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  • Peter Pan, Monólogo décimo sétimo
    Iniciado por cody sweets
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"Vou ensinar-te a voar, menina Wendy. Vem, fecha os olhos, estende os braços, respira muito fundo pelo nariz, saltar para o norte, procura a tua estrela...vem. Serei o teu irmão voador, o teu antipai; vamos partir juntos como globos errantes, como meteoritos ascendentes e preguiçosos, com o vento do a alto a despentear-nos meigamente como se fosse a mão brusca e mansa que o herói, de cima do seu cavalo, poisa na cabeça da criança que o admira ao passar.
Vamos subir Wendy; não há nada como voar! E riremos, riremos, porque o riso é o combustível do nosso voo, a propulsão que vence a gravidade do impossível. Para voar, temos deixar de ser graves e de rir...Queres saber onde iremos? Já deves imaginar, mas como gostas de o ouvir outra vez, vou repetir-to: para a Terra do Nunca. Para lá se chegar, não é preciso viajar muito, embora a distância que dela nos separa seja intransponível para a maioria.
Para chegar à Terra do Nunca, não precisamos de nos transportar, mas de nos transformar, e isso é coisa que as agências de viagens não resolvem. Ou talvez seja melhor dizer: não nos transformamos, mas resistirmos à vertigem das transformações que nos aproximam da velhice, da respeitabilidade responsável e da morte? Temos de nos transformar no imutável, Wendy, temos de nos converter sem parar em permanentes: para sermos eternos, temos de ser como crianças. Poder-se-á ser como uma criança, sem se ser uma criança? É este o único problema verdadeiro. Porque, visto com atenção, a criança é a negação mais flagrante da imutabilidade e do permanente: ao pé das suas modificações constantes - dia-a-dia, minuto a minuto -, a petrificação estável e conservadora do verlho é um monumento de granito. Quanto mais crescemos, menos mudamos, ao que me dizem (imaginarás como me é difícil falar destas coisas, a mim, que não sei crescer): durante os cinco primeiros anos da nossa vida sofremos transformações infinitamente mais importantes - quantitativa e qualitativamente - do que durante os setenta ou noventa anos restantes. Ser-se uma criança imutável é um círculo quadrado: o auge é mais rápido que a decadência e a decadência é um auge que começa a afrouxar. Ai, Wendy, que só queria ensinar-te a voar, falar-te dos piratas, índios e feras da Terra do Nunca, e aqui me tens, a dar-te uma lição de matafísica sobre o problema do tempo! Mas não te vás a baixo. minha menina:vamos subir, subir...
Deixa-me falar-te do Capitão Gancho, que mais não seja para amenizar a nossa travessia até à Terra do Nunca. O Gancho, que é um bom pirata, quer dizer, muito mau, traiçoeiro, presunçoso, fanfarrão e amigo do alheio, o Gancho é eternamente perseguido por um crocodilo. O bicho comeu-lhe uma vez o braço esquerdo, com relógio e tudo, e tão bem lhe soube que já não pensa senão comer-lhe o resto. Mas o tiquetaque do relógio que engoliu previne o Gancho de que o seu inimigo se aproxima: e ele vive a fugir, o pobre, desse relógio que quer devorá-lo e que um dia ou outro há-de consegui-lo. Comigo passa-se a mesma coisa, não te dás conta? O Gancho e eu somos irmãos de crocodilo e de Terra do Nunca, irmão de princessa índia raptada, irmãos do tempo livre e aventura, irmãos improdutivos, de rapina audaciosos, ligeiros, volúveis, supérfluos...Ninguém entende o Gancho como eu o entendo e ninguém me entendo como ele me compreende: por isso somos inimigos mortais, já que também o ódio é uma forma de parentesco, e não a menos nobre, por minha fé. Perguntas-me que crocodilo é esse que traz o relógio na sua pança? Por favor, Wend, há já um bocado que não te tenho estado a falar de outra coisa: és tu o crocodilo que segue o meu rasto pelas águas bravias da Terra do Nunca, és tu o crocodilo que envenena a eternidade inverossímil qye reinvidico, és tu a aliada daquilo que há-de desenterrar-me para a maturidade..minha doce, ansiosa e ansiada, minha fugaz Wendy!"

Fernando Savater, em Criaturas do ar, Enciclopédia moderna de Filosofia
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

"Para chegar à Terra do Nunca, não precisamos de nos transportar, mas de nos transformar, e isso é coisa que as agências de viagens não resolvem."

Adorei, Cody! :)

Ainda bem que gostas-te :)

Estava a ler o livro e quando acabei este monólogo simplesmente pousei o livro e perdi-me em pensamentos.

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I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

sofiagov
Citação de: cepticooucrente em 04 setembro, 2015, 14:11
"Para chegar à Terra do Nunca, não precisamos de nos transportar, mas de nos transformar, e isso é coisa que as agências de viagens não resolvem."

Só por isto que escreveste ...duas "beijufas nas boxexas"... ;D ;D ;D


I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

sofiagov
#6
Ao rapaz das estranhas collants verdes....ahahahaha



Hahahahah! Tão giro o Peter Pan... :)

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Claro Cody, mas isso nem se fala... ::) :D

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Claro que sim! E eu que o diga, que te vejo sempre, e tudo... ::)

;D

sofiagov
O cody não usa collants...é mais gravata viaja pela terra do nunca, compondo uma musíca que nos eleva a alma até à terra do amanhã... :) :) :)

Muito gosto de Fernando Savater... excelente partilha!
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

Por acaso  comecei a ler este livro à pouco tempo e adoro a maneira como depois de ler um monólogo te perdes nos pensamentos :)
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"