A minha Maria Sintética

Os designers, Domenico Dolce e Stefano Gabbana, da griffe Dolce & Gabbana referiram-se às crianças nascidas por fecundação in vitro como "sintéticas".

Eu tenho uma bebé sintética. A minha Maria é assim, uma miúda que começou por ser alguém num laboratório. Entre a ligação certeira do Prof. Pereira Coelho e os meus óvulos e os espermatozóides do pai, a miúda fez-se gente. Lembro-me como se fosse hoje o médico dizer-me: este se pegar é um ferrari ! Sim, a minha Maria é um ferrari daqueles potentes e endiabrados. Nunca fiz segredo da nossa incapacidade de engravidar e também nunca fiz segredo do tratamento. Sempre achei que quando nos envergonhamos de algo, é porque não estamos confortáveis. E que falando abertamente dele, poderia ajudar quem sofresse do mesmo mal. E eu estava super confortável em todo o caminho que me levasse até ela. Curiosamente foi no Dia Internacional da Mulher de 2010 que me ligaram da clínica a dizer que estava de bebé. (abrir parênteses para dizer que naquele momento, numa avenida movimentada da grande alface, senti tudo parar, como nos filmes, quando a imagem fica em suspenso e só se ouve o bater do coração, do meu, leia-se, e senti-me a ser inundada por uma maré de emoções). Tive a certeza, não sei explicar como, que era uma menina e disse logo que teria de ser Maria.

A minha Maria Sintética não é feita de material distinto dos restantes amigos. Ela apenas foi concebida de forma diferenciada e, infelizmente para os pais, uma maneira bem menos agradável do que o modelo convencional, porque sempre achei que o raio da miúda deveria ter sido feita no culminar de um orgasmo (oh, era a perfeição!).

A minha Maria Sintética é assim uma miúda em tudo igual aos restantes miúdos, menos para um certo número de pessoas, entre elas a dupla de estilistas que não veem as marias-sintéticas deste mundo lá muito bem. Mas não tem mal. Para mim não tem mal. E não tem mal porque há sempre quem esbarre de frente com os bons avanços da ciência. Há sempre quem, de tão mesquinho, amesquinhe o mundo. Há sempre quem teime em ver mal onde apenas se pode ver o bem. E, acima de tudo, não tem mal porque a minha Maria-Sintética é um ferrari e será sempre feliz, independentemente da gente torturada que povoa este mundo.



Carla Rocha

Uma boa descrição de alguém que tem dificuldades em gerar naturalmente. Até devia haver mais apoios a esses casais que têm de recorrer aos "sintetizadores", porque mostram mesmo que querem tomar conta de uma vida, ao contrário das bestas que procriam só porque não está a dar nada na TV e depois é o que se vê.

Devia de haver mais "Marias sintéticas", pois o mundo precisa de crianças e há tantos pais que não tê-los nem sequer aceder a tratamentos caros... é triste pensar que só quem tem posses económicas pode ter Marias assim!