Memória

O cheiro das torradas vem da cozinha...e é assim que sei que acordaste primeiro que eu.
   Levanto-me sorrateiramente da cama, pois a casa está em silêncio e quero apanhar-te de surpresa. Atravesso o corredor e sinto o chão de madeira debaixo dos meus pés. Por estranho que pareça não está frio e não reage ao meu toque. Ouço-te a abrir a porta do frigorífico, a mexer no armário da loiça e ainda nos talheres. Deus, pareces ocupado!...interiormente riu-me porque sei que não és capaz de cozinhar nem para salvar a tua vida. Aproximo-me da porta e olho para ti.
   Nunca me cansei de olhar para ti. Tens aquele teu jeito próprio de andar, de estar, de te movimentares. Observo-te e tu não dás por nada de tão preocupado que estás com as torradas, o café, o leite, enfim tudo! Parece que preparas um banquete para um rei com tantos pormenores e com tanto aprumo com que arranjas as coisas no tabuleiro.
   Sentes-te observado e finalmente olhas para mim. Tens um brilho nos olhos que me faz corar e sorrir-te de volta. Porém, rapidamente alteras a tua expressão como de quem é apanhado a fazer uma malandrice e pões-te de modo a tapar-me a visão para dentro da cozinha. Não me importo com isso, com o que escondes...pois assim posso olhar para ti de perto...ver cada imperfeição da tua cara que tanto adoro.
   Mandas-me de volta para o quarto. Empurras-me levemente incentivando-me a ir para a cama e a esperar lá por ti. Não resisto e beijo-te. Tu respondes aos beijos e eu aproveito para perguntar o que estás a tramar. Tu inconscientemente começas a responder-me e eu desato a rir porque ias-me contado a surpresa que preparas com tanto trabalho e carinho.
   Surpresa?!, exclamo eu. Tu beijas-me para me calar e ralhas comigo para eu voltar para o quarto e não sair da cama. Afinal está frio e eu só tenho a tua camisa vestida. Obedientemente dou-te um beijo na ponta do nariz e volto para o quarto com um sorriso estampado no rosto. Devo parecer tão idiota quanto tu com este sorriso rasgado nos lábios.
   Vou para o quarto. Sento-me primeiro na cama. Continuo-te a ouvir a mexer na cozinha...deves estar a mudar as coisas no tabuleiro do pequeno-almoço para me surpreenderes novamente uma vez que já lhe dei uma espreitadela. Nesse momento sei que te amo. Não pelo gesto do pequeno-almoço em si, mas pelo trabalho em me surpreenderes diariamente, mostrando que me amas também. Os minutos passam...a cama ainda está quente da noite que passámos, por isso aconchego-me debaixo dos lençóis para sentir o teu cheiro. O sono vem sem que eu me aperceba e adormeço.

   Acordo. Não quero perder o pequeno-almoço contigo na cama.
   Levo segundos a acordar e a clarear a mente. Apercebo-me que é de noite e não de dia. Não está ninguém na cozinha e a casa está silenciosa que nem um túmulo. A cama está fria e a almofada está molhada...os meus olhos estão molhados. Relembro o que sonhava...sim era um sonho, ou melhor uma recordação. A memória volta e lembro-me que foi ontem que me foste forçado a deixar-me devido a um acto egoísta de alguém. A vida é efémera e tudo é imprevisível.
   Agarro-me à almofada e as lágrimas correm sem que eu as consiga parar...vou voltar a chorar até adormecer. Nada disso me interessa e amanhã quando me vestir de negro lembrarei-me do quanto fomos felizes.

GaladMor8, até senti um aperto no coração. 
Tão lindo e tão triste ao mesmo tempo.

GaladMor8, até senti um aperto no coração. 
Tão lindo e tão triste ao mesmo tempo.

Pois, já mo disseram haha...até já me pediram para mudar o final, mas recuso-me, pois assim é que ele faz sentido para mim. Tudo o que é bom acaba depressa...

Mas, tristeza à parte, muito obrigada 

Fazes muito bem em não mudar o final, se é assim que faz sentido para ti.
Adorei, apesar de triste.

Fazes muito bem em não mudar o final, se é assim que faz sentido para ti.
Adorei, apesar de triste.

Sim, já o tinhas comentado e mais uma vez obrigada.