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  • Mais umas incursões literárias
    Iniciado por StoneColdDeath
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Olá, meus caros,

Desculpem todo este narcisismo. Sinto-me como se me devesse apresentar condignamente sem ter de dizer que sou assim, gosto disto, não gosto daquilo, faço x e y. Não me consigo definir. Nunca consegui. Tenho, como diria o meu mestre, Pessoa, a doença de me sentir múltiplo. Ou como a Florbela diria, "tantas almas a rir dentro da minha". Por isso, aqui está uma parte de mim. Ou várias, não sei. Um conto irónico,  céptico, cínico, de um tipo com os pés na terra que com os pés lhe deu. Um poema de um puto que gostava, em tempos (e ainda gosta, já menos puto) de estar no canto mais escuro do café (este poema foi escrito há coisa de oito anos para duas pessoas. Este tipo de episódio acontecia muitas vezes com o adrini, membro deste fórum, mas também com outro grande amigo que ele, se não estou em erro, também conhece). Há também os versos de um indivíduo que se estilhaçou para abraçar um universo maior do que o abraço. E, finalmente, algo que foi escrito e deixado em compasso de espera; sonho, havia-o. Musa, havia-a, mas ainda não se tinha revelado. Escrevi para quem, um dia, viesse. Agora que chegou e se instalou (primeiro aniversário de casados a aproximar-se), está na altura de lerem, se quiserem, este castelo no ar que foi e que, agora sem risco de se despenhar, permanece erguido (tanta coisa para falar do último poema... vou mas é dar lugar às leituras).

P.S. - Estou a ver que só o Iceburn gosta de música esquisita, mal amanhada e mal produzida... LOL



O Milagre (conto)

   Caminhava languidamente, certa tarde, por uma das ruas insalubres de Madrid, da qual não me lembra já o nome, quando fui abordado por um indivíduo alto e magro, já avançado na idade, que, postado em frente a uma porta aberta, me vinha já seguindo com o olhar há algum tempo. Muito cortês, pediu-me um minuto do meu tempo, afiançando que valeria a pena o sacrifício. Dispus-me, pois, a ouvi-lo. A princípio, tendo-me referido uma certa crença que seria não só do meu interesse, mas do de todos, tomei-o por um dos muitos vendilhões da palavra divina que saltam ao caminho dos transeuntes. O velho, no entanto, falava já de milagres e da capacidade que todos possuem de os produzir desde que a alma tenha sido devidamente disciplinada. Passou a explicar esta afirmação, e o seu aforismo, enunciando o direito que o Homem tem de executar milagres ao abrigo de ter sido criado à imagem e semelhança de Deus, interessou-me ou, pelo menos, atiçou o meu tédio. Não é de estranhar, pois, que o homem se tenha apercebido da minha curiosidade, convidando-me a transpor com ele a porta junto à qual se colocara à espera de mais um incauto que pudesse iniciar na sua convicção. Como se eu tivesse esboçado um gesto de recusa, o meu profeta informou-   -me de que teria lugar, dentro de minutos, um milagre realizado pelos seguidores da sua doutrina. Não que ele fosse alguma espécie de líder!... Simplesmente, guiava e aconselhava, não pretendendo qualquer contribuição, pecuniária ou não. Aliás, o primeiro milagre realizado pelos seus – e por si, também – aconteceria nesse momento, pelo que procurava gente de fora que o desejasse presenciar e divulgar ao resto do mundo. Como não tinha mais nada para fazer, acedi.
   Enquanto nos apertávamos pelo estreito corredor, o velho, que se chamava Angel, explicava o milagre que, com toda a certeza, aconteceria.
   - Não é o pão o alimento mais sagrado, e a necessidade de nos alimentarmos a mais pura de todas as que os homens possuem? Iremos, pois, à semelhança de Jesus Cristo, multiplicar pão. Há, lá dentro, um cesto cheio dele. Pois nós, homens pobres e trabalhadores, conseguiremos obter pão que nos permita alimentar-nos e alimentar todos os que mais necessitam. Mas o meu amigo não tome o desejo de realizarmos este milagre por uma jactante Babel. Muito pelo contrário! O que aqui acontecerá é a prova de que o Divino existe, de que existe dentro de todos nós.
   E assim ia falando e gesticulando Angel, até entrarmos na grande sala onde se reuniam umas cinquenta pessoas. Com um gesto grave, indicou-me o parapeito de uma janela, onde me poderia sentar para assistir ao venerável sortilégio. Sentei-me, pois, e olhei toda aquela gente, que ia fechando um círculo em torno de um cesto cheio de baguetes. Em todos havia um olhar de esperança que se fazia temperar de uma abjecta euforia semelhante à que vi, há uns anos, na televisão, quando se falava daquelas seitas que defendiam acerrimamente a importância do dízimo. Angel, o líder, era o mais sereno. Colocando-se, como os outros, à frente do cesto, estendeu lentamente os braços, abrindo bem os dedos empenados pela artrite. À medida que os braços se estendiam, ia-se fazendo silêncio. Um a um, os presentes estenderam também, lenta e solenemente, os braços para o cesto. Depois, fecharam os olhos, procurando, calculo, concentrarem-se no árduo milagre que se haviam proposto desempenhar.
   Não sei ao certo quanto tempo passou. Os braços continuavam estendidos, os olhos fechados, mas o pão ainda lá estava. Perguntei-me quando decidiriam eles abrir os olhos para ver se havia mais pão do que no início da cerimónia. Um homem de barba rala, que tinha poisado aos pés um malote dos que os operários usam para transportar o almoço, inclinava já a cabeça para a frente como se o poder da sua mente dependesse da inclinação do seu cérebro. Mais à direita, um negro mantinha o rosto impassível, os braços esticados com menos convicção do que anteriormente. Nada acontecia.
   Já exasperado com aquela farsa, preparava-me para sair de mansinho quando notei algo diferente. O ar de monotonia que se fazia sentir era agora invadido por algo estranho, inefável. Nos rostos das pessoas surgia um delineio de um sorriso vitorioso, os braços esticavam-se ainda mais. O homem do malote inclinou a cabeça ainda com mais resolução; o negro, antes impassível, cerrava agora os olhos com força, os braços quase a puxar o resto do corpo para a frente. Até eu, sempre irónico e céptico nos assuntos religiosos, me sentia inclinado a participar deste ambiente místico. Estou agora feliz por não o ter feito. Não porque não tivesse acontecido nada, mas porque o cesto, antes cheio de pão até ao cimo, se encontrava agora vazio.
   Olhando rapidamente em volta, saí de mansinho, não me fossem eles culpar pelo fracasso do milagre. Já na rua, ouvi, vinda do interior, uma vozearia indignada que ia crescendo até ao ponto de se conseguir distinguir um ou outro grito no meio dos ruídos da cidade. Ao ouvir alguém perguntar, furioso, onde estava o homem que Angel havia trazido consigo, desatei a correr o mais que pude até me conseguir misturar com a multidão que formigava pelas ruas para, depois de um dia de trabalho, regressar a casa.



Alguns poemas


Conto de um momento

Passam céleres as madrugadas de ontem e amanhã
onde o vento grita furiosamente para a gente que passa nas ruas
e as árvores contemplam desoladas o espectáculo da rotina.
Peço mais um café, quente, de preferência, para me proteger da manhã cinzenta.
Bucolismo citadino, este...
Pasmo num café que cai sobre a rua, como uma árvore com algumas folhas ainda;
um olhar assustado, um relance sobre toda aquela solidão lá de fora.
Já não me escondo nos cantos mais escuros, onde ninguém me vê.
Cansei-me de ser assim. A ponta ruborizada do cigarro denuncia-me,
por isso sento-me mesmo á janela.
Já ninguém olha.
Estão todos habituados a ver-me, um louco solitário que escreve num guardanapo.
Uma árvore da rua sentada neste café, podada e com algumas folhas.
Algumas folhas.
Folhas de papel, guardanapos. Palavras e palavras,
todas desenham o contorno de ser eu.
Alguém franqueia a porta e me sorri.
Encaminha-se para mim e senta-se ao meu lado.
Um aperto de mão, caloroso.
Não sou assim tão solitário. Apenas gosto de me sentir assim.
O meu amigo pede um café e eu penso ainda em esconder o que escrevi.
O que tens aí?
Lê, se quiseres... nada de especial.
O café chega, numa chávena fria e pálida.
Os olhos percorrem aqueles gatafunhos melancólicos.
Um golo no café.
Sorrio, despreocupado. Não espero obter comentários.
E a conversa desenvolve-se, até terminar com o chamamento dos ponteiros do relógio.
Fim.
   

Sombras indistintas

Caminho pela manhã
nesta glória indescritível de não ser
a madrugada ou o universo – o meu mundo.

E a noite cai de súbito sobre o pórtico etéreo de neblina.
Chegam aves disfarçadas de anjos,
espelhadas na planície lunar do sonho.

É a inexistência que abraço
Tão real como divagações telúricas
(relevância desprendida de formas)
inesquecível como um éon longínquo.

Amo partículas, pensamentos, reflexos
Cometas, estrelas, negritude, desconhecido,
(Outonos primaveris de atmosfera dourada)
sons, luzes, relatividade, descentralização

Reflexos, reflexões...
Descentralizações infinitas, sequenciais,
A certeza matemática da ausência de limites reais
E as marés, que correm num rotativismo vertiginoso
E a vertigem em si, de tudo
o que gira à minha volta, em mim, para mim, por mim.
Madrugada, reinconcretismo, redestruição,
Rerotação, reinexistência.
Repetição. Repetição.

Madrugada, ou o Universo – que mundo?


A um Vector Romântico (Parte II)


Pinto, com dedos
febris
de pensamento
os dedos que foram
febre e que agora são
febris.
Desenham-se
em mim
os traços do silêncio
de séculos
ou segundos
em que os dedos
   que hoje escrevem e abrem caminhos por uma tela branca e


vazia


foram mãos sonhadas por memórias
dum eterno
e breve
entretecer.
E pinto, após este silêncio
a poesia de delírios murmurados
Fráguas
sem nome que defina
sempiternos olhares entrelaçados.

E o azul da noite em degradè
Estende-se
às pálpebras cerradas do
insone que
pinta
ou escreve
e olha e sonha e vive algures
longe da gente que passa
que olha
     ,
aponta
e diz
que viu um louco de olhar perdido e radiante.

O quadro cresce As pinceladas
mais fortes e febris
e surge,
deposta na terra que não piso
a ruína do ancestral ornamento do drama.
Mas há estética e
há arte
que vivem ao compasso de cada respirar
e suspirar
de silêncio que se fala com olhares
entrelaçados
e palmas das mãos que se tocam
dedos que deslizam
e seguem, como os olhares em utopia
o caminho de espíritos cingidos.
Dão-se as mãos no retrato
das mais sublimes e eviternas movimentações
segue-se
no ciclo diáfano
o caminhar dos olhares
desde os olhos
até aos dedos de nocturno firmamento.
Por fim, e misterioso primórdio
assina-se o quadro
O nome da mão que
é mão que pinta
O nome da mão que desenhou a alma que
hoje não vê a noite negra
mas azul.

Dois
nomes.
Tu. Eu.

Parabéns, gosto bastante da tua escrita, vai partilhando mais escritos teus! ;)

Citação de: Gawen em 29 maio, 2010, 18:32
Parabéns, gosto bastante da tua escrita, vai partilhando mais escritos teus! ;)


Eu também gosto. Tem profundidade e estilo, parece-me que tens formação na área das letras ;) Não só pela maneira como escreves mas também pelo conhecimento de certos  autores certamente lidos e dissecados na universidade, ou mesmo para além dela e só por gozo.


Mas calma, um de cada vez, que é para cada um não "roubar" a atenção do outro e dividir-nos no apreço. E que é isso do narcisismo? Quando se diz alguma coisa, na pintura, na escultura, na música e na escrita, quem disser que não gosta de ser lido,  mente, como disse Florbela Espanca a propósito de amar alguém a vida inteira....

Boa escrita boa poesia, eu por mim prefiro o conto. Dou-me pouco bem com a intimidade impetuosa de quem põe a alma a nu nos seus poemas
Templa - Membro nº 708

Citação de: Templa em 29 maio, 2010, 19:09

Eu também gosto. Tem profundidade e estilo, parece-me que tens formação na área das letras ;) Não só pela maneira como escreves mas também pelo conhecimento de certos  autores certamente lidos e dissecados na universidade, ou mesmo para além dela e só por gozo.


Mas calma, um de cada vez, que é para cada um não "roubar" a atenção do outro e dividir-nos no apreço. E que é isso do narcisismo? Quando se diz alguma coisa, na pintura, na escultura, na música e na escrita, quem disser que não gosta de ser lido,  mente, como disse Florbela Espanca a propósito de amar alguém a vida inteira....

Boa escrita boa poesia, eu por mim prefiro o conto. Dou-me pouco bem com a intimidade impetuosa de quem põe a alma a nu nos seus poemas

Obrigado pelas críticas, Gawen e Templa. De facto, a minha formação é essa, embora esta jaculatórias literárias sejam bastante anteriores à universidade. Quanto aos autores, sempre fui um apaixonado de Pessoa (principalmente do Álvaro de Campos). Florbela já é um gosto mais recente, embora tenha sido sempre um apreciador. De qualquer forma, sou um bocado iconoclasta... A maioria dos meus poemas não poderá nunca ser publicada aqui, já que não me refreio quando há raiva ou ironia furiosa... E isso de pôr a alma a nu... Nem eu a conheço totalmente. Só há pequenas facetas, lados minúsculos de uma coisa tão compexa qe nem eu compreendo. Talvez um dia mostre umas coisas mais arrojadas com astericos no lugar de certas letras:) Ah, e fico à espera do teu quarto diário...

Essa dos asteriscos é boa. Os plagiadores adoram esse tipo de vocábulos. Eu não os pus num livro mais realista que mandei a uma editora e depois alguém se aproveitou deles para escrever um novo livro sobre o meu... Portanto, muito cuidado, os ladrões de ideias existem mesmo ;)
Templa - Membro nº 708

Eu referia-me a censura, já que os palavrões não são aqui bem aceites, nem que seja em nome da literatura... Explica-me isso dos asteriscos e plagiadores. Como é que não processaste a editora?

Citação de: StoneColdDeath em 30 maio, 2010, 00:15
Eu referia-me a censura, já que os palavrões não são aqui bem aceites, nem que seja em nome da literatura... Explica-me isso dos asteriscos e plagiadores. Como é que não processaste a editora?

Sabes o plágio é super dissimulado, e sabes cimo é, uma formiguinha contra uma manada de elefantes.  ;) Mas eu para certas coisas tenho boa memória e acho que um dia vou reverter a situação a meu favor...É uma questão de tempo. De qualquer modo, o assunto ainda está na advogada, embora já tenha expirado o prazo para agir criminalmente... Eu também não insisti, porque um dia ainda hei-de tirar dividendos da situação...

Já postei o último diário, se é que ainda não viste...

Beijinho

Templa
Templa - Membro nº 708

Citação de: Templa em 30 maio, 2010, 18:32
Sabes o plágio é super dissimulado, e sabes cimo é, uma formiguinha contra uma manada de elefantes.  ;) Mas eu para certas coisas tenho boa memória e acho que um dia vou reverter a situação a meu favor...É uma questão de tempo. De qualquer modo, o assunto ainda está na advogada, embora já tenha expirado o prazo para agir criminalmente... Eu também não insisti, porque um dia ainda hei-de tirar dividendos da situação...

Já postei o último diário, se é que ainda não viste...

Beijinho

Templa

Oá, Templa,

Espero bem que faças esses porcos de m**da sofrer bem na pele o que fizeram. Odeio plagiadores. Fico é sem compreender a tua associação dos asteriscos a essas bestas. Vou já ler o diário!

Beijo,

Stone

#8
Bom, há pouco fiquei com a sensação de que a Susy ficou a pensar que eu seria a professora... Não, não sou, embora o diário da professora seja inspirado em factos verídicos. E, de entre todos os diários, é, apesar de tudo,  o mais ficcionado.

Quanto aos asteriscos, só me fizeram lembrar da cena macaca de que fui vítima, porque, eu se publicasse aqui o meu romance em fascículos, também teria de colocar uns três ou quatro... ;)

E agora brincando, não é qualquer um que, num livro aí da praça, tem as iniciais do seu nome e 4 digitos do seu BI lá encriptados... Os gajos deviam ter pensado que eu era uma tonta qualquer que não lia um livro. Com tanto azar que me chegou à mão através de uma amiga e, nas quatro ou cinco primeiras páginas, vi lá as minhas personagens escarrapachadas, embora num outro contexto. Foi como se me violassem... E um dos plagiadores morreu há pouco tempo...
Templa - Membro nº 708

Citação de: Templa em 30 maio, 2010, 22:06
Bom, há pouco fiquei com a sensação de que a Susy ficou a pensar que eu seria a professora... Não, não sou, embora o diário da professora seja inspirado em factos verídicos. E, de entre todos os diários, é, apesar de tudo,  o mais ficcionado.

Quanto aos asteriscos, só me fizeram lembrar da cena macaca de que fui vítima, porque, eu se publicasse aqui o meu romance em fascículos, também teria de colocar uns três ou quatro... ;)

E agora brincando, não é qualquer um que, num livro aí da praça, tem as iniciais do seu nome e 4 digitos do seu BI lá encriptados... Os gajos deviam ter pensado que eu era uma tonta qualquer que não lia um livro. Com tanto azar que me chegou à mão através de uma amiga e, nas quatro ou cinco primeiras páginas, vi lá as minhas personagens escarrapachadas, embora num outro contexto. Foi como se me violassem... E um dos plagiadores morreu há pouco tempo...

Se um morreu há pouco tempo, então talvez haja algum tipo de justiça nesta terra maldita. Se eu estivesse no teu lugar, tinha já puxado das evidências e avançado com o caso. Que editora foi, já agora? Ando a pensar seriamente em enviar uns manuscritos para algumas, e quero saber com quem estou a lidar. Claro, há sempre a possibilidade de registar tudo na SPA, o que fica bastante caro. Ou, então, Creative Commons. É grátis e sempre obriga ao reconhecimento de propriedade intelectual.