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  • Engolir as lágrimas
    Iniciado por cepticooucrente
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Ia adormecida, com o embalar do comboio e as noites mal dormidas, quando me apercebi que a mulher sentada no lugar da frente, de costas para mim, também olhava o mar.

A diferença é que, enquanto eu ia pensativa e nervosa, com algumas coisas por resolver, ela estava a chorar.

Detive-me.

Fiquei a olhá-la... a ver a lágrima que tentava conter a sair-lhe lentamente pelo canto do olho e ela a matá-la logo ali, com o indicador da mão direita. Firme e decidida a não deixá-la percorrer o rosto, antes que alguém se apercebesse.

Apercebi-me eu.

Estava atrás dela. Não tinha como ver que eu tinha despertado, no meu mundo, para o dela.

Tive vontade de lhe colocar a mão no ombro e sussurrar-lhe ao ouvido: força.

Detive-me.

É incrível como a sociedade nos impõe, inconscientemente, esta questão de não nos aproximarmos dos outros. Pensei que talvez ela gostasse de sentir que alguém desconhecido se preocupava com as suas lágrimas, mas ao mesmo tempo, receei que me sentisse como uma intrusa no seu mundo.

Fiquei a observá-la e, nesse momento, aquilo que penso de nós, mulheres, ganhou ainda mais força.

Ela apertou o nariz, no seu próprio gesto mágico de conter o choro. Cada uma de nós tem o seu segredo.

A mulher pegou em duas faturas.

Fiquei atenta.

Seria a falta de dinheiro o motivo do choro?

Não consegui ter certezas.

Porquê?

Porque o telemóvel tocou, a mulher respirou fundo e atendeu-o como se não tivesse vertido uma única lágrima. Voz contida e serena. Deu para perceber que era uma questão simples de trabalho.

Guardou o telemóvel na mala, juntamente com as faturas.

Voltou a olhar a paisagem pela janela e a apertar o nariz.

Eu olhei-a com um nó na garganta. Com a impotência de não saber como ajudar.

Chegámos ao fim da linha e, por coincidência ou não, tomámos a mesma escada e ficámos lado a lado.

Observei-a de esguelha e vi-a de novo a engolir as lágrimas.

Voltei a pensar em sussurrar-lhe: Seja o que for... força!

Não fui capaz. Acelerei o passo e segui.

Senti que ia ser uma intrusa, invadindo o que ela estava a fazer: a lutar contra o que a fragiliza.

Todas nós, em muitos momentos (mais do que aqueles que desejaríamos) já fomos aquela mulher. Já engolimos as lágrimas. Já apertámos o nariz para conter o choro. Já respirámos fundo para conter a emoção amarga que nos quer devorar.

E porquê?

Porque a nossa essência é esta: a da luta. A de não nos deixarmos partir. Somos como as árvores. Podemos vergar um pouco com a força do vento, mas as nossas raízes mantêm-nos firmes na arte da natureza que é... Ser Mulher.




Irina Gomes

Gostava que houvessem mais pessoas a não engolir as lágrimas e outras mais dispostas a 'intrometerem-se' na vida dos outros para prestar auxilio. O problema é cada um viver para o seu próprio umbigo e ter demasiadas regras impostas na sua cabeça.

Quantas pessoas choram nos comboios e carros para quando chegarem ao destino, limparem as lágrimas, respirar fundo, e continuar como se nada fosse...

PARECER continuar como se nada fosse...porque, no fundo, nada continua como se nada fosse. Mas só a pessoa no seu interior sabe  :) quantas e quantas pessoas aparentam a força de um dragão e por dentro se sentem uma frágil flor.

Essas são as que acham que são super homens/mulheres. Só que não o são para sempre, e só quando o reconhecem, e choram e soluçam de uma vez, às "claras" é que podem dar a volta por cima. :)

sofiagov
seria por vir de onde veio...ou saber para onde ia....triste.