque tema... Tal coisa não é possível. Tantas mentiras e, ao mesmo tempo, o que é a mentira? Apenas outra verdade... Não darei a ninguém da minha mentira, não. Tal coisa não é possível. Apenas vos posso dar a vossa verdade, apenas vos posso contar a vossa própria verdade. A minha loucura ou lucidez... Sei lá! ...não me permite outra coisa. Outra coisa não seria possível. E, ao mesmo tempo, tal coisa não é possível.

A confusão parecia agora afagar os olhos do homem, a tez da sua cara mudara. Parecia envelhecer mais e mais a cada momento. Calmo, senil... Quem o poderia julgar? A sua mentira ou a sua verdade eram suas e de mais ninguém. Estava determinado a guardá-las para si mesmo. Não poderia fazê-las surgir perante si, não as poderia embrulhar e oferecer. Mentiras e verdades não são coisas dessa natureza. Tal coisa não é possível. Estava condenado a viver. Viver com uma mentira em si da qual ninguém tomaria parte alguma.

Pobre, eu? Nunca o fui, a esmola não é para mim mas para quem ma dá. E isto não é a pedra filosofal, não. Seria? Sei que procuras algo, todos procuram. O que procuras, outro mundo? A verdade suprema? Nada? A própria pedra? O que procuras... Mentiras! E, no entanto, verdades. Nunca repudies, digo-te, não sou profeta, não sou sábio, não. Repudiar não é fugir, sabias? Tal coisa não é possível. O repúdio não é mais do que a agressividade que precisas para lutar contra o desaforo que a tua verdade representa, não é a luta. Não podes transformar as tuas correntes em ouro. Tal coisa não é possível. Compreendes? As correntes, repudia-as. O ouro está em quem te ordena. Aprende, aprende como eu aprendi. Ninguém te vai dar saber. Tal coisa não é possível. Nem mestres, nem discípulos, nem loucos. A tua verdade, a tua mentira, é aí que deves aprender a encontrar o saber. Os sábios não te falarão mais do que a tua verdade, a tua mentira, te permitirá ouvir. Apenas podes ouvir sobre a tua verdade, apenas podes ver a tua verdade, procura a tua mentira, aprende-a – a tua verdade, a tua mentira é isso quem és. Procurar uma resposta é o trabalho dos loucos, esquece quem és, como eu me esqueci, aprende a tua verdade. Ninguém te pode dar outra. Tal coisa não é possível.

Consumia-se o seu espírito, a sua alma sofria no seu corpo calmo, senil... Ao seu redor ninguém o podia compreender. Apenas uma criança o fitava, veemente, apaixonadamente, ambos falavam a mesma língua. Mas tal coisa não é possível. E o homem não existia, apenas a criança e todas as suas loucuras senis de infância. E, ao mesmo tempo... Tal coisa não é realmente possível.

Diálogo II - sendas

Nada é perfeito, para o homem perfeito. Não o poderia ser. Se tomarmos o ponto de vista de tal ser, nada mais é perfeito. A perfeição está no que não se compreende, tudo o resto é ilusão. Olha as árvores, a vida não é um exemplo de perfeição? Olha a harmonia do universo, não é um exemplo de perfeição? Olha-te a ti mesmo, não és tu a personificação da perfeição? Se não puderes ver isso, então não me alongarei porque, então, não existe perfeição para ti. Mas se por outro lado, puderes perceber a perfeição das coisas, olha à tua volta, porque, então, não compreendes nada.

Ouviam-se ruídos por entre os bancos do pequeno jardim. Como se alguém resmungasse sozinho. Talvez fosse mais uma ilusão, quem sabe? O mesmo mendigo de sempre... Nada é perfeito, dizia. Lá estava ele, o mesmo velho pensador a lutar com a rolha da garrafa. Não havia perfeição naquele momento. Mas ela estava lá, sentia-se. E o que seria naquele momento a perfeição?

Toda a força que se concentra, dissipa-se, nalgum momento. É essa uma das propriedades das coisas incompreensíveis. Se me visse em perfeição, tomaria toda a perfeição em mim e tudo o que estivesse em mim, seria perfeito. Se me visse sem perfeição, não poderia concebê-la, sequer, nada em mim seria perfeito. Vivo no limiar, onde não considero, não julgo, dizem-me louco, outros não me consideram sequer. É preciso dedicação para não seremos considerados, para permanecermos íntegros em nós. Eu nunca precisei de viver nos outros, eu vivo aqui. Mas quem sou eu? Sou feito de uma mistura de misturas, digamos assim, como todos o são mesmo não o sabendo, são. Apenas estão habituados e dizer que estão habituados basta. Talvez se tenham esquecido porque se habituaram, talvez se tenham habituado a isso também. E o que têm? Cultura?

Os ruídos transformaram-se em gargalhada, o homem conseguiu finalmente abrir a garrafa e ria-se. Encostado ao banco, sentado na relva do parque, goleou o vinho que sobrava ainda na garrafa. A sua ideia confusa, o seu falar distorcido em tons de vinho e bagaço, a sua firmeza de pedra de banco de jardim, tornavam a sua imagem particularmente intensa.

A cultura não é mais do que essa força dissipada, o que o povo esquece, dissipa-se mas não cessa. Acontece isto por toda a parte. E eu já não o compreendo. É isto que torna o mundo tão perfeito. A loucura é o não dissipar a dita força. Porque se a força não é dissipada torna-se vício. E todos os movimentos do vício são falsos, e sabemos que o são mas não os deixamos. Não somos mais do que o vício, então. Se o vício não é dissipado, torna-se perversão. Esta é a coisa que não se deve. O fruto proibido, o princípio da loucura mas ainda não o é porque a perversão pode cessar, ela é vontade. E a vontade tanto pode concentrar a força quanto dissipá-la. Mas não sendo dissipada a força e, sendo a vontade não a dissipar, toda a força fica em nós e então a perversão torna-se loucura. A loucura não é má, não é boa e, ao mesmo tempo, é boa e é má. É tudo, porque nada existe. Onde? Algures...

Mesmo que pudesse parecer que aquele homem estivesse confuso, não o estava. A sua expressão era de convicção nas suas próprias palavras, ou era um grande mentiroso ou sabia do que falava. Ninguém melhor do que um louco para falar da loucura. Todos os que frequentavam o parque já se tinham habituado a conviver com o louco, conviver mas nada mais. Pouco eram já os que olhavam para ele. Tinha ganho o valor da vida que a vida da árvore ali ao lado tinha. Era debaixo dessa árvore que pernoitaria, talvez, quem sabe?

Habituaram-se. Nada mais do que isso. O hábito ordena. Esqueces-te do hábito e cumpres a ordem, jamais voltas a lembrar-te que foste tu o criador do hábito que esqueceste. E se cumpres as ordens de um hábito esquecido, crias uma acção cultural, todos quantos te observarem as acções vão saber reconhecer o teu hábito esquecido e ouvir a sua ordem também. Tudo seria diferente se não te esquecesses do hábito. Mas então, vício, perversão, que é o mesmo que vontade e loucura. E desejarias esquecer-te disto também? Há! Há! Há! Porque viste até mim pobre diabo, não sabias que a perfeição ainda existe em mim?

O louco continuou envolto no seu ruído silencioso, sonhava apenas. Deixando cair a garrafa no chão. Deixando borras escorrerem sem que houvesse alguém para lhes ler o significado e compreender a sina de tal homem. Se é que há compreensão possível na loucura mas... quem sabe?

Diálogo III - constantes

Se o tempo não existisse, agora, és criança. Então, sendo criança, agora és profissão e velho. A tua reforma não é mais do que a tua brincadeira infantil, senil, moribundo. Nasces na morte, também. Não existindo tempo, tudo, tu também, é transformação constantemente estática. Flutuações firmes do que não podes compreender. E o que é a compreensão? Mais uma ideia como o tempo, vaga e pesada. Antes doido do que isso e a loucura não seria isso?

Sentado no ramo de uma árvore, talvez mais velha do que ele, talvez não. Com certeza, o seu objectivo seria mostrar ao jovem que o observava do chão firme o que pensava, lá no alto onde apenas um pássaro dormia, fincado num galho. Tão mais leve, tão mais estranho do que ele. O que dizia não era entendido por quem o ouvia. Nem pelo pássaro nem pelo jovem, corria um pensamento que fosse. Era esse o efeito que aquele homem lhes provocava, como se todos os pensamentos fugissem para aquela mente confusa.

Falo do tempo, porque é no tempo que está a loucura que vejo aí no chão. Baixo demais para compreender o que digo, mais confuso do que me julgam. Ainda não houve aí ideias como o tempo, apenas agora começam a surgir e já confundem o que há no chão. O pardal, não sofre com isso. Se está frio voa até onde não esteja tanto, não teme. Se chove, abriga-se. Se o sono chega, seja noite ou dia, vem até à árvore onde ninguém, além de mim, vem. Conheço-o há muito, nunca mudou demasiado. É sempre o mesmo, na árvore como no chão. Talvez queira também como tu, mudar, pássaro. O que procura, não pode encontrar, está esquecido no tempo. Por detrás do tempo, no chão firme que não é loucura, no chão.

Estático como o chão de que o homem falava, continuava o jovem. As palavras da sua mente eram as daquele homem, penduradas num ramo ou num galho. Pássaro e jovem, adormecidos no tempo. Ao ver toda a sua audiência num sonho que não sabia ter, o homem recostou-se na árvore e começou a falar apenas para si mesmo. Seria isso a loucura?

Lembro-me ainda, a memória nunca me falhou, julgo eu... Sempre quis ser diferente, procurava incansavelmente sê-lo, crescer, saber, viver diferente de mim mesmo. O tempo iludiu-me por não me permitir ver. Mas aquele desejo era tão forte. O que podemos mudar? Mudar a maneira de ver as coisas é iludirmo-nos, mas sempre se muda alguma coisa. Mudar o nosso corpo, as nossas acções, tudo isso é possível, e sempre se muda alguma coisa. Eu queria mudar o mundo e mudar de sítio era uma boa opção. Mas tudo isso mudado permaneci, sem notar a mudança que desejava. Tal coisa não é realmente possível. Essa vontade de mudança não é um desejo, apenas a compreendemos assim. Quantas verdades são possíveis!

Duas lágrimas correram na face inalterada do homem. Ao jovem pareceu que havia sido a árvore que entristecia, ao pássaro, nada, continuava no sono, fincado ao galho. Nem suspiro nem soluço nem remorsos, o homem não entristecera. Teria sido a árvore, talvez. Mas tal não é possível, apenas o pássaro parecia continuar inafectado. Talvez fosse ele quem chorava.

Não devíamos desejar o que nos acontece, não. Os eventos que não controlamos não deixam de ser nosso por não os desejarmos. Mesmo assim, tu, eu mas não o pássaro, que ainda dorme, todos desejamos mudar. E só o desejamos porque o tempo não nos permite mais. Há um segredo guardado aí. Escondido no tempo.

No chão e na árvore, o velho criava curiosidade em quem o ouvia. Na vigília e no sono, todos puderam ouvir o velho por um instante.

Mudamos sempre mas não o sentimos. Apenas sentimos o tempo passar, segundo a segundo, minuto a minuto, hora a hora... Que horas são? Ainda agora me sentei aqui em cima e já o sol se põe. Talvez porque já não deseje a mudança, talvez porque a tenha esquecido, vejo-a tão claramente agora. Ontem, hoje e amanhã... Nada disso existiu, se não há tempo. Esse desejo é ilusão, a mudança é parte do que somos. Loucos e pesados. Porque o peso do tempo não nos permite ver que, o próprio tempo, não existindo, está em nós. Mas não apenas o tempo, mas não apenas a mudança que representa. Há mudanças que o tempo oculta. Mas jamais veremos essas transformações, porque somos tempo e não apenas mudanças.

Ao desencostar-se do tronco, o homem fez o jovem olhar o chão firme novamente. Quando o jovem olhou o chão, o homem espreguiçou-se e abanou o ramo onde ainda dormia o pardal. Quando o pequeno pássaro acordou, nem homem nem jovem estavam. Nem a árvore triste. Apenas um carvalho onde o pássaro sonhava.

Estes são os três primeiros "Diálogos da Loucura", para quem quiser acompanhar os seguintes eu publico-os no scribd (www.scribd.com/euzz88), vão lendo...
Quanto à questão dos direitos de autor... não sou muito favorável a qualquer tipo de direito!
NÃO!
(só porque diz que tem sempre de haver alguém que diz isso...)

Templa - Membro nº 708

NÃO!
(só porque diz que tem sempre de haver alguém que diz isso...)

De poeta e de louco todos nós temos um pouco! :angel:
Templa - Membro nº 708


#5
O meu Ego anda triste e pronto, lá vai mais um bocadinho de copyleft... No fundo, isto é o meu Ego a desmantelar-se mais um bocadinho... Isto agora até foi movido e tudo... Há cada vez menos certezas neste mundo. ::)

Diálogo IV – a razão
Os passos são sempre os mesmos, o caminho nunca muda, a curva, a descida, a subida logo em seguida. Nada muda. O mundo parece constante, excepto, o caminho, a curva, a descida, a subida... Porque não percebia antes isto? A vontade que não tenho de saltar ao passado e esbofetear-me, estúpido, porque não soube ver? Passos móveis, no caminho firme, tão simples. Mas, ao mesmo tempo, tão estranho. Não, simples! Esbofeteava-me se pudesse.

O murmúrio ouvia-se ao longo da pequena rua, o velho caminhava ritmadamente enquanto falava para si mesmo. Não havia preocupações nele, apenas o desejo de se esbofetear. Sem que ninguém o compreendesse, raramente se silenciava. O pensamento e a fala pareciam ter formado uma única construção sólida naquele homem. Tal edifício não ruiria, mas ele... Ele já só queria esbofetear-se, por culpa, por responsabilidade, por nada, apenas esbofetear-se.

Um impedimento e uma ideia, duas ideias, então. Um desejo e uma vontade. Mas se é vontade, não é um desejo meu. Se é um desejo meu, é uma necessidade. Então porquê esbofetear-me? Porquê pensar nisto? O caminho, a terra firme... Não gosto, não me agrada. O pensamento, fugidio, o sentido da terra firme. Antes tempo, antes vazio. Mas tal já não é possível. Como o caminho, longo, constante mas variável. Não posso, não posso. Eu, talvez, não o caminho.

O homem estava confuso, tonteava, perdia o ritmo dos passos, tropeçava e quase caia. Na valeta, sentado, tentava orientar o sentido que não tinha. A ordem nas suas ideias estava em greve, a firmeza do caminho que via alterar-se pelo seu próprio movimento, a natureza firme do chão, impediam-no de retomar o rumo. Esperou, sentado, de olhos fechados, que o mundo se transformasse.

Uma vontade, apenas uma vontade e alguma dedicação. Não é apenas isto, não o sei explicar. O mundo transforma-se. Sim, transforma-se e... e... Os campos não são tão firmes, as plantas, a floresta, é por aí que devo seguir. O caminho já não existe, ou exista, não é o meu. Não suportaria o chão firme novamente. Há! Há! Há! Dissesse isto a alguém e quem me compreenderia? Há! Há! Há! Não somos firmes, a essência que nos sustenta não o é. Porquê desejar que as ideias o sejam? Tão errados! Tão certos... A firmeza é ilusão, porque não o é. E o que diriam disto? Há! Há! Há! Belo poeta alucinado!

Levantou-se, senil, e avançou calmamente na sua caminhada. Os campos, os arvoredos, o velho, nada era firme. Caminho novo, devaneio ou razão alucinada, quem sabe se loucura?

O caminho não é firme agora. Já não vale a pena esbofetear-me. Sempre era o caminho, ou não fosse. A firmeza, já não faz parte de mim. Desfez-se mas ainda me perturba. O que seria de mim se não tivesse desejado esbofetear-me? Os desejos... Sempre os desejos, a perfeição dos desejos. O mundo é o que os meus desejos são. O espaço, o tempo, os desejos também. E o que é o mundo senão o eu mesmo? Não, não apenas isso. O mundo é vontade, vontade... Os desejos são o que eu sou e a vontade que me provocam e o mundo que a vontade cria e sou eu, o que o mundo é. Trocadilhos, nada mais do que trocadilhos. Palavras. Sem sentido e sem receio, porquê procurar um significado? Para quê?

Questionava-se, qual criança, o velho. Calmo, pelos campos. O pensamento acalmava-se e os passos ganhavam um novo ritmo. Parecia seguir em direcção a uma verdade que não existe, a um lugar onde tudo está porque ninguém lá chegou realmente. Estava louco e, agora, hoje e amanhã, sabia-o.

Não poderia dizer-lhes isto, mesmo que pudesse. Sei que tal coisa não é realmente possível mas se fosse... Dir-me-iam louco, sei disso. Dir-me-iam perverso, sei-o. Dir-me-iam mentiroso, sou-o também. Trocadilhos e nada mais, meias verdades e meias mentiras. Partes, nada mais do que isso. Talvez alguém as possa ver, talvez alguém ainda tenha perfeição em si também. Talvez o vinho ajude, talvez a morte e nada mais. Quem poderia dizer que não somos outra coisa? Que vontade, que vontade de gritar! O mundo é desejo, não há pecado, havendo-o seria essa a nossa essência...

Deitado numa valeta, um bêbado resmungava com o velho, via-o ao longe através da névoa da sua embriagues. Parecia conhece-lo mas o velho já não caminhava na terra firme, não poderia então. Gritava o bêbado, cada vez mais alto a chamá-lo. O velho seguia o seu rumo sem responder. Ou porque não ouvia, ou porque não compreendia, continuava. Num derradeiro grito de chamamento, o bêbado despertou e seguiu o seu rumo pela terra firme até casa, com o seu delírio mais brando depois do grito.
NÃO!
(só porque diz que tem sempre de haver alguém que diz isso...)