Bem-vindo ao Portugal Paranormal. Por favor, faça o login ou registe-se.
Total de membros
19.509
Total de mensagens
369.625
Total de tópicos
26.967
  • Poemas de Fernando Pessoa
    Iniciado por KALKI
    Lido 12.755 vezes
0 Membros e 3 Visitantes estão a ver este tópico.
  eu e ele estamos em sintonia  ;D

O coração surge como um cofre com duplo sentido:
- cofre que guarda um tesouro, algo valioso
- cofre que isola, que guarda segredos, que não permite acesso.

Adoro como o amor aparece aqui quase como ar que se respira :)

#31
(...) Como não te adorar, se só tu és adorável? Como não te amar, se só tu és digna do amor?
Quem sabe se sonhando-te eu não te crio, real noutra realidade; se não serás minha ali, num outro e puro mundo, onde sem corpo tátil nos amaremos, com outro jeito de abraços e outras atitudes essenciais de posses? Quem sabe mesmo se não existias já e não te criei mas te vi apenas, com outra visão, interior e pura, num outro e perfeito mundo?

Quem sabe se o meu sonhar-te não foi o encontrar-te simplesmente, se o meu amar-te não foi o ver-te, se o meu desprezo pela carne e o meu nojo pelo amor não foram a obscura ansia com que, ignorando-te, te esperava, e a vaga aspiração com que, desconhecendo-te, te queria?

Não sei mesmo já se não te amei já, num vago onde cuja saudade este meu tédio perene talvez seja. Talvez sejas uma saudade minha, corpo de ausência, fêmea talvez por outras razões que não as de sê-lo.
(...)
Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te possui e a minha adoração não te afasta.


Fernando Pessoa in Livro do Desassossego

sofiagov
excelente sara...muito bom mesmo...boa partilha  :)

(...)
Jazo a minha vida. E nem sei fazer com o sonho o gesto de me erguer, tão até à alma estou despido de saber ter um esforço.
(...)
Pessimista - eu não o sou. Ditosos os que conseguem traduzir para universal o seu sofrimento.
Mas eu quero crer que a vida seja meio luz meio sombras. Eu não sou pessimista. Não me queixo do horror da vida. Queixo-me do horror da minha. O único facto importante para mim é o facto de eu existir e de eu sofrer e de não poder sequer sonhar-me de todo por fora de me sentir sofrendo.
(...)
A vida com todas as suas dores e receios e solavancos deve ser boa e alegre, como uma viagem em velha diligência para quem vai acompanhado (e a pode ver).
A glória de um poente belo, com a sua beleza: nunca me alegra. Ante eles eu digo sempre: como quem é feliz se deve sentir contente ao ver isto !

Ao pé da minha dor todas as outras dores me parecem falsas ou minimas. São dores de gente feliz ou dores de gente que vive e se queixa. As minhas são de quem se encontra encarcerado da vida, à parte...

De modo que tudo o que angustia vejo. E tudo o que alegra não sinto. E reparei que o mal mais se vê que se sente, a alegria mais se sente do que se vê. Porque não pensando, não vendo, certo contentamento adquire-se (...). Mas todo o mal entra em casa pela janela da observação e pela porta do pensamento.


Fernando Pessoa in Livro do Desassossego

"Quem sabe se sonhando-te eu não te crio, real noutra realidade;
se não serás minha ali, num outro e puro mundo, onde sem corpo tátil nos amaremos, com outro jeito de abraços e outras atitudes essenciais de posses?"

Como seria possível não adorar, quem por si só é adorável?

Maravilhoso sentir este!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

A posse é para meu pensar uma lagoa absurda — muito grande, muito escura, muito pouco profunda. Parece funda a água porque é falsa de suja.
A morte? Mas a morte está dentro da vida. Morro totalmente? Não sei da vida. Sobrevivo-me? Continuo a viver.
O sonho? Mas o sonho está dentro da vida. Vivemos o sonho? Vivemos. Sonhamo-lo apenas? Morremos. E a morte está dentro da vida.
Como a nossa sombra a vida persegue-me. E só não há sombra quando tudo é sombra. A vida só nos não persegue quando nos entregamos a ela.
O que há de mais doloroso no sonho é não existir. Realmente, não se pode sonhar.
O que é possuir? Nós não o sabemos. Como querer então poder possuir qualquer coisa? Direis que não sabemos o que é a vida, e vivemos... Mas nós vivemos realmente? Viver sem saber o que é a vida será viver?


Fernando Pessoa in Livro do Desassossego

Iei Or (faça-se luz)
Shalom Aleichem

Francamente lindo!

"A vida só nos não persegue quando nos entregamos a ela".
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

É genial... eu até nem sei o que dizer. Genial...

Citação de: SaraRS em 13 maio, 2015, 15:34
Posso amar-te e também adorar-te porque o meu amor não te possui e a minha adoração não te afasta.


Esta frase é de uma consciência Genial , um amor cheio de Vida e de Liberdade.... O verdadeiro Amor.
A verdade doi, mas liberta

Realmente, quando penso em coisas para dizer sobre isto, fico sem palavras.
Preenche-me a alma e deixa-me boquiaberta.

É bom haver sombra, porque é sinal de que há luz.
Não sabemos tanta coisa...e mesmo assim vivemos essa 'tanta coisa'...mas será em plenitude? Se calhar, basta Sentir mesmo sem saber.
....


Amei... excelente mesmo, obrigada pela partilha!

O amor perde identidade na diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora, para ele saber que só torna seu se não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia — os amores todos que são os absurdiandos do amor.
No terraço antigo do palácio, alçado sobre o mar, meditaremos em silêncio a diferença entre nós. Eu era príncipe e tu princesa, no terraço à beira do mar. O nosso amor nascera do nosso encontro, como a beleza se criou do encontro da Lua com as águas.
O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente?
O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.
Mas toda a vida é uma metafísica às escuras, com um rumor de deuses e o desconhecimento da rota como única via.


Fernando Pessoa in Livro do Desassossego

Adoro a poesia de Fernando Pessoa! :)
O Livro do Desassossego é muito bom!
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

Citação de: cody sweets em 14 maio, 2015, 20:31
Adoro a poesia de Fernando Pessoa! :)
O Livro do Desassossego é muito bom!

Ando a ler uma edição recente :) ainda só vou na pagina 70 e tem 500 paginas...
por isso, vão ser bombardeados :D