Bem-vindo ao Portugal Paranormal. Por favor, faça o login ou registe-se.
Total de membros
19.508
Total de mensagens
369.625
Total de tópicos
26.967
  • Peter Pan, Monólogo décimo sétimo
    Iniciado por cody sweets
    Lido 6.070 vezes
0 Membros e 1 Visitante estão a ver este tópico.

"Vou ensinar-te a voar, menina Wendy. Vem, fecha os olhos, estende os braços, respira muito fundo pelo nariz, saltar para o norte, procura a tua estrela...vem. Serei o teu irmão voador, o teu antipai; vamos partir juntos como globos errantes, como meteoritos ascendentes e preguiçosos, com o vento do a alto a despentear-nos meigamente como se fosse a mão brusca e mansa que o herói, de cima do seu cavalo, poisa na cabeça da criança que o admira ao passar.
Vamos subir Wendy; não há nada como voar! E riremos, riremos, porque o riso é o combustível do nosso voo, a propulsão que vence a gravidade do impossível. Para voar, temos deixar de ser graves e de rir...Queres saber onde iremos? Já deves imaginar, mas como gostas de o ouvir outra vez, vou repetir-to: para a Terra do Nunca. Para lá se chegar, não é preciso viajar muito, embora a distância que dela nos separa seja intransponível para a maioria.
Para chegar à Terra do Nunca, não precisamos de nos transportar, mas de nos transformar, e isso é coisa que as agências de viagens não resolvem. Ou talvez seja melhor dizer: não nos transformamos, mas resistirmos à vertigem das transformações que nos aproximam da velhice, da respeitabilidade responsável e da morte? Temos de nos transformar no imutável, Wendy, temos de nos converter sem parar em permanentes: para sermos eternos, temos de ser como crianças. Poder-se-á ser como uma criança, sem se ser uma criança? É este o único problema verdadeiro. Porque, visto com atenção, a criança é a negação mais flagrante da imutabilidade e do permanente: ao pé das suas modificações constantes - dia-a-dia, minuto a minuto -, a petrificação estável e conservadora do verlho é um monumento de granito. Quanto mais crescemos, menos mudamos, ao que me dizem (imaginarás como me é difícil falar destas coisas, a mim, que não sei crescer): durante os cinco primeiros anos da nossa vida sofremos transformações infinitamente mais importantes - quantitativa e qualitativamente - do que durante os setenta ou noventa anos restantes. Ser-se uma criança imutável é um círculo quadrado: o auge é mais rápido que a decadência e a decadência é um auge que começa a afrouxar. Ai, Wendy, que só queria ensinar-te a voar, falar-te dos piratas, índios e feras da Terra do Nunca, e aqui me tens, a dar-te uma lição de matafísica sobre o problema do tempo! Mas não te vás a baixo. minha menina:vamos subir, subir...
Deixa-me falar-te do Capitão Gancho, que mais não seja para amenizar a nossa travessia até à Terra do Nunca. O Gancho, que é um bom pirata, quer dizer, muito mau, traiçoeiro, presunçoso, fanfarrão e amigo do alheio, o Gancho é eternamente perseguido por um crocodilo. O bicho comeu-lhe uma vez o braço esquerdo, com relógio e tudo, e tão bem lhe soube que já não pensa senão comer-lhe o resto. Mas o tiquetaque do relógio que engoliu previne o Gancho de que o seu inimigo se aproxima: e ele vive a fugir, o pobre, desse relógio que quer devorá-lo e que um dia ou outro há-de consegui-lo. Comigo passa-se a mesma coisa, não te dás conta? O Gancho e eu somos irmãos de crocodilo e de Terra do Nunca, irmão de princessa índia raptada, irmãos do tempo livre e aventura, irmãos improdutivos, de rapina audaciosos, ligeiros, volúveis, supérfluos...Ninguém entende o Gancho como eu o entendo e ninguém me entendo como ele me compreende: por isso somos inimigos mortais, já que também o ódio é uma forma de parentesco, e não a menos nobre, por minha fé. Perguntas-me que crocodilo é esse que traz o relógio na sua pança? Por favor, Wend, há já um bocado que não te tenho estado a falar de outra coisa: és tu o crocodilo que segue o meu rasto pelas águas bravias da Terra do Nunca, és tu o crocodilo que envenena a eternidade inverossímil qye reinvidico, és tu a aliada daquilo que há-de desenterrar-me para a maturidade..minha doce, ansiosa e ansiada, minha fugaz Wendy!"

Fernando Savater, em Criaturas do ar, Enciclopédia moderna de Filosofia
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

"Para chegar à Terra do Nunca, não precisamos de nos transportar, mas de nos transformar, e isso é coisa que as agências de viagens não resolvem."

Adorei, Cody! :)

Ainda bem que gostas-te :)

Estava a ler o livro e quando acabei este monólogo simplesmente pousei o livro e perdi-me em pensamentos.

Talvez partilhe mais monólogos deste livro fantástico
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

sofiagov
Citação de: cepticooucrente em 04 setembro, 2015, 14:11
"Para chegar à Terra do Nunca, não precisamos de nos transportar, mas de nos transformar, e isso é coisa que as agências de viagens não resolvem."

Só por isto que escreveste ...duas "beijufas nas boxexas"... ;D ;D ;D


I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

sofiagov
#6
Ao rapaz das estranhas collants verdes....ahahahaha



Hahahahah! Tão giro o Peter Pan... :)

I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

Claro Cody, mas isso nem se fala... ::) :D

I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

Claro que sim! E eu que o diga, que te vejo sempre, e tudo... ::)

;D

sofiagov
O cody não usa collants...é mais gravata viaja pela terra do nunca, compondo uma musíca que nos eleva a alma até à terra do amanhã... :) :) :)

Muito gosto de Fernando Savater... excelente partilha!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

Por acaso  comecei a ler este livro à pouco tempo e adoro a maneira como depois de ler um monólogo te perdes nos pensamentos :)
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

O texto dá origem a muita reflexão, sim senhores.
Iei Or (faça-se luz)
Shalom Aleichem