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  • Mancha Branca
    Iniciado por Dougas
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Este texto foi escrito por mim. Estou a pensar escrever uma colectânea de contos e publicá-los num só livro. Sejam sinceros na vossa opinião.


Mancha Branca
Rodrigo, um típico rapaz português que vivia no norte de Portugal, em Viana do Castelo, acabara de terminar os estudos, com grande êxito. Ia agora mudar-se para a capital, pois uma proposta de trabalho irrecusável lhe tinha chegado ao correio.
Durante o Verão, fez as malas e despediu-se dos pais, que bastante choraram e o abraçaram, desejando-lhe o melhor para a vida e pedindo-lhe que o visitassem logo que pudesse. Rodrigo prometeu-lhes que os visitaria o mais rápido possível e lá partiu para Lisboa.
Rodrigo havia alugado um apartamento no centro de Lisboa, meses antes, pois gostava de fazer tudo com alguma antecedência e foi aí que se estabeleceu. O prédio era alto e estreito, velho e um pouco desgastado. Possuía cinco andares e cada um deles tinha dois apartamentos. O prédio não tinha elevadores, apenas escadas de madeira e a iluminação era fraca. Rodrigo não gostou muito do aspeto do prédio, mas achou que pelo preço valia a pena. Também, só iria ficar lá por algum tempo, porque logo que tivesse dinheiro compraria uma vivenda moderna e espaçosa, com um grande jardim.
O apartamento de Rodrigo era pequeno e as paredes estavam sujas e mal pintadas. Tinha uma sala com um sofá e uma televisão antiga, uma casa de banho, um quarto com uma cama de solteiro e uma minúscula cozinha, com basicamente um frigorífico e um fogão. Ficava no último andar à direita.
As primeiras noites de Rodrigo no apartamento não foram agradáveis. Rodrigo chegava tarde a casa, muito cansado, pois o seu emprego como médico num hospital de Lisboa ocupava grande parte do seu tempo. Logo que entrava no apartamento, atirava-se para o sofá e via televisão. Não podia dormitar na cama, porque cedo descobriu que estava estragada e esburacada. Dormia em média duas horas por dia, pois passava quase toda a noite a ouvir estranhos cânticos vindos do outro lado do quinto andar, mas acabou por habituar-se e entretanto surgiu um grande fascínio por esses cânticos, que ocorriam entre as 22:00 e as 05:00. Agora, Rodrigo já não dormia por não conseguir, Rodrigo não dormia por fascínio, fascínio por aquela bela e fina voz que cantava durante o escurecer. Aquelas melodias bizarras faziam os ouvidos de Rodrigo estremecer. A televisão já nem era ligada, pois os cânticos eram o verdadeiro entretenimento, o verdadeiro espetáculo noturno.
Um dia, ao chegar a casa, por volta das 23 horas, Rodrigo ouviu mais uma vez os cânticos vindos do apartamento vizinho e ficou estático. Uma das mãos tencionava rodar a maçaneta de ferro do seu apartamento, mas a outra arrastava-o em para aquela tremenda voz. Então, Rodrigo começou a deslocar-se, em passos largos mas lentos, em direção à porta de madeira de sua vizinha. No chão, um tapete macio apresentava a frase "Fatale Cântec" em letras grossas e vermelhas.
-Que língua será esta? O que quererá isto dizer? – Questionou-se Rodrigo, enquanto observava calmamente o tapete e ao mesmo tempo ouvia as melodias.
Subitamente, Rodrigo sentiu um impulso e colocou o seu olho direito na fechadura, por baixo da maçaneta e observou o interior do apartamento. Era bastante semelhante ao seu e revestido em vermelho forte, mas o que mais lhe chamou à atenção foi a bonita rapariga que dançava e cantava as tais melodias que tanto o fascinavam. Rodrigo não a conseguia observar muito bem, mas percebeu que ela possuía cabelo comprido e loiro e envergava uma saia azul clara.
Nesse momento, Rodrigo ouviu uns passos vindos das escadas atrás de si e imediatamente retirou o olho da fechadura, fingindo estar-se encaminhando para o seu apartamento.
-Boa noite! – Atirou uma voz grossa e rude.
Rodrigo virou-se e observou um senhor pesado e careca, de olhos escuros e barba por fazer. Vestia um casaco castanho e umas botas negras e altas, que quase lhe chegavam aos joelhos. Trazia consigo uma mala de ferramentas.
-Olá, boa noite. – Respondeu Rodrigo, um pouco tremelicante – o que faz por aqui?
-Vim arranjar este degrau das escadas. – Disse o homem, enquanto apontava para o último degrau das escadas, que estava partido.
-Ah, sim! Esse degrau tem causado muitos problemas – disse Rodrigo, rindo baixinho.
O homem não respondeu e debruçou-se sobre o degrau, abrindo a mala de ferramentas.
-Então, já tinha vindo a este prédio alguma vez? – Perguntou Rodrigo, encostando-se à áspera parede.
-Sim, muitas vezes. Desculpe que lhe diga, mas este prédio está a cair aos bocados. – Respondeu o homem, gargalhando de forma alta e retirando um cigarro de marca "Marlboro" do bolso das apertadas calças de ganga.
Rodrigou sorriu e perguntou, sussurrando:
-Vivo neste apartamento aqui do lado. A minha vizinha do lado passa grande parte da noite a cantar. Ela tem uma excelente voz. Sabe quem é ela?
O homem parou de martelar e olhou fixamente para Rodrigo durante alguns segundos. Rodrigou sentiu-se nervoso. O homem levantou-se a aproximou-se de Rodrigo.
-Ninguém sabe quem ela é. Nunca ninguém a viu sair de casa e há quem diga que seja o mal em pessoa. Muitas pessoas já viveram nesse teu apartamento. Algumas delas desapareceram durante a noite, misteriosamente. O último morador, após um mês, queria-se ver livre desta casa e tentou aluga-la ou vendê-la o mais rapidamente possível. Parece que conseguiu. – Murmurou o homem ao ouvido de Rodrigo. – Ouve estes cânticos? Ela canta-os noutra língua. São os cânticos do diabo.
O homem tremia enquanto falava e Rodrigo ouvia-o atentamente, de olhos muito abertos e algo assustado. Quando acabou o seu discurso, o homem largou as ferramentas, que caíram pelas escadas e desatou a correr, benzendo-se e berrando palavras estranhas.
Rodrigo, muito confuso, virou as costas e foi para o seu apartamento. Nessa noite, não dormiu nem uma hora, pois ficou a pensar em tudo aquilo que se passou, com os cânticos como música de fundo. Nas duas noites seguintes foi semelhante. Rodrigo tinha diversos pesadelos com a mulher loira e acordava todo suado e cheio de sede. As suas prestações no trabalho também estavam a piorar e o seu patrão concedeu-lhe uma semana de folga, "para ver se descansava a cabeça".
Rodrigo aproveitou essa semana para descansar e entretanto esqueceu tudo aquilo que se passou. Sempre que chegava a casa, antes de entrar no apartamento, olhava pela fechadura da mulher e observava-a durante alguns minutos, ouvindo atenciosamente as suas palavras e gestos de dança magníficos. O seu vestido era sempre o mesmo, o tal azul claro, como o mar num dia tranquilo. "Como poderia ela ser considerada o mal em pessoa?" – Questionava-se Rodrigo, sempre que a observava. A rapariga era um autêntico anjo para ele. Observá-la sempre que chegava a casa era quase como um ritual para Rodrigo, dava-lhe esperança para a vida, mostrava-lhe um caminho, o caminho.
Um dia, Rodrigo notou algo estranho na mulher, quando esta estava mais perto da porta. Pareceu-lhe notar que os seus olhos eram brancos, totalmente brancos. Isto causou algum desassossego em Rodrigo.
-Devo estar apenas a imaginar coisas... - pensou Rodrigo, acalmando o seu nervosismo. – Como poderia ela ter olhos brancos? Provavelmente estou só cansado.
Ao afastar-se da porta, Rodrigo, sem intenção, arrastou o tapete consigo. Para seu espanto, estava um papel com um poema escrito noutra língua por debaixo.
Rodrigo debruçou-se e agarrou no papel, dirigindo-se rapidamente para o seu apartamento. Abriu a porta do apartamento, mas depois voltou atrás e endireitou o tapete, para não deixar vestígios. Entrou em casa, fechou tranquilamente a porta e sentou-se no sofá.
Os olhos de Rodrigo rolavam pela folha, devorando cada letra daquela língua distinta. Lendo aquelas frases, pareceu-lhe ser a melodia que a senhora cantava (era sempre a mesma). Rodrigo acabou por adormecer. A folha soltou-se das suas mãos e planou no chão.
O texto era o seguinte:
"Fata care danseaza
Casa pe stanga
Cincilea etaj
Ochii sunt de culoare albă
Parul este blond
Voce este uimitor
Fatale capcana"
O fascínio de Rodrigo pela misteriosa mulher era cada vez maior. Rodrigo já nem atendia os telefonemas dos pais, faltava todos os dias ao trabalho e tornava-se cada vez mais solitário em relação ao mundo. A sua cabeça estava ligada àquela voz. Aquilo era a sua vida. Se um dia aquela voz se calasse, Rodrigo tombava.
Certa noite, Rodrigo, mais uma vez, olhou pela fechadura. Subitamente, a sua face tornou-se pálida e gélida, as suas mãos começaram a tremer furiosamente. Rodrigo recuou para trás e caiu no chão. Levantou-se e correu para o seu apartamento, trancando-se lá dentro. Deixou o seu corpo deslizar pela porta e aí ficou, sentado no chão frio, que para ele, naquele momento, parecia mais quente do que uma panela a ferver. Ele percebeu que o homem tinha razão em tudo o que disse. Rodrigo queria fugir do apartamento, mas a coragem para abrir a porta era mínima. Ele sabia que quando rodasse a maçaneta, tudo iria acabar.
Desta vez, Rodrigo não observou o interior de um apartamento, nem uma linda mulher a dançar e a cantar, apenas uma mancha branca, uma grande mancha branca...
"Uma descoberta é ver o que toda a gente viu e pensar o que ninguém pensou..."