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  • Mais um excerto do tal livro já aqui mencionado
    Iniciado por Templa
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""""A minha vida estava destinada a iniciar-se sempre ao domingo. Foi num domingo de Outubro à tarde que uma Helena, politicamente em branco, de kilt e casaco de azul-escuro, o pai e a mãe,  na Pensão Alegria, entregaram à Dona Beatriz.  Os dois não foram pobres em recomendações. Era para utilizar rédea curta com a filha caloira. E ela comprometeu-se a isso, dizendo-lhes:
− Aqui, todas as meninas são tratadas como se fossem minhas filhas. Fiquem tranquilos − sossegou-os. Em dezassete anos os meus pais  nunca se tinham separado de mim e não admira que estivessem a tratar-me como se eu fosse uma cesta de ovos susceptíveis de partirem ao primeiro encontrão.
Depois, enquanto a hora do jantar não chegava, a minha recente preceptora entrosava-me nos hábitos da casa, ao mesmo tempo que a ia mostrando e tentava diluir a minha timidez de provinciana.
Conduzida a seguir ao meu quarto, vi que se situava nas traseiras do prédio. Era contíguo a uma varanda onde se lavava e punha roupa a secar, além de dar para um muro alto e intransponível. A vizinhança era aparentemente recatada. Contudo, mal me inteirei de  como poderia usufruir daquele espaço, ao debruçar-me no parapeito, vi aquilo que, tempos depois, soube tratar-se de um preservativo.
O pequeno plástico balouçava-se ao vento pendurado no arame de uma varanda contígua,  onde a dona, com uma mola, o submetera à ondulação da brisa,  e onde ele competia com as cuecas e soutiens das raparigas na nossa varanda. A vizinha cabeleireira, alheia ao riso mordaz dos vizinhos, dizia que a vida estava muito cara e que se os saquinhos não estivessem rotos poderiam muito bem ser lavados e utilizados vezes  sucessivas.
Soube depois que a senhora fora  uma prostituta resgatada à rua por um homem bondoso e que, além de virtuosa, também não tinha complexos com o sexo.
A prática prolongou-se até o tempo se encarregar de tornar improdutivo o terreno em que os  pobres preservativos,  assim higienizados,  andavam às turras nos jogos de cabra cega do dono.
Hoje, apesar de o homem já ter morrido, eu e a Bárbara, ao lembrarmos as peripécias da casa da avó, os pobres plásticos levam-nos às lágrimas.
− Ó Lena! Aquilo é que era economia! E era porque não os podia coser como às peúgas!...
− Também não deviam ter assim um tamanho onde coubesse um ovo de madeira!...
− Será que os lavava na bacia onde ensaboava as cabeças das clientes?!...
− Sei lá!...O que é certo é que a mulher nunca teve filhos!...
− Olha, Lena, a sorte protege os audazes!...
− E os estúpidos. Será que a criatura nunca percebeu que o buraquinho podia ser a morte da artista?
− Se calhar, um dos dois era estéril e a compra das saquetas era um gasto desnecessário. Santa ignorância!
− Aquilo devia ser para poupar ao marido as viagens a Espanha. Era de lá que os trazia, juntamente com os chocolates e os caramelos nas viagens de fim-de-semana e quando os portugueses ainda tinham dinheiro para lá irem às compras.
Risos e mais risos é o que sucessivos comentários sobre o assunto nos provocam mesmo agora, numa caricatura das memórias de outrora. """

Templa
Templa - Membro nº 708