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  • Maria Barroso, uma Mulher demasiado Grande para o termo "Primeira-Dama"
    Iniciado por cepticooucrente
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Sempre fui uma pessoa apaixonada pelas histórias que se contam sobre a ditadura. Histórias não, factos. Tenho pessoas próximas que foram vítimas da PIDE, e adoro ouvir as estratégias da luta pela liberdade. Quem sabe se já não fui combatente anti-fascista numa outra vida! É que tenho um profundo fascínio! :)
O 25 de Abril é o meu feriado favorito e vibro com as suas comemorações!

Como tal, devem imaginar que tenho uma enorme admiração por todos - sem excepção - combatentes pela liberdade e democracia. Partidos políticos à parte, a minha admiração é pelas pessoas e pelos seus ideais e princípios. Pessoas de coragem. Sou fã, de todos eles, famosos e anónimos.

Maria Barroso foi uma delas. Ponho-me a imaginá-la na sua luta: combatente anti-fascista, mulher (única na fundação do seu partido), nem direito teve ao marido no dia do seu casamento por estar preso. Mas nem isso os impediu de viverem um amor de mais de 60 anos. É absolutamente fantástico. :)

Lamento muito a sua partida. Esta senhora, além da vida tão rica que teve, é da idade da minha avó, assim como Mário Soares. Remete-me para tantos outros casais de décadas e décadas de amor... e agora?... ;(
Sonhei toda a noite com eles. Não me lembro dos pormenores, mas tenho noção de que todo o tempo que estive a dormir estive com eles em pensamento.

Agora, enquanto navegava pelo site da Maria Capaz, encontro esta homenagem a esta linda senhora. Engraçado, não é? :)

Partilhando o texto, também deixo a minha homenagem e o meu agradecimento por ter contribuído para que hoje aqui participe livremente:

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Maria Barroso não teve uma vida fácil. A sina de ser uma combatente pela liberdade foi-lhe anunciada quando ainda não tinha dois anos, no dia em que o pai, Alfredo José Barroso, foi preso por ter participado no golpe de 7 de fevereiro de 1927. Este golpe foi a primeira tentativa para derrubar a Ditadura Militar, antecâmara do regime do Estado Novo.

Seis anos depois, em 1933, o pai voltou a ser preso e foi deportado para os Açores. E em 1949, casou por procuração com Mário Soares, porque o noivo estava preso.

Uma mulher com esta história de vida não merece ser mencionada por "ex-primeira-dama", essa expressão discriminatória que tem implícita a ideia de que o cônjuge do Presidente da República deve ser uma mulher, excluindo a hipótese de podermos ter uma Presidente mulher, ou um Presidente homossexual.

Mais, Maria Barroso não gostava da expressão. Ouvi-o da sua boca quando há mais de dez anos, tive o privilégio de a entrevistar para o livro "Primeiras Damas", publicado pelo Museu da Presidência de que sou co-autora. Tinha 80 anos de idade, 60 de temperança e maturidade, e 20 de espírito e energia. Era pequena na altura registada no bilhete de identidade, mas gigante como pessoa.

Nasceu a 2 de Maio de 1925, na Fuzeta e foi, de facto, a grande companheira do ex-Presidente Mário Soares durante quase sete décadas. Mas foi muito mais do que isso. Foi atriz do Teatro Nacional, num tempo em que muitas cabeças cheias de teias de aranha achavam que os palcos não eram locais para serem frequentados por 'meninas de família'.

A mãe, Maria da Encarnação Simões Barroso, acompanhava-a aos ensaios e espetáculos. Porque gostava de ver a filha representar e, também, para travar as más-línguas.

Em Outubro de 1948, militava no MUD Juvenil quando foi demitida do Teatro Nacional; a sua interpretação da peça Benilde ou a Virgem Mãe ainda hoje é recordada: «Gostei imenso de fazer a Benilde», contou por ocasião da entrevista mencionada. Muito mais tarde, essa grande senhora do teatro que foi Mariana Rey Monteiro recordaria as palavras da sua mãe Amélia Rey Colaço, que estava à frente do Teatro Nacional em 1948: "Cortaram-lhe as pernas!"

Haveriam de lhas tentar cortar muitas vezes nas décadas seguintes, chegando a ser obrigada a alugar a casa de Nafarros a um médico que prestava serviço na NATO, para arredondar o orçamento no tempo de exílio do marido. Nessa época trabalhava no Colégio Moderno para garantir o sustento dos seus. A PIDE  impediu-a de exercer funções docentes, apesar de a sua licenciatura em Histórico-Filosóficas a habilitar ao exercício desta atividade. Esta proibição de exercício da profissão de professora haveria de se manter até ao 25 de Abril de 1974.

O ano da Revolta de Beja, foi de perda e sofrimento. Assistiu à prisão do marido e do pai – com 74 anos – que ficou detido nas instalações da PIDE na Rua António Maria Cardoso. Em Fevereiro do ano seguinte, Mário Soares, novamente detido, escreveu na prisão o poema Para Ti, meu Amor, que dedicou à mulher no dia em que completaram treze anos de casados. O casamento durou 66 longos anos. Uma vida.

Outro episódio de intensa dor surgiu quando desempenhava a função de "mulher do Presidente" —  era esta a expressão que considerava mais adequada para designar o lugar de primeira-dama. Na madrugada de 27 de Setembro de 1989, o comandante Homem Gouveia pediu a alguém para telefonar a Isabel Soares, para lhe dizer que o irmão, João, tinha sofrido um acidente em Angola, e que estava entre a vida e morte. O casal tinha agendada uma visita oficial à Hungria. O Presidente fez a viagem no cumprimento das suas funções de Estado, enquanto Maria Barroso, a mãe de João, partiu imediatamente para Pretória, para onde o filho fora transferido.

Como "mulher do Presidente" o que contou verdadeiramente foi poder "ser a Maria Barroso, eu própria, com a minha maneira de estar no mundo e a minha continuidade». Mas acompanhou sempre o marido "com grande gosto», em todas as suas atividades. Até porque sabia que estava a transmitir a "imagem da mulher portuguesa para fora".

A paz em Moçambique foi outra das suas causas. Em 1991, foi a Moçambique a convite da Conferência Episcopal da África Austral, uma pedra basilar para o início do processo de Paz em Moçambique. Pode dizer-se que regressou uma pessoa diferente. A imagem (ao vivo) do sofrimento, da fome e da carência generalizada da população sitiada pela guerra, fizeram com que, a partir daí, empenhasse o seu prestígio na luta pela paz. Ressano Garcia viria a ser decretada Zona de Paz em Janeiro de 1993.

Ficou com pena de não feito uma fundação com base na Língua Portuguesa; um sonho que acalentava ainda antes de o marido ser eleito Presidente, e de ter surgido a CPLP. Depois de Mário Soares deixar Belém, criou a Fundação Pró-Dignitate, e aí promoveu um trabalho de estudo e prevenção sobre o impacto da violência televisiva nas crianças.

Maria Barroso, uma combatente pela liberdade, merece que o cônjuge do Presidente que vai ser eleito em janeiro do próximo ano seja designado por presidente consorte. Porque ela não gostava da expressão primeira-dama!


Manuela Goucha Soares