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  • Doce recordação do Guru Dominguinhos
    Iniciado por TEOCIDA
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DOCE RECORDAÇÃO DO GURU DOMINGUINHOS


Pinturas rupestres no Antigo Egito já retratavam homens urinando sobre formigas. Mas teria sido o médico, Areteu de Capadócia (torrão de São Jorge, o Oxossi ou Ogum da umbanda), no sec. II d.C, quem primeiro realizara um estudo acerca do diabetes (do latim, passar através de, e em grego quer dizer sifão); foi o termo que ele criou para designar o estado de glicosúria ou de presença de açúcar na urina. Mais tarde, descobriu-se que esse mal se manifesta quando o pâncreas perde a capacidade de produzir o hormônio, insulina, o qual é responsável pela "queima" dos açúcares e carboidratos consumidos no dia-a-dia. A palavra insulina vem também do latim, insula (ilha); isto porque a glândula que o secreta (o pâncreas) apresenta a forma duma ilha e mais o sufixo, ina, que encerra hormônio ou enzima. Atualmente, em muitas nações, a moléstia já é considerada uma epidemia, inclusive, entre  jovens e adolescentes.
Durante algum tempo, empiricamente, tentei buscar uma resposta alternativa a esta questão. Talvez porque tivesse a sorte de descender duma família, na qual, o diabetes campeia – sendo relevantes as probabilidades de eu vir a desenvolvê-lo futuramente – daí por que o meu interesse em arrancar alguma fórmula "miraculosa" capaz de detê-la ou de tornar o ser humano imune à enfermidade.
Rumei ao nordeste de Pinheiro, à cerca de 150km, próximo ao litoral; onde se situa o recém-emancipado município de Serrano. Habitat de uma gente simplória, honesta e de fisionomia carregada de genótipos afros. Por isso mesmo, o sincretismo religioso lá é tão presente. Vestígios do regime escravocrático ainda são notados nos cultos, nas crendices, nos hábitos e na submissão daquele povo bom.
E era, justamente ali, que repousava a tenda terrena do vidente Domingos Avelar, o popular Dominguinhos, ou por que não dizer: o cosmopolita Dominguinhos, já que a sua fama transpôs fronteiras. Hoje, desencarnado, decerto, ele assoma na hierarquia do Eliseu, onde dorme o seu sono eterno. Outrossim, conforta saber que, durante o seu estágio terráqueo, consulentes migravam de diversos rincões da terra e de todas as Unidades da Federação em busca de lenitivo físico-espiritual. Circundado por babaçuais e um lago pantanoso, o altar de Dominguinhos era um receptor perfeito às emanações de Meramael (espírito que, segundo os caldeus, detinha a química de todas as terapias). Para muitos, ali morava um bruxo; para mim, uma criatura superior, um ser iluminado. Posso assegurar, pois, fui um pesquisador discreto dos seus prodígios. Assisti a ele diagnosticar doenças sem instrumentos laboratoriais, acompanhei-o em várias curas de pessoas desenganadas pelos doutores medicastros. Gozei de sua intimidade por um certo período. Fui e sempre serei seu confidente; até para que  eu honre o tratamento de filho que a mim deferia. Ele costumava  advertir-me: "Meu filho, quando você vir (a 3ª pessoa do verbo "ver",  no futuro do subjuntivo, assume a forma VIR) pajé prometer, gabar-se ou exigir dinheiro, pode fugir dele que você está diante de um charlatão."
Nós nos entrevistamos por oito ocasiões. Numa das vezes, testemunhei-o demover a idéia fixa da cabeça de uma mulher. Ela, auto-sugestionada, cismava que estava enfeitiçada. Dominguinhos, então, do alto de sua sapiência, revelou-lhe: "Dona, seu problema é pedra nos rins e diabetes; você não terá mais nem dois meses de vida!" E o que é pior: a profecia se consumou dias antes do prazo previsto, a mulher pereceu!
No tocante à doença abordada, consegui extrair de Dominguinhos alguns conhecimentos transmitido pela memória oral. Disse-me ele, que, na maioria dos casos, o mal é hereditário. Mas que o excesso de "doçura", obesidade e álcool podem potencializar o seu surgimento. Falou-me de uma suspeita muito antiga, ora, confirmada por alguns estudiosos. Alertavam os mais velhos: "Quem acaba de comer e vai dormir, é 'doidinho' para ficar com mijo doce!" Recentes pesquisas recomendam que após as refeições devemos permanecer em movimento, a fim de que nossos organismos sejam estimulados a produzir os hormônios e enzimas indispensáveis à digestão: insulina, tripsina, pepsina etc...
Para o vidente, havia dois tipos de diabetes reversíveis: o da mulher grávida que cessa após o parto, e quando o mal é causado por "pobrema de croa". No curandeirismo, "pobrema de croa", entende-se: de cabeça, piegas, psicológico, neurogênico etc. O mestre adiantou-me ainda mais que, quando a doença é oriunda da cabeça, ela pode ser insossa ou doce.
Em São Paulo, acompanhado de um cunhado meu diabético, tive a felicidade de defrontar-me com um endocrinologista e um neurologista simultaneamente. Recobrando os meus conhecimentos empíricos, sabatinei a ambos, e eles me falaram de um tal pseudodiabetes. Quando neurogênico e doce, vem do mau funcionamento da glândula hipófise ou pituitária, que inibe o pâncreas de produzir a insulina. Se a urina é insípida, trata-se duma disfunção na mesma glândula ao segregar o hormônio ADH. Dependendo do teor deste hormônio lançado ao sangue, os néfrons (filtros renais) vão-se dilatar ou se contrair. Cumpre notar que, em ambas as situações, a urinação intensa (poliúria) constitui-se um sintoma comum. É claro: diante de uma patologia tão complexa, cada profissional aproveita para impingir o seu "achismo", enquanto não se tem um trabalho conclusivo para invalidar tais conjecturas.
Perguntei, ademais, ao Dominguinhos, quanto à simpatia que consiste de o diabético urinar sobre uma telha quente para livrar-se da doença. Ele me respondeu: "Isso é buzão!"(SIC), falácia, superstição (grafo meu).
Por ter sido um curandeiro dotado de talentos extraordinários, Dominguinhos alimentou em torno de si alguns mitos. A população local, crendeira, baseada em interpretações fideístas, atribuía-lhe dotes de adivinhação, telepata, que ele se deslocava no espaço-tempo (aporte). Que dominava o fenômeno de autoprojeção e projeção, incorporando-se numa dada pessoa para dialogar com outra terceira. Quaisquer que fossem os seus dons, o certo é que o guru Dominguinhos deixou uma panacéia que deveria ser investigada pela alopatia; se é que seus ensalmos e receituários foram legados a alguém. Quem sabe, a medicina tradicional teria mais munição para enfrentar as pestes, dentre as quais, o diabetes?

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