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  • A parede das mentiras
    Iniciado por Templa
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Beatriz, com a chegada da primavera que pedia roupa nova e fresca, sentia-se um bocado namoradeira e com vontade de experimentar novas sensações.
Naquele certo sábado, resolveu que, ao início da tarde e depois de fazer as compras na mercearia da esquina, iria ao mítico café onde, sabia, iria encontrar todos os seus amigos para trocar uns dedos de conversa.
Foi com um sorriso de divertida complacência que viu o homem da mercearia guardar, sorrateiramente debaixo dos grelos, as revistas pornográficas folheadas gulosamente pelas pupilas dele, antes da sua chegada....Mas, adiante...Cada um vê o que quer e rapariga séria não tem olhos nem ouvidos....
Depois, em casa, vestiu as calças de ganga à boca-de-sino, enfiou uma camisa apertada com um nó sobre o umbigo, descendo, de seguida, as escadas. Tinha chamado um táxi para a levar ao destino e sabia, de antemão, que o rapaz com cara de Paulo Pires, há um tempo a catar-lhe a sombra, iria ser ele a levá-la até ao café. Tinha conseguido isso graças a conluio entre a classe dos taxistas, apostados em acertarem o namoro entre ambos, que Beatriz apostava em tornar difícil.
Logo de manhãzinha, à semelhança da Blimunda heroína do romance Memorial do Convento de José Saramago, tinha engodado os seus poderes com um naco de pão comido sob os lençóis, de forma a não ser confrontada com as suas estranhas visões. Hoje, mercê das precauções tomadas, esperava que nada disso lhe acontecesse. A bem da sua condição de rapariga igual às outras, à excepção daqueles seus olhos de raio x que, não raro, a deixavam tão incomodada quando divagavam pelas janelas de um mundo inimaginável à maioria das criaturas.
Mal entrou no táxi e disse o endereço de destino, por entre uma boa tarde sorridente, observou os olhos do rapaz que, de óculos na testa, a mirava pelo espelho retrovisor, com um sorriso a rondar o vitorioso.
− Por que não?!... − pensou Beatriz − O dia estava lindo e não seria desusado expandir a corda da feminilidade que lhe  brotava dos poros como flores em primavera e com vontade de se aconchegar no imenso verão dos sentidos  onde o amor gosta de matar a fome e a sede.

Mal chegou ao café, foi sem espanto, mal tinha acabado de sentar-se, que viu o "Paulo Pires" fazer o mesmo, numa mesa perto da sua, perguntando-lhe, sem grande cerimónia, se não se importava com o atrevimento.
− Por que não?!... O rapaz era bonito e agora, cara a cara, tinha a oportunidade de o ver melhor, aquilatando, com uns pozinhos de ver resgatados à falsa fé ao pão da manhã, as verdadeiras intenções do jovem. Além do mais, o cafezinho dos poetas, situado na Rua Portas do Sol, tinha um poder mágico capaz de detectar as más intenções das pessoas lá fossem, só para ouvir poesia ou para outra coisa qualquer. Por isso, se precisasse, não seria difícil submeter o candidato a namorado à prova, para ver até que ponto andava de boa-fé.
A conversa ainda não tinha grandes dedos e já Beatriz via, com os seus estranhos poderes, os dentes do rapaz a crescerem, como se de um verdadeiro Drácula se tratasse. Mas, de manhã, sob os lençóis, tinha comido o pão que lhe servia de antídoto e a eximia ao lado escondido da vida, pejada, muitas vezes, dos malévolos pensamentos dos outros.
Pensou, por isso, tratar-se de ilusão de óptica.
Contudo, prosseguiu com a observação, a ver até que ponto conseguia descortinar o que é que o rapaz taxista queria dela e se tal coisa era ou não do seu agrado.
Como cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém, resolveu, após uns instantes de prosa sem sal nem açúcar, submeter o moço a um teste mais conclusivo.
No café mágico, onde se matava a sede e se ouvia poesia, havia uma parede que ostentava um vão, feito durante as invasões francesas onde outrora um convento de freiras. Aí se dera um milagre, quando a barbárie dos napoleónicos quisera violar as irmãs carmelitas. Um grosso muro, aberto à força de canhão pela brutalidade dos homens, quando estes ousaram transpô-lo, cerrou as suas pedras no ventre dos soldados, que morreram esmagados, deixando incólume a honra das pobres mulheres.
Desde então, a parede conservava estranhos poderes...Todo aquele que por lá quisesse passar sem sobressalto, gordo ou magro, teria de levar a mente limpa. Sem isso, corria o risco de ver o corpo prensado pelas pedras, até ficar reduzido a um picado sem serventia alguma senão para dar de comer às minhocas escondidas debaixo da terra.
Beatriz, então, pediu ao rapaz com cara de "Paulo Pires" que tentasse passar pelo vão da parede. Isso seria a prova final para ela dar o sim ou decidir-se, definitivamente, pelo não.
Foi quando os dentes das pedras, como aguilhões, se mostraram ostensivos e prontos para o fatal abraço...
Beatriz puxou-o antes que ele se esfarelasse como migalhas de pão e concluiu, sem sombra de dúvida, que aquele rapaz não era o seu artista....
Porto, 19 de Fevereiro de 2003

(inspirado num sonnho)

Templa - Membro nº 708


Olá Templa,gostei do teu conto :)

quando falas-te na blimunda lembrei-me

logo do baltasar sete-sois :laugh:

quem sabe se não te tornas tu também

numa escritora premiada :-* :-* :-*

OLá querida! Tu é que és o Anjinho Perdido!... O mundo da Literatura é uma máfia sem tamanho... Até pessoas, outrora sérias, se vendem por um punhado de cêntimos.

O conto tem um pouco dessa inspiração, (Memorial do Convento)  também.

Presentemente não consigo lembrar-me dos sonhos. Às vezes acho que a mãe do Harri Potter tinha um bocado esse mundo por inspiração. Esse e a passa! Lol. Diz quem a conhece onde ela começou a escrever...

Beijinho
Templa - Membro nº 708


Porquê que não me admira dizeres :Esse e a passa! Lol. Diz quem a conhece onde ela começou a escrever..  :(

mas vai por mim passa não :P

não há nada como ser ão natural :angel: