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  • Os sonhos de Donkor
    Iniciado por Filipa84
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Os sonhos de Donkor


Antigo Egipto, 1984 a.C.


     Cansado, Donkor sentou-se à mesa e comeu em silêncio o singelo mas farto prato de grão, que lhe concederia as forças necessárias para a lavoura do dia seguinte.
     Como habitualmente, lavou o seu prato de barro e recolheu aos seus modestos aposentos de dormir, que não eram mais do que um recanto da habitação dividido por uma cortina de linho esfarrapada. Despiu-se e deitou-se na esteira.

     O seu corpo dorido clamava por descanso, mas a sua mente divagava, como sempre, flutuando nas ondas negras do cabelo de Núbia, a bela filha de Radamés, um homem artesão que tivera a sorte de ser convocado para executar trabalhos para uma família da Nobreza.
     Embora apenas uma classe social os distanciasse, Donkor sabia ser impossível unir-se em matrimónio com Núbia. Radamés era um artesão ambicioso, e agora que tinha conseguido subir na vida e trabalhar para a Nobreza, nunca iria permitir que a sua filha se casasse com um camponês.

     Certamente teria em mente casá-la com um artesão que trabalhasse para o Faraó. Ou, se fosse tão ambicioso como se dizia, talvez fosse confiante o suficiente para tentar casá-la com algum Nobre. Como qualquer homem, desejava o melhor para a família, e não iria desperdiçar a sua sorte, agora que se vislumbrava uma vida melhor, com laços sociais e comerciais interessantes e proveitosos para fazer.
     Donkor sabia que Núbia só seria sua em sonhos. Por isso, sonhava, sempre que podia.

     Nos seus sonhos este amor não era impossível, e não existiam classes sociais, nem nada que os separasse.
     Nos seus sonhos, só existiam eles, a noite e o Nilo.
     Nos seus sonhos, Núbia aparecia das brumas, envolta em vestes de sedas azuis e douradas, os cabelos soltos em ondulações suaves e perfumadas, o kajal a desenhar o mistério do seu olhar cintilante.
     Nos seus sonhos, Núbia correspondia este amor, envolvia-o nos seus braços suaves e morenos, beijava-o com paixão, e olhava-o com o brilho de mil estrelas naqueles olhos de amêndoa.
     Nos seus sonhos, Donkor fazia amor com Núbia debaixo da Lua, nas areias mornas junto ao Nilo, que cantava canções de água para enfeitar a paixão.
     Nos seus sonhos, Donkor perdia-se nos cabelos de seda de Núbia e beijava a sua pele banhada com óleos de rosas e hibísco.
     Nos seus sonhos, trocavam palavras mais doces que o mel e faziam juras de amor, testemunhadas por Hator, a deusa do amor e da felicidade.

     Quando o a claridade do amanhecer alcançou a modesta habitação de Donkor, este apressou-se a colocar um pedaço de tecido à cintura, que prendeu com uma velha fita de couro e enfiou as sandálias igualmente velhas e gastas. Colocou o seu colar com um pendente de quartzito, que usava em tributo ao deus da Terra – Gab, para ter sorte nas colheitas.
     Agarrou num pedaço de pão que constatou estar duro, e molhou-o na bacia de água, para ir comendo pelo caminho.

     Quando chegou ao terreno, já lá estavam todos os camponeses, a iniciar os trabalhos. As mulheres estavam em azáfama, rindo e gesticulando, muito animadas. Quando se aproximou, Donkor percebeu o motivo da agitação entre as mulheres.
     Corria a notícia de que  Radamés, um artesão famoso no mercado pelos seus magníficos trabalhos, e muito falado também pela sua mais recente promoção, estava felicíssimo por ter casado a sua filha Núbia com um jovem artesão muito promissor que trabalhava num dos palácios do Faraó.

     Donkor deixou de ouvir as mulheres, animadas a comentar a festa que Radamés ia dar na aldeia, em homenagem aos deuses, para celebrar a união da filha, da qual esperava vários netos.
     Ouvia apenas o seu coração, que estava calado num silêncio sepulcral. Não sentia nada, senão uma anestesia em todos os sentidos. Sentiu o tempo parar, e, com ele, o sentido da sua própria existência.

    Antes que a dor o atingisse em cheio e lhe rasgasse a alma, envenenando-a com ciúme e ódio, sentou-se e orou aos Deuses:
     Pediu a Hator e Ísis que permitisse a Núbia ser feliz junto do marido. 
     Pediu a Selk, Hepu e Taurt que  abençoasse o casal com filhos e filhas.
     Pediu a Ptha que nunca lhes faltasse pão na mesa, e a Bahiti que lhes permitisse criar fortuna.

     Para si, pediu apenas a Serápis, o Deus dos sonhos, para lhe permitir sonhar com Núbia, todas as noites, o resto da vida.
     Sonhos de amor, onde era feliz.
"A ciência não só é compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade" - Carl Sagan

Imaginativo e bonito,gostei ;) parabéns

"A ciência não só é compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade" - Carl Sagan

bonito mas triste ao mesmo tempo
Iei Or (faça-se luz)
Shalom Aleichem

A abnegação feita amor. Bonito


Parabéns


Templa
Templa - Membro nº 708

Obrigada Templa e Cleopatra.

Sim era mesmo a abnegação que eu queria transmitir :) embora triste, é uma atitude muito nobre.
"A ciência não só é compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade" - Carl Sagan