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  • Lendas do nosso Portugal
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A Padeira de Aljubarrota
Brites de Almeida não foi uma mulher vulgar. Era feia, grande, com os cabelos crespos e muito, muito forte. Não se enquadrava nos típicos padrões femininos e tinha um comportamento masculino, o que se reflectiu nas profissões que teve ao longo da vida. Nasceu em Faro, de família pobre e humilde e em criança preferia mais vagabundear e andar à pancada que ajudar os pais na taberna de donde estes tiravam o sustento diário. Aos vinte anos ficou órfã, vendeu os poucos bens que herdou e meteu-se ao caminho, andando de lugar em lugar e convivendo com todo o tipo de gente. Aprendeu a manejar a espada e o pau com tal mestria que depressa alcançou fama de valente. Apesar da sua temível reputação houve um soldado que, encantado com as suas proezas, a procurou e lhe propôs casamento. Ela, que não estava interessada em perder a sua independência, impôs-lhe a condição de lutarem antes do casamento. Como resultado, o soldado ficou ferido de morte e Brites fugiu de barco para Castela com medo da justiça. Mas o destino quis que o barco fosse capturado por piratas mouros e Brites foi vendida como escrava. Com a ajuda de dois outros escravos portugueses conseguiu fugir para Portugal numa embarcação que, apanhada por uma tempestade, veio dar à praia da Ericeira. Procurada ainda pela justiça, Brites cortou os cabelos, disfarçou-se de homem e tornou-se almocreve. Um dia, cansada daquela vida, aceitou o trabalho de padeira em Aljubarrota e casou-se com um honesto lavrador..., provavelmente tão forte quanto ela.

O dia 14 de Agosto de 1385 amanheceu com os primeiros clamores da batalha de Aljubarrota e Brites não conseguiu resistir ao apelo da sua natureza. Pegou na primeira arma que achou e juntou-se ao exército português que naquele dia derrotou o invasor castelhano. Chegando a casa cansada mas satisfeita, despertou-a um estranho ruído: dentro do forno estavam sete castelhanos escondidos. Brites pegou na sua pá de padeira e matou-os logo ali. Tomada de zelo nacionalista, liderou um grupo de mulheres que perseguiram os fugitivos castelhanos que ainda se escondiam pelas redondezas. Conta a história que Brites acabou os seus dias em paz junto do seu lavrador mas a memória dos seus feitos heróicos ficou para sempre como símbolo da independência de Portugal. A pá foi religiosamente guardada como estandarte de Aljubarrota por muitos séculos, fazendo parte da procissão do 14 de Agosto.

O Monstro de Aljubarrota
No dia 14 de Agosto de 1385 estavam os exércitos português e castelhano frente a frente, naquela que seria conhecida para sempre como a batalha de Aljubarrota. Eram cerca de 22 000 castelhanos contra 7 000 portugueses, mas, apesar da desproporção de forças, os espanhóis hesitavam em atacar, impressionados pela serenidade mística dos portugueses. Assim ficaram durante horas, mas por fim os castelhanos avançaram e a luta foi renhida, não conseguindo o invasor atingir a estratégica defesa portuguesa. Desesperados e tendo conhecimento da existência de uma grande fera nas imediações do terreno, os castelhanos decidiram procurar a besta infernal para que esta os auxiliasse. Neste grupo de busca encontrava-se um reputado bruxo castelhano que capturaria o monstro através das suas artes mágicas. Após ter sido hipnotizado pelo bruxo, o monstro concordou em ajudar os castelhanos. Colocado em frente do exército português, livrou-o o bruxo da sua influência para que pudesse recuperar o seu carácter violento e devorar os portugueses. O monstro temível avançou e começou a desfazer os soldados que estavam à sua frente, assustando até D. João I que se lembrou de invocar a ajuda do seu patrono S. Jorge e da Virgem Maria, com toda a fé que tinha. Segundo a lenda, S. Jorge desceu dos céus montado no seu cavalo e rodeado por uma bola de fogo, lançando-se com a sua lança sobre a terrível fera. Depois de vencer o monstro, S. Jorge virou-se contra o exército inimigo desbaratando as sua fileiras e ajudando os portugueses a alcançar a vitória. D. João I mandou edificar uma ermida onde foi colocada a imagem de S. Jorge montado no seu cavalo, matando o monstro com a sua lança.

S. Jorge e o Dragão
O culto de S. Jorge foi introduzido em Portugal nos primórdios da nacionalidade, através dos cruzados ingleses que participaram na Reconquista. Entre alguns dos devotos deste Santo, que nasceu de uma ilustre família cristã de Capadócia (actual Turquia), estão D. João I e o Condestável Nuno Alvares Pereira.

Mestre-de-campo do imperador Diocleciano com apenas vinte anos, o valente S. Jorge insurgiu-se contra a injustiça da perseguição dos cristãos. Por esta razão, o imperador romano mandou-o torturar mas este escapou ileso à roda de pontas cortantes que lhe deveria dilacerar o corpo. Mas S. Jorge acabou por morrer decapitado nos finais do século III.

A história mais conhecida de S. Jorge tem a ver com a morte de um dragão terrível que existia em Silene, na Líbia. Os habitantes desta cidade ofereciam-lhe duas ovelhas por dia, para acalmar a sua fúria. Um dia, porém, o dragão tornou-se mais exigente e reclamou um sacrifício humano, cuja escolha aleatória recaiu sobre a filha única do rei da Líbia. Foi então que S. Jorge apareceu e se ofereceu para lutar com o dragão, libertando a cidade daquele terrível jugo. Montando a cavalo com a sua lança, feriu o dragão e, ordenando à princesa que tirasse o seu cinto e com ele amarrasse o pescoço do dragão, trouxe-o preso para a cidade. Aí chegados matou o dragão perante todos os habitantes, depois de exigir em troca a sua conversão ao cristianismo.

Mas os habitantes de S. Jorge, perto de Aljubarrota, reclamam uma outra versão da história do dragão passada na sua terra. Era então S. Jorge um oficial romano que estava aquartelado naquela região e tinha por costume mandar os seus soldados dar de beber aos cavalos na "Fonte dos Vales", no ribeiro da mata. Mas, no momento em que os cavalos bebiam surgia da fonte um dragão que os devorava. Os soldados, com medo de serem também mortos, recusavam-se a voltar à fonte. S. Jorge dirigiu-se à fonte, deu de beber ao seu cavalo e quando o dragão surgiu, matou-o com a sua lança. Por esta razão, foi construída uma capelinha naquele local onde foi colocada a imagem de S. Jorge a cavalo, dominando o temível dragão.

A Bilha de Água - Lenda da Bilha de S. Jorge
A Batalha de Aljubarrota travou-se em 14 de Agosto de 1385 entre o exército de D. João I de Portugal e o rei de Castela, num dia de calor abrasador. A batalha tinha sido decidida pelo rei de Portugal e D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável, contra a vontade da maioria da nobreza e do exército. A principal razão era a desproporção das forças: trinta mil castelhanos contra sete mil portugueses. O auxílio esperado de Inglaterra não viria a tempo de evitar um eventual cerco à cidade de Lisboa. Era melhor morrer com honra do que a humilhação da fuga. No dia da batalha encontravam-se os exércitos frente a frente, com o sol a queimar o ar e a sede a começar a torturar os soldados portugueses. O Condestável temia mais a sede que o exército inimigo e incumbiu Antão Vasques de procurar água, uma tarefa difícil dada a secura dos regatos. Mas por S. Jorge tudo era possível! Antão Vasques em vão procurou água e já desesperado desceu do cavalo e ajoelhou-se na terra poeirenta e pediu ao seu anjo da guarda o impossível. No mesmo instante, surgiu uma camponesa com uma bilha de água que quanto mais dela se bebia mais de água se enchia como de fonte inesgotável brotasse. Uma água que saciava a sede e renovava as forças e o espírito. Os castelhanos atacaram, certos de encontrar os soldados enfraquecidos pela espera e pela sede. Mas os sete mil portugueses aguentaram firmes e para grande surpresa dos castelhanos ripostaram com tal valentia que estes retiraram em debandada nesse dia de vitória para Portugal. No lugar onde surgiu a jovem camponesa mandou o Condestável erguer a capela de S. Jorge e ainda hoje lá está uma bilha de água para dar de beber a quem passe e tenha sede. S. Jorge ficou também como padroeiro do exército protuguês.

O Lidador ou a Lenda da Porta da Traição
Numa noite sem luar, cercava o exército de D. Afonso Henriques a fortaleza de Óbidos onde os mouros resistiam já há cerca de dois meses. D. Afonso Henriques e Gonçalo Mendes da Maia, o Lidador, tinham decidido que o ataque seria realizado na madrugada do dia seguinte antes de se retirarem para as suas tendas. Dormia já o Lidador quando foi acordado por uma voz de mulher que lhe pedia para ser conduzida à tenda do rei de Portugal, pois tinha algo de importante a comunicar-lhe. A jovem vivia no castelo dos mouros mas não sabia se era moura porque nunca tinha conhecido os seus pais. Temendo uma cilada dos mouros, foi com alguma relutância que o Lidador a conduziu à presença do rei, perante o qual a jovem revelou o sonho que se repetia há três noites. Neste sonho, aparecia-lhe um homem novo de barbas castanhas e olhar doce que a incumbiu de transmitir uma mensagem para o rei de Portugal: o rei deveria reunir os soldados e liderá-los num ataque surpresa na parte fronteiriça do castelo, enquanto que o Lidador se deveria dirigir com dez homens às traseiras onde a jovem donzela abriria uma porta para os deixar passar. O homem de olhar doce prometia Óbidos aos cristãos e a salvação à jovem donzela. Apesar da hesitação do Lidador, D. Afonso Henriques já não se atrevia a duvidar dos desígnios divinos após o Milagre de Ourique. Na manhã seguinte, Óbidos foi conquistada conforme o sonho da misteriosa jovem que nunca mais foi vista. A porta que franqueou a entrada dos cristãos ficou para sempre conhecida como a Porta da Traição.

Lenda do Milagre da Nazaré
Esta lenda remonta ao ano de 1180, quando D. Sancho I liderava a reconquista do Alentejo e do Algarve e D. Fuas Roupinho, seu cavaleiro, defrontava os mouros em Porto de Mós, fazendo prisioneiros o rei Gamir e a sua filha. Tempos mais tarde, o rei mouro morreu e a jovem princesa inconsolável quis conhecer melhor o Deus dos cristãos e, sobretudo, a Mãe desse Deus. D. Fuas Roupinho levou-a a conhecer a imagem de Nossa Senhora da Nazaré que ele venerava e deixou-a perto da imagem enquanto foi caçar. Montava D. Fuas Roupinho o seu cavalo quando vê passar um vulto negro e estranho. Pensando ser um veado, perseguiu-o e o animal em desafio passa por ele uma e outra vez, o que desperta mais ainda o seu desejo de o apanhar. A perseguição torna-se feroz até que quando está prestes a apanhá-lo o cavalo pára junto a um precipício, mesmo sobre o mar. O cavalo empina-se desesperado e o veado desfaz-se em fumo. D. Fuas Roupinho clama por Nossa Senhora da Nazaré e cavalo e cavaleiro salvam-se, ficando as patas traseiras gravadas no rochedo, marca essa que ainda hoje existe. D. Fuas Roupinho corre para junto da Virgem a agradecer a protecção e promete levar a imagem para o local do milagre. Mais tarde, mandou construir a capela da Nossa Senhora da Nazaré nesse mesmo local que ficou a ser conhecido por Memória, em homenagem ao extraordinário milagre que salvou este herói português.

Lenda da Nazaré
A lenda da imagem de Nossa Senhora da Nazaré remonta a tempos antigos quando o monge grego Ciríaco fugiu com ela para Belém de Judá e a entregou a S. Jerónimo, que por sua vez a enviou a Santo Agostinho, que por sua vez a entregou ao Mosteiro de Cauliniana, a doze quilómetros de Mérida. Foi aqui que puseram à imagem o nome de Nossa Senhora da Nazaré por ter vindo da cidade Natal da Virgem. Quando os mouros derrotaram os cristãos obrigando o rei Rodrigo a fugir para Mérida, este levou consigo a imagem mas não se sentindo aí seguro fugiu de novo na companhia do abade Frei Romano que possuía uma preciosa caixa de relíquias que tinha pertencido a Santo Agostinho. Chegaram os dois fugitivos mais mortos do que vivos ao sítio da Pederneira, hoje chamado da Nazaré, na costa do Atlântico, onde decidiram separar-se. Rodrigo instalou-se no monte de S. Bartolomeu e Frei Romano no monte fronteiriço, combinando comunicarem-se por intermédio das fogueiras que acendiam à noite. Uma noite a fogueira de Frei Romano não se acendeu e Rodrigo foi encontrar o seu companheiro morto. Apavorado, foge com a imagem e a caixa de relíquias para ir morrer perto de Viseu. A imagem e a caixa de relíquias foram encontradas por uns pastores em 1179.

A Abóbada
Em 6 de Janeiro de 1401, acorria o povo ao Mosteiro de Santa Maria da Vitória, conhecido também pelo Mosteiro da Batalha, para assistir ao Auto de Celebração dos Reis que teria a presença de D. João I. O Mosteiro, que nesta altura ainda não se encontrava concluído, era da autoria do mestre Afonso Domingues, cuja idade avançada e cegueira tinham levado ao seu afastamento da grande obra. A sua conclusão tinha passado para as mãos de um irlandês, o mestre Ouguet e Afonso Domingues não se conformava com o facto de el-rei lhe ter retirado a direcção daquela obra de arte.

D. João I vinha desejoso de visitar a Casa do Capítulo do Mosteiro que mestre Ouguet tinha recentemente concluído, seguindo o traçado dos projectos de Afonso Domingues à excepção da abóbada que cobria o Capítulo. No entender do mestre irlandês, seria impossível concretizar a abóbada imaginada por Afonso Domingues por esta ser muito achatada e, sem consultar o mestre português, decidiu concluí-la de outra forma. Como D. João I tinha chegado atrasado, resolveu assistir ao Auto dos Reis na igreja, deixando a visita da Casa do Capítulo para o dia seguinte. E em boa hora o fez.

Estava no Capítulo o irlandês Ouguet, vangloriando-se da sua supremacia sobre o mestre português, quando reparou com horror nas fendas que se abriam na abóbada e que ameaçavam a sua queda. Ouguet irrompeu pela igreja como um possesso, dizendo, entre muitas frases incongruentes, que o mestre Afonso Domingues lhe tinha enfeitiçado o trabalho. Pensando que o irlandês estava possuído pelo Demónio, os frades acorreram a exorcizá-lo perante o grande espanto do Rei. Ouguet caiu desmaiado ao mesmo tempo que um tremendo estrondo anunciava a queda da abóbada da contígua Casa do Capítulo, apenas 24 horas depois de ter sido concluída. El-Rei D. João I chamou então Afonso Domingues à sua presença e nomeou-o novamente mestre das obras do mosteiro, pondo o irlandês sob as suas ordens. A construção da abóbada foi então retomada, agora seguindo o seu primitivo traçado. Chegou assim o grande dia em que foram retiradas as traves dos simples que sustentavam a abóbada. Apenas foi deixada no centro da sala uma pedra onde ficou sentado Afonso Domingues. A abóbada não caiu e o velho mestre ficou sentado naquela pedra, sem comer nem beber durante três dias, cumprindo um voto que tinha feito a Cristo. Ao fim do terceiro dia, El-Rei recebeu a triste notícia de que o grande arquitecto português tinha morrido antes de proferir as palavras "A abóbada não caiu.... a abóbada não cairá!". Da pedra sobre a qual Afonso Domingues acabou os seus dias foi esculpida uma estátua em sua memória, que foi colocada na Casa do Capítulo, honrando assim um dos maiores mestres arquitectos de todos os tempos.


A Fonte da Barroquinha
Era uma vez ... em dia já muito recuado na lonjura dos tempos, em pleno verão escaldante, o rei passava com a sua corte ali junto a Maceira.
O rei sentia os ardores da sede.
Ao passar roçando uma rocha, o poderoso rei, sem poder parara para matar a grande sede que o atormentava, gritou em desespero e tom eivado de maldição, para os seus acompanhantes:
"Maldito cavalo que não escoicinha esta rocha até fazer água a fartar."
Palavras não eram ditas e o cavalo real, como se tivesse compreendido a fala irada do seu dono, dá uma forte parelha de coices na rocha que fez estremecer céu e terra.
A escoicinhadela foi tão violenta que o rei teve de se amparar com a sua espada na rocha, no mesmo sitio onde o cavalo do rei escoiçara. Mas a espada, de fraca resistência, encontrou e furou a rocha, e, do furo aberto, jorrou água abundante e fresquinha que dessedentou o rei e toda a sua comitiva.
O povo vendo aquela fartura de água tão fresca, onde sempre tudo fora secura, começou a escavar na parte mais baixa da rocha e ali abriu uma pequena barroca, por onde começou o jorramento do precioso líquido refrescante, que nunca mais findou e ainda hoje continua correndo onde se levantou mais tarde, a chamada Fonte da Barroquinha.

A Moeda de Prata
Era uma vez ... estava-se a 14 de Outubro do ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1605. Ali para os lados de São Silvestre, da freguesia de Colmeias, vivia um velhinho, chamado Henrique Dias, com a sua filha, uma moça casadoira, que se sentia muito doente.

Volta e meia começava ela a rebolar-se no chão, com muitas dores.

Naquele dia, já o sol era nado, teve um ataque que a fez estrebuchar longamente, pois tinha, como dizia o povo, o diabo no corpo.

Alguns vizinhos, condoídos da triste sorte da rapariga, que viam tão dorida e lacrimosa, levaram-na à igreja para que Nossa Senhora da Pena lhe valesse.

Era a hora da Santa Missa e a igreja estava cheia de fiéis. A moça foi levada até próximo do altar e, olhando para a imagem de Nossa Senhora, logo teve um afrontamento e quando estava quase a desmaiar teve um vómito mais violento e expeliu, pela boca, uma moeda de prata, de vintém.

A rapariga de pronto se endireitou e, sentindo-se curada, rezou a Nossa Senhora com tanta devoção como até então nunca fizera.

A Ponte do Cavaleiro
Era uma vez ... no tempo já distante, dos princípios do cristianismo, vivia uma senhora chamada Dona Loba, que era muito rica.
Esta Dona Loba prometera ao Apóstolo São Tiago converter-se à religião de Jesus de Nazaré, então a espalhar-se por toda a Europa.

Aquele Santo, que não gostava de perder, mandou dois dos seus discípulos mais dedicados a cristianizar aquela rica senhora. Ao mesmo tempo ela escrevia uma carta a um casal muito da sua confiança e que vivia ali nas Cortes, a uma curta légua de Leiria, a pedir-lhe conselho sobre a sua conversão à Verdade de Cristo.

Estes seus amigos chamavam-se Lúcio Venónio, ele, ela Celerina, e eram romanos muito ricos e muito poderosos. Logo que os discípulos de São Tiago chegaram à fala com Dona Loba ela entregou-lhes a carta que havia escrito para Venónio e para sua mulher.

Os discípulos andaram, andaram, e alcançaram a casa de Venónio e entregaram a carta de Dona Loba. Mas Venónio, que ainda não tinha ouvido falar da doutrina de Jesus de Nazaré, não gostou do que Dona Loba dizia e mandou-os prender. Era já noite.

Mas ... quando os raios de sol começaram a dar os bons dias à terra, os Anjos libertaram os prisioneiros que logo deram às de Vila Diogo.

Venónio, ao saber da fuga dos seus prisioneiros, deu por paus e por pedras e mandou-os perseguir pelos seus homens a cavalo. Os perseguidores correram a toda a brida e foram apanhá-los junto a uma ponte que ali havia. Mas os discípulos do Apóstolo estugaram o passo para o outro lado da ponte, a salvo.

O mesmo não sucedeu aos homens de cavalo, de Venónio, que, quando chegaram ao meio da ponte esta ruiu e, catrapuz ... homens e cavalos foi tudo de roldão por água abaixo.

O povo, o bom povo das Cortes e das vizinhanças, viu neste acontecimento um castigo de Deus e converteu-se à Religião de Cristo.

Também Venónio e sua mulher Celerina se tornaram cristãos, tão bons e generosos que, no dizer do povo, ela era uma boa Santa.

Venónio, tempo depois, morreu na paz do Senhor, e sua mulher, foi para Sines onde veio a ser martirizada, por não querer abjurar a sua Fé, e tornou-se Santa muito venerada naquela terra de Sines.

E foi deste modo que começou, na região de Leiria, a cristianização dos Povos.

A Princesa Zara
Era uma vez ... nos tempos já muito distantes do Rei Afonso, que do norte vinha para o Sul, conquistando terras e mais terras que estavam na posse da moirama, chegou ele às proximidades de Leiria cuja terra conquistou também.

Aqui construiu um castelo rouqueiro, que entregou à guarda dos seus guerreiros, abalando à conquista de mais terras, a construir um Portugal maior.

Os mouros sabendo do castelo pouco guardado, voltaram e, após uma luta porfiada, venceram os guardas do castelo e tomaram-no.

Passou a ser por essa altura, seu guardião, um velho mouro que vivia com sua filha, uma linda moura de olhos esmeraldinos e louros cabelos entrançados, chamada Zara.

Um dia, já o sol se escondia no horizonte sob nuvens acobreadas, a linda moura, estava à janela do castelo voltada ao Arrabalde, a pentear os cabelos encanecidos de seu velho pai, quando viu ao longe uma coisa que lhe pareceu estranha, mesmo muito estranha.

Que viu a linda princesa castelã, de olhos verdes de esmeralda?

Viu o mato a deslocar-se de um lado para o outro e também em direcção do castelo.

Foi então que a linda princesa castelã perguntou ao seu velho pai:
"Oh! Pai, o mato anda?" Ao que o pai da linda princesa, respondeu:
"Anda, sim, minha filha, se o levam."

E o mato era levado, sim, mas pelos guerreiros cristãos do Rei Afonso, que se escondiam atrás de paveias de mato que cortaram e ajuntaram para avançarem para o castelo sem serem vistos.

E avançaram, avançaram cautelosamente, até que já próximo da porta chamada da traição, correram, passaram-na lestamente e conquistaram o castelo.

Nunca mais se soube da linda princesa de olhos verdes, nem de seu velho pai, que era o Governador, mas, a partir desse dia, Portugal ficou maior.

A Senhora da Gaiola
A entrada de exércitos invasores num país traz consigo a depradação, o latrocinar mais violento. No caso da invasão dos mouros na Lusitânia terá sido muito pior, não só pelo roubo à mão armada, como pela incompatibilidade religiosa. Daí que em algumas terras de cristãos, os habitantes se vissem forçados a esconderem nos lugares mais recônditos da sanha dos infiéis as imagens que lhes eram mais queridas.
Foi o que sucedeu, segundo reza a lenda ou a tradição, com a imagem de Nossa Senhora, ali nas Cortes, a uma curta légua a sul de Leiria.
Um dia, em mui recuados tempos, uns pastores internaram-se, com seus rebanhos, mato a dentro, na direcção do sul, sempre mais e mais dentro de densas brenhas. E heis se não quando topam com uma linda imagem da Virgem Mãe de Jesus, iriante, encastoada num tronco de árvore.
Os pastores ajoelharam reverentemente e logo construíram uma cabana de ramos de árvores e mato para a entronizarem, cabana essa que mais parecia uma gaiola.
A notícia correu célere e trouxe à pequena choça as gentes das vizinhanças e, depois, a de lugares mais distantes, que à Santa Imagem começaram a chamar a Senhora da Gaiola, como ainda hoje é conhecida, venerada e festejada e já considerada Padroeira da freguesia das Cortes.


AMOR E CEGOVIM
Era uma vez ... fazia o Senhor Rei D. Dinis e a sua Santa mulher, a Rainha Isabel, uma mais demorada pousada em Leiria, talvez para descansar dos muitos afazeres do seu alto cargo.

Um dia, o Rei passeando no seu fogoso corcel, galopou, galopou, campos fora, e, lá longe, num pequeno lugar vê uma camponesa formosa como nenhuma outra se vira ainda em muitas léguas ao derredor.

Apaixonou-se o Rei pela camponesa e ali, naquele lugar, no meio do campo florido de papoilas e malmequeres, nasceu naquele dia um grande amor.

As visitas do Rei ao seu grande amor continuaram e tornaram-se conhecidas nas redondezas, e, àquele lugar começaram a chamar Amor.

Também a Rainha soube dos novos amores do seu marido e Rei e, para lhe mostrar a sua reprovação sem o melindrar, mandou uma noite alumiar o caminho por onde o Rei, seu esposo, deveria regressar a Leiria.

D. Dinis, ao dar com as veredas, por onde voltava, com grande alumiação, de muitos fogachos, viu estar ali uma muda intenção crítica da Rainha, e exclamou:
"Até aqui cego vim!"

E o sitio onde começavam as iluminarias passou a chamar-se "Cegovim", que, por uma natural corruptela popular se chama hoje Cegodim.

Ana de Bragança
Era uma vez ... já lá vão muitos lustros, um Senhor Infante, homem bem apessoado e insinuante, fez pousada em Leiria.

Vivia, então, na cidade, uma senhora que aparentava uns trinta anos, muito linda e elegante, chamada Ana Ricardina, natural da Praça de Almeida, lá para as bandas da raia, de ascendência espanhola, segundo uns, de raiz portuguesa, segundo outros.

O Senhor Infante viu a linda Ricardina e logo se apaixonou. Amaram-se muito e muito ternamente. E, passados tempos, a Ricardina começou a perder a elegância e a mostrar os sinais da maternidade.

Ia nascer um menino, o seu unigénito.

Mas o Senhor Infante já feito Rei abalou ... e abalou para longe.

E o menino nasceu, mas o pai jamais o viu.

Ele tinha olhado para baixo; ela tinha olhado demasiado para o alto.

Compreensivo e bom pai, não os abandonou.

E a mãe e o filho passaram a viver de uma pensão que um capitão lhe mandava entregar em nome do Senhor Rei.

Mas um dia o capitão morreu e a pensão ... morreu também.

A Ricardina que já era conhecida por Ana de Bragança começou a sentir dificuldades económicas, por falta da pensão. Mas ela era mulher forte e decidida, com sua grande vontade de viver, e, no desejo de amparar o seu menino, fez-se curandeira. Passou a curar a espinhela caída como então se chamava, popularmente, ao estado de fraqueza geral. E assim foi vivendo de saudade do Senhor Rei, até que Deus a chamou a si, aos setenta e dois anos de idade, já lá vão muitos lustros, deixando o seu menino, já feito homem e com geração.

As Três Portas da Sé
Era uma vez ... em tempos já muito antigos, vivia em Leiria um senhor muito rico e muito poderoso, e muito avarento, que não sabia como guardar as suas riquezas, os seus tesouros.

E passava ele dias e dias, noites e noites, a cogitar a maneira de os ladrões lhe não roubarem os seus tesouros.

Como fazer? Como não fazer?

Até que um dia se lembrou de abrir três longos túneis e ao fim de um deles colocar o muito ouro e a muita prata e as muitas pedras preciosas que tinha e que constituíam imenso tesouro, como até então nunca se vira.

E assim fez.

Mandou abrir três túneis subterrâneos, ali, no sopé do monte onde hoje está construído o castelo, e deixou as suas riquezas ao fim de um deles.

Seguidamente mandou-os tapar com três portas de alvenaria e fez constar que em uma delas estava o seu tesouro, mas em outro estava a fome e no terceiro a peste.

Assim criou um ambiente de medo de verdadeiro terror, que evitou que os ladrões lhe fossem roubar as suas imensas riquezas.
E o homem, rico e poderoso, passou a dormir descansado. As três portas ainda hoje se vêem no muro, ao pé da Sé de Leiria, e passaram a ser conhecidas por "As três portas da Sé."

O Agulhado
Era uma vez ... já lá vão muitos centénios, ainda a igreja de Nossa Senhora da Pena, ou da Penha, era lindamente ordenada de preciosidades que a tornaram muito bela, como muito belas já eram as suas cantarias.

Entre as coisas valiosas que lá havia contava-se uma relíquia, que era um pequenino osso de São Brás, guardado em uma bolsa de rico pano. E quando algum devoto se sentia amargurado ia àquela igreja e colocava a relíquia em volta do pescoço sentindo-se, quase logo, aliviado.

Consta-se que, um dia, um pobre rapaz, engulira descuidadamente, uma agulha e se lhe atravessara na garganta, causando-lhe grande aflição, quase o sufocando.

Apressadamente o levaram diante de N. S. da Penha e lhe puseram a relíquia ao pescoço.

Teve-se este facto como um milagre de N. S. da Pena e o rapaz ficou sendo conhecido por O Agulhado.

O Bodo do Pão e do Queijo
Era uma vez ... ali no Terreiro, que depois veio a chamar-se "Terreiro do Pão e Queijo" e hoje é o Largo Cândido Reis, mas mais conhecido pela antiga denominação de "Terreiro", havia uma mulher que tinha uma venda.

Um dia, tocada pela ganância de maiores lucros e menores trabalhos, a taberneira foi-se a um poço que tinha na sua casa e dele tirou a água com que baptizou o vinho que tinha para vender aos seus fregueses, sem saber que a água era salgada.

E fez isto uma vez, e outra vez, mais algumas vezes sem que ninguém descobrisse a trapaça da vendedeira.

Mas, como diz o nosso povo: "O homem cobre e Deus descobre." Assim foi também desta vez, pois um belo dia os fregueses começaram a perceber que o vinho estava salgado, o que muito entristeceu a mulher que de pronto mandou tapar o poço.

A taberneira, que era boa mulher, deu de se arrepender da sua boa acção e fez logo testamento legando todos os seus haveres à Confraria do Espírito santo, de Leiria, com a condição de com o seu rendimento dar, todos os anos no 1º de Maio, aos pobres da cidade, um bodo de pão e queijo.

E assim se fez durante muitos e muitos anos, até que os confrades se esqueceram da obrigação que aquele legado lhes impunha, empregando tais rendimentos em despesas que não obedeciam à intenção da testadora.

Uma vez, o Bispo Dom Dinis de Melo, tomou conhecimento e ordenou, por provisão de Abril de 1632, que o pão amaçado e o queijo comprado se dividisse em três quinhões e se distribuíssem, um para os pobres, outro para os pobres envergonhados e o terceiro para os pobres que ocorressem à casa onde era hábito dar o bodo.

Aquela provisão bispal foi confirmada por outra de D. Pedro Barbosa, também Bispo da Diocese de Leiria, datada de Abril de 1637.

Depois da morte da vendedeira, o dono da casa, Manuel de Campos, mandou atulhar o poço.

No último quartel do século passado, a Rua do Pão e Queijo, onde estava situada a venda e até onde chegava o Terreiro em tempos passados, mudou o nome, assim se esquecendo uma designação que era secular e criada pelo poço.

O Corvo da Tomada de Leiria
Era uma vez ... nos tempos do primeiro rei de Portugal, as hostes do Rei Afonso, vieram , em estugada marcha, do norte ao sul, com desejo de conquistar o Castelo de Leiria que aquele Rei havia edificado, anos antes, e os mouros tinham tomado depois da grande matança da gente portuguesa.

Ao chegar às proximidades de Leiria, que então ainda não era cidade, o Rei dispôs os seus guerreiros a norte do castelo, num montículo, hoje conhecido como Cabeço de El-Rei, donde ia partir para o assalto por aquele lado menos difícil para a tomada da fortaleza.

Devia ser uma alvorada sem brumas a prenunciar um dia de sol claro a refulgir nas pontas das lanças e nas espadas dos soldados portugueses.

Quando todas as tropas estavam já prontas para a arrancada pousou um corvo, no alto de um pinheiro, que começou a agitar as asas com frenesim e a crocitar com alegria. Tal facto muito contentou as tropas do Rei Afonso e mais os entusiasmou por verem nele um sinal de bom agoiro para a empresa que iam cometer: a conquista do Castelo de Leiria. Este acontecimento é hoje memorado no brasão da cidade de Leiria, que mostra um corvo em cima dos dois pinheiros que ladeiam a sua torre central.

O Milagre das Rosas
Era uma vez ... vivia o Rei D. Dinis com a Rainha Santa Isabel, no Castelo de Leiria.

A Rainha tinha mandado fazer a igreja de Nossa Senhora da Penha, lá no Castelo, onde moravam, na qual trabalhavam muitos alvanéis.
Santa Isabel, que era muito caridosa e dava muitas esmolas aos pobres, o que às vezes contrariava o Rei, que era bom administrador do reino e da sua fazenda, tanto mais que as esmolas da sua mulher eram grandes e repetitivas.
Um dia, levava a Rainha, numa abada do seu manto, grande quantidade de pães para distribuir pelos mais pobres, quando lhe apareceu, de surpresa, seu marido e Rei, que conhecendo demasiado bem o espírito de bem–fazer da Rainha e calculando o que ela levava na aba do seu manto, lhe perguntou:
"Que levais aí, Senhora?"

Ao que a Rainha Santa lhe responde:
"Rosas, Senhor!"

E a Santa Rainha abrindo o manto em que levava os pães destinados aos pobres, deixou-os cair já transformadas em lindas rosas, frescas e viçosas.

O Rei seguiu seu caminho, sorrindo contente e a Rainha ficou mais contente ainda.
O PAJEM INVEJOSO
Era uma vez ... estavam D. Dinis e sua mulher, a Rainha Santa Isabel, a estanciar em Monte Real, o que faziam sempre que era possível.

Certo dia, foi o Rei galopar, campos fora, levando consigo um pagem que tinha inveja de um outro pajem que era muito valoroso e estimado.

Num abrandamento da corrida que fizeram o moço fidalgo invejoso disse ao rei que o outro pajem estava apaixonado pela Rainha.

O Rei Lavrador acreditou na palavra do seu acompanhante e vendo, donde estavam, um forno de cozer cal a arder com enormes labaredas, imediatamente combinou com o forneiro de que, no dia seguinte, um pajem o iria procurar e lhe diria que ia para cumprir as ordens do seu Rei e Senhor.

Logo que tais palavras dissesse o deitasse ao forno, pois que assim convinha ao seu serviço.

Mas ... como o nosso bom povo diz: "o homem põe e Deus dispõe."

O Rei mandou o pajem, vítima inocente da intriga do colega invejoso, ir ter com o forneiro.

Este pajem, porém, que além, de destemido e considerado, era um homem justo e temente a Deus, ao passar por uma capelinha onde se dizia missa entrou e cumpriu os preceitos de bom religioso. E ali se demorou um bom pedaço.

O pajem invejoso, ansiando por saber se as ordens do Rei já estavam cumpridas tão fielmente como haviam sido dadas, não teve mão na sua maldade e meteu a galope em direcção ao forno para saber se as ordens do Rei seu Senhor, estavam cumpridas.

Palavras não eram ditas e o forneiro e os seus ajudantes agarraram no pajem invejoso e ... forno com ele.

E assim morreu queimado um invejoso e intriguista.
OS OLHOS DE ÁGUA DA CARANGUEJEIRA
Era uma vez ... andava um lavrador agarrado à rabiça do seu arado lavrando a terra que lhe havia de dar o pão. Ele era um bom homem, trabalhador , honrado e muito temente a Deus. Dia de sol tórrido que tudo abrasava e secava a língua das gentes e dos animais.

Os bois, puxando o arado numa andadura pachorrenta, estavam sedentos pois a lavra já se prolongava por várias horas. Para os dessedentar o lavrador, sequioso também, levou os bois a um charco que lá havia perto e já com pouca água, por a nascente haver secado.

Tanta era a sede e a pressa de a mitigar que o lavrador não desaparelhou o gado, e os bois na impaciência da sua secura, avançaram mais e mais, pelo charco até que, às tantas, perdendo o pé, começaram a desaparecer nas areias movediças.

O bom lavrador, impotente na sua infelicidade, nada podendo fazer para valer aos seus bois, que eram a sua riqueza, implorou a graça divina.

Mas tudo foi em vão. Os bois e o arado desapareceram sem deixar rasto.

Mais empobrecido de bens, mas mais rico de coragem, o lavrador empunha a enxada e com ela revolve a terra que já não pode arar.

Porém, alguns dias depois, não muitos, com estrema surpresa do lavrador, os bois, ainda aparelhados no seu arado, emergem de um outro charco, também de pouca água e não muito distante daquele.

Na sua passagem pelo interior da terra os bois desentupiram as nascentes dos dois charcos que, a partir daí, se transformaram em "Dois Olhos de Água".

O povo da terra deu a um o nome de "Olho do Vale Sobreiro" e ao outro "Olho da Fonte". E os charcos nunca mais secaram.


PASTORINHA DO ARRABAL
Era uma vez ... em tempos muito antigos, estava uma menina a pastorear o seu rebanho de algumas cabras.
Era um dia de canícula pesada, um daqueles dias em que a própria camisa é roupa demais para se trazer vestida.
E a menina pastora tinha sede. Tinha muita sede e, como não tinha ali água para se dessedentar, nem havia fonte próxima, a pequenina pastora chorava.
Chorava com sede e ninguém lhe acudia.
Eis se não quando uma fada muito branca, envolta em uma nuvem ainda mais branca, se aproximou da pastorinha que chorava e lhe perguntou:
"Que tens tu, pastorinha, para chorares tanto?"
"Choro porque tenho sede, muita sede, e aqui não há água para beber."
"E porque não vais a tua casa beber água?"
"Não vou a minha casa beber água porque o meu pai bate-me, como já me tem batido de outras vezes por eu ir a casa. Ele não quer que eu deixe o gado sozinho."
"Então vai a casa – lhe diz a fada – e leva as cabrinhas à tua frente. Lá bebes água e voltas ao pascigo."
"O meu pai só quer que eu saia com o gado de manhãzinha, que traga a merenda e que regresse pouco antes do lusco–fusco. E, se assim não fizer, o meu pai bate-me."
"Então, olha! Lhe disse a fada. Levanta aquela pedra, que ali está, e lá encontrarás água para beber."

A pastorinha que tinha muita sede e que chorava por não ter água para beber, foi levantar a pedra, como lhe tinha mandado a boa fada, e lá encontrou água muito fresca, pura e cristalina, que a menina pastora bebeu, até ficar saciada. E a pastorinha deixou de chorar, e, já sorridente, olhou, com alegria, as suas cabrinhas a pastar sob o sol tórrido daquele dia de Verão.

E voltando o seu olhar agradecido para a boa fada que lhe matara a sede, já não a viu. Nunca mais a viu, mas também nunca mais a esqueceu.

SANTA IRIA
Era uma vez ... ali para os lados da Torre havia um lugar chamado de Magueixa.

Lá viviam Emírgio e a sua mulher Eugénia Magueixa, assim apelidada por ter nascido naquele pequeno lugar.

Como eram muito trabalhadores e económicos, juntaram uns dinheiros e construíram uma casa a que o povo passou a chamar a Torre da Magueixa, em lembrança do nome da mulher do Emírgio.

Tempos depois nasceu naquela casa uma menina a quem seus pais puseram o nome de Iria.

Passaram os anos da infância de Iria. E, um dia, os pais mandaram-na para um recolhimento de uma terra chamada Nabância – é hoje a cidade de Tomar – onde viviam duas tias de Iria, irmãs do pai Emírgio, que se chamavam Casta e Júlia.

Em Nabância também vivia um outro parente de Iria, que era abade dos religiosos de S. Bento e que recomendou Iria a um santo monge chamado Remígio.

Iria mostrara sempre uma profunda Fé, uma devoção total, e, por isso, muito bondosa e caridosa, começou a tornar-se notada pelos seus sentimentos cristãos.

Tão profundamente sentia a Verdade pregada por Cristo que procurava a clausura para melhor se sentir junto de Deus, e só saía no dia de S. Pedro para ir rezar na Igreja deste Apóstolo.

Por aquele tempo vivia em Nabância um jovem chamado Bristaldo, filho do Governador, que ao ver na Igreja de S. Pedro a Iria, muito linda, muito formosa, se apaixonou por ela.

A paixão de Britaldo foi tão forte que adoeceu gravemente.

Iria, por inspiração divina, soube da doença do rapaz e da razão que a provocara e, por caridade, foi visitá-lo, desenganando-o dos seus desejos de se casar com ela. Então Britaldo pediu a Iria que nunca casasse nem amasse a outro rapaz, o que Iria prometeu imediatamente. Com esta promessa tão prontamente feita, o filho do Governador sentiu-se logo melhor.

Mas ... o bom Monge Remígio, a cujos cuidados Iria havido sido entregue, começou a sentir-se apaixonado pela linda Iria e a tentá-la.

Iria não aceitou as tentações do Monge Remígio, o que levou este a tramar uma vingança contra a doce e inocente Iria. E a vingança consumou-se.

O monge, que tinha muito de sábio, preparou uma beberagem com ervas, que conhecia, e que provocou a inchação do ventre, dando a aparência de uma falta.

Iria bebeu a tisana de boa fé. E o ventre de Iria começou a inchar, e quanto mais os dias corriam mais ele se avolumava e mais a sua fama de Santa desaparecia.

Todas passaram a duvidar da pureza e da virtude de Iria. Britaldo, o jovem filho do Governador, ao saber o que constava e julgando que Iria faltara à sua promessa, jurou vingar-se e ordenou a um dos seus familiares que a fosse matar.

E o familiar matou Iria, no dia 20 de Outubro de 653, degolando-a, quando Iria, sempre pura e inocente, estava ajoelhada e de mãos postas a rezar, à beira do rio Nabão, que passava junto ao Convento onde estava Iria. E o corpo foi rio abaixo.

No mesmo momento Célio, também tio de Iria, por revelação de Deus, sentiu a trama de Remígio e conheceu o sítio onde estava o corpo de Iria. E tudo revelou ao povo que, cheio de dó e reconhecendo a inocência e a pureza de Iria, deu graças a Deus e foi buscar, em solene procissão, à baixa de Santarém chamada ribeira, o corpo de Iria.

Ali chegados deu-se o grande milagre de se abrirem as águas do Tejo, na margem, até onde estava o corpo imaculado da Santa, sobre um túmulo feito pelas mãos diáfanas dos Anjos.

Era o desejo de seus conterrâneos levar o corpo de Santa Iria, mas ninguém o pôde fazer. Ninguém o movia. Apenas lhe levaram, para recordação, alguns cabelos e pedaços do pano da camisa que milagrosamente serviram para tratamento de cegos e aleijados no Convento de Santa Iria.

Muitos milagres, segundo dizem, se devem a esta Santa, que séculos mais tarde, teve a visita de outra Santa, a Rainha Santa Isabel.

E na Torre, na terra que a viu nascer, ainda hoje existe uma capela da invocação de Santa Iria que, segundo a tradição oral, foi construída no mesmo sitio onde esteve edificada a casa onde Ela nasceu.

SENHORA DO MONTE
A uma comprida légua de Leiria, acima das Cortes, e no alto de um monte que se prolonga para maiores alturas, há uma Ermida onde se venera uma imagem de Nossa Senhora, com a invocação de "Senhora do Monte" que fez esquecer a de "Mercês" com que algumas vezes a designaram. Esta Santa Imagem é de pedra, bem trabalhada, e teve a sua origem num voto de aflição, que a tradição oral e escrita trouxe até hoje e nós vamos contar:
Era uma vez... ia Diogo Gil no alto mar. Não diz a lenda se era marinheiro ou comerciante, capitão, piloto ou embreador, quando nas costas portuguesas se levantou temerosa tempestade, com alterosas ondas que varriam o barco de proa à ré, de bombordo a estibordo. A aflição generalizou-se e Diogo Gil, que via terminados os seus dias naquele momento, fez um ferveroso voto a Nossa Senhora de Lhe construir uma Ermida num alto monte que dali se avistava se a borrasca amainasse.
E, logo após a promessa feita, à tempestade sucedeu a bonança. E Diogo Gil, fiel á sua promessa, logo se voltou para terra e avistando os altos montes que coroam a povoação das Cortes, disse: "Será ali".
Regressando à terra, na cidade de Lisboa, Diogo Gil foi procurar o sítio que do mar avistara e onde devia construir a ermida dedicada à Rainha dos Céus. E andou, andou, até que chegou às Cortes. E ali subiu, subiu, passou a Abadia, e continuou a subir...
Até que, lá ao longe, se via o mar, aquele mar que ia encurtando a vida de Diogo Gil. O peregrino, olhando o mar, lembrou-se do mau bocado que passara lá longe, nas brumas da distância. E, ali mesmo, Diogo Gil ajoelhou, orou, e depois mandou edificar a Capelinha que prometera à mãe de Jesus.
Colocada a Imagem no altar, grande festa Lhe fez Diogo Gil, festa que todos os anos se repetia e que ainda hoje se repete no dia da Senhora do Monte. Não se sabe quando se edificou a ermida, mas sabe-se que já tem vários séculos.                                                                                                                                                                                                                                                              Fonte:Lendas de portugal