O meu tio despediu-se de mim...

Vai ser difícil contar isto sem que as lágrimas caiam...

O meu tio era uma pessoa muito positiva, sempre de bem com a vida. Nunca o ouvi a queixar-se de nada, apesar das dificuldades por que passou na vida. Ele estava bem se todos à sua volta estivessem bem. Tinha sempre uma fala tranquila e um sorriso para todos. Era muito estimado pelas pessoas. Ele faleceu no passado sábado, com 85 anos. 

E ele despediu-se de mim duma forma que ainda me conforta e me baralha...

Sempre que o íamos visitar, ele olhava fixamente para mim. Ele confundia-me com outras pessoas, mas acho que lá no fundo ele reconhecia-me de alguma maneira. Deixou de conseguir falar, mas o olhar dele, quando me via, tinha sempre algo que eu não conseguia definir. E eu não sabia como reagir; eu dizia-lhe sempre aquelas coisas banais, do género: "o tio hoje está com boa cor", "hoje está muito frio, está aí deitadinho bem quentinho", "então, tio, não se lembra de mim? Eu sou a L, a sua sobrinha", porque eu não sabia como comunicar-me com uma pessoa que não fala e que está tão debilitada que limita-se a abrir os olhos, olhar-me fixamente e depois volta a adormecer...

Há algumas semanas, eu soube que eles foram roubados dentro de casa pela suposta enfermeira. Quando eu fiquei a saber disso, eu já tinho lido aqui no fórum sobre o responso a Santo António, para objectos perdidos e roubados. Apesar de já se terem passado muitos dias sobre o roubo, eu decidi assim mesmo fazer o responso. Não contei a ninguém, apenas esclareci as minhas dúvidas aqui no fórum e fiz a oração.

No meu quarto, eu tenho um guarda-roupa com duas portas. A porta da esquerda está sempre fechada à chave. Sempre. Se preciso de algo, abro-a, mas torno a fechá-la imediatamente. Com a chave. A porta da direita não a costumo fechar à chave, mas fica sempre encostada. Quando fui dormir na sexta-feira, as portas estavam fechadas. Quando acordei no sábado, as duas portas estavam abertas cerca de um palmo! Eu fiquei a olhar fixamente para elas, a tentar perceber se eu as teria deixado abertas na noite anterior. Mas não, elas ficaram fechadas, eu nunca me deito com essas portas abertas, sobretudo a da esquerda. Ninguém entrou no meu quarto, o meu irmão estava tão cansado de uma semana de trabalho que acordou bem depois de mim...

Nessa mesma manhã de sábado, eu estava a navegar pela net. De vez em quando, eu olhava para a direita, e lá via as portas do guarda-roupa abertas. Eu não toquei nelas, não sei o que me deu para não as ter fechado. É como se algo dentro de mim quisesse esclarecer esse mistério. Enquanto navegava pela net, vi um comentário do meu primo no facebook a desejar um bom descanso ao pai. Foi aí que comecei a juntar dois mais dois. Fiquei à espera de notícias mais certas, e entretanto o meu irmão veio ter comigo e disse que a nossa prima tinha confirmado que o tio tinha falecido nessa madrugada...

Eu tenho certeza que esta foi a forma que o meu tio encontrou para me agradecer pelo responso que fiz e para se despedir de mim. Espanta-me tudo isto, alegra-me, entristece-me... É uma mistura enorme de emoções. Está a custar-me mais hoje do que custou-me participar no velório e no funeral. Claro que a tristeza é grande, e parte o coração ver a família de rastos. Doeu muito ver o meu outro tio completamente destroçado com a morte do irmão. A minha ligação com o meu tio que partiu não era profunda. Era uma pessoa que eu estimava e respeitava, mas não havia um convívio muito grande entre nós. E é por isso que hoje está a custar mais, por perceber que ele agradeceu-me pelo responso e despediu-se de mim, de uma forma muito particular, que eu nunca poderia sequer imaginar...

Até um dia, tio! 

Agradeço a todos os que tiveram paciência de ler este meu relato. Fiquem todos bem.

Sentidos pêsames pela morte do seu tio. Não entendi se ao fazer o responso as coisas roubadas apareceram ou não. Aoroveito para lhe perguntarm, porque pensa que o seu tio estaria a agradecer-lhe ter feito o responso?

Obrigada pela sua mensagem, Oculto.

Quando eu fiquei a saber do roubo, já ele tinha acontecido há algum tempo. Tanto quanto eu saiba, nada apareceu ainda, e duvido que algo apareça. O caso está entregue à polícia.

Quanto ao responso... Bem, para falar a verdade, olhando para trás, eu não tenho certeza se foi um agradecimento do meu tio; acho que fiquei emocionada pela forma como ele se despediu de mim que acabei por associar igualmente à despedida um agradecimento da parte dele. Realmente, nada indica que foi um agradecimento pelo responso, reconheço. Mas que foi uma despedida, disso tenho certeza absoluta...

A última despedida de um Ente querido que parte, fica gravada na nossa memória para sempre e, como  a menina diz, servir-nos-á de consolo sempre que o recordarmos.

Sem dúvida, Oculto. Obrigada pela mensagem.