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  • pensar na morte para reflectir a vida
    Iniciado por sofiagov
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sofiagov


https://vimeo.com/131376602
Coda é uma curta-metragem de animação produzida pelo estúdio irlandês "And Maps And Plans".
Realizada por Alan Holly, este filme de apenas 9 minutos já ganhou mais de 20 prémios e está indicado para o Óscar de melhor curta-metragem de animação.
Coda conta a história de um homem que morre depois de ser atropelado e que tenta negociar com a morte para que possa viver durante mais tempo, embarcando numa fascinante viagem de reflexão sobre o que não aproveitou em vida.
Um filme incrivelmente simples e tocante, que nos faz pensar sobre a morte e a forma como aproveitamos a vida.


A morte nos faz pensar na vida

A morte nos coloca diante da mais simples verdade, a única certeza absoluta que nem mesmo o céptico mais obstinado pode duvidar.
A dor que nos dilacera nestes momentos não cabe em palavras. Só nos resta senti-la, suportá-la e manifestá-la. O que dizer ao pai e mãe que perdem o(a) filho(a)? Como confortar o(a) filho(a) diante do falecimento do pai ou da mãe?

O que falar aos que choram pela morte dos entes mais queridos? Não é fácil. Por mais sincero que seja o que proferimos em tais circunstâncias, não é suficiente para aliviar a dor e ainda pode soar formal. Não esqueço do pai cujo filho morreu afogado: abracei-o e senti o seu corpo tremulo.

Meu abraço expressou toda a solidariedade que cabia em mim naquele momento, mas fui incapaz de pronunciar qualquer palavra. E se o dissesse, ela não expressaria mais do que o meu gesto.

A morte também é elucidativa. Ela ensina, mostra o quanto somos frágeis e explicita a efemeridade da vida. Não podemos confiar no amanhã, pois nada nos garante que estaremos vivos. No entanto, precisamos nos iludir, pois é insuportável imaginar a ausência do ser no dia que segue. Assim, nos entregamos à rotina e esta nos oferece uma espécie de segurança ontológica.


Precisamos acreditar que outro dia virá, que estaremos entre os nossos e eles estarão conosco. E isto é ainda mais necessário porque não se trata apenas da vida e morte do "eu". Não é tão difícil aceitar a própria finitude, é muito mais doloroso perder o "outro" que nos completa. Até aceitamos a invitabilidade da morte do "eu", mas é dilacerante a experiência da partida dos que amamos. Talvez por isso tenhamos tantas dificuldades em pensar sobre a morte. Muitas vezes este é um assunto interdito, um tabu. Já fui chamado a atenção por volta-e-meia tratar deste tema.

Reflectir sobre a morte é, entre outros aspectos, reconhecer o quanto é risível a nossa presunção. Somos natureza, mas arrogantemente almejamos a eternidade. Ao vivermos como se eternos fossemos não percebemos o tempo precioso que se esvai a cada segundo. As coisas mais simples da vida, os detalhes que nos realizam em toda a plenitude do nosso ser são, muitas vezes, relegados a plano secundário.

E assim esgotamos o tempo que temos com o superflúo, a mesquinhez e a arrogância. Será que fazemos jus ao exíguo tempo que nos é oferecido a cada dia? Muitas vezes o que parece importante não é o essencial. O poeta Horácio aconselhava: Carpe diem quam minimum credula postero (Colhe o dia, confia o mínimo no amanhã). Devemos valorizar cada segundo como se fosse o último.



O amanhã é um tempo que não nos pertence, mas como viver sem olhar para o passado e sem a esperança no futuro? Se podemos sonhar e imaginar o amanhã, como restringir-se ao presente? O escapismo pode se revelar ineficaz. Somos racionais, mas também seres de emoções e sentimentos.

Como escreve Milan Kundera: "Penso, logo existo é um afirmação de um intelectual que substima as dores de dente. Sinto, logo existo é uma verdade de alcance muito mais amplo e que concerne a todo o ser vivo".* Ele se refere à dor física, mas também há a aflição pela perda do ser amado. Então, o "eu" dilacera-se e o sofrimento acentua dolorosamente a existência. O "eu" dilacerado deixa de ser pleno. É um "eu" partido, pois parte de mim extingui-se com o "outro" que se foi. A perda de quem amamos esfacela o "eu". De certa forma, morremos também. Porém, permanece a possibilidade de reincorporar. A memória do "outro" vive em mim, e se o sinto presente encontro forças para suportar a dor. Não esquecê-lo é evitar a sua segunda morte. Sofrer é próprio do humano, mesmo assim é preciso perseverar. A vida continua e nos desafia a vivê-la plenamente e merecê-la.


A morte nos faz reflectir
Nada como a morte para nos lembrar da fragilidade da vida.
Tantos orgulhos, tantas ambições, tantas vaidades, tantos melindres.
Para que tudo isso?
Para um túmulo.

E é diante da finitude da vida, que não tem dia, hora ou prazo para chegar, que nos perguntamos: o que estamos fazendo da nossa vida? Para onde estamos indo? Será que o rumo que tomamos é o correto?

A morte em si não me assusta, mas sim o que ela representa.
As vezes a separação física de alguém a quem amamos; em outras o interromper de sonhos; em outros momentos o desafio de encarar a si mesmo, seus equívocos.

Mas em outras vezes a morte nos fala de amor.
Nos lembra de como perdemos tempo não amando, não estando junto de quem se gosta, preocupados com coisas fúteis quando o importante mesmo está ao nosso lado, ali, bem perto.


Quanto tempo perdemos com sentimentos de medo, culpa, desamor.
Tempo precioso de estar com quem se ama, construindo no dia a dia uma convivência.
Compartilhando experiências, confidências, medos.
Um olhar, um tocar de mãos, um sorriso cúmplice.

Amar o outro na sua diversidade, diferença, igualdades, convergências.
Isso para mim é amar.

Se queres bem empregar tua vida, pensa na morte

A única certeza absoluta que podemos ter nas nossas vidas é a de que vamos morrer. O ser humano é o único animal deste planeta que tem a consciência de que seus dias estão contados.



Nossa civilização ocidental, seja por meio da religião ou da ciência, luta desesperadamente, não somente para evitar o momento de nosso último suspiro, mas especialmente para superá-lo. A maioria de nós crê em um tipo de vida após a morte, seja em um céu de tranquilidade ou em um inferno de danações. Com as doutrinas orientais, aprendemos ainda a imaginar um lugar onde, após cerrarmos os olhos em definitivo, esperaremos uma próxima encarnação. Mesmo os ateus nutrem uma espécie de esperança graças à medicina, que tem conseguido prolongar a vida humana através de suas mais recentes descobertas.

Sem discutir os méritos ou as verdades particulares de nenhuma crença, o fato é que nós temos medo de morrer. A cruel incerteza sobre nosso futuro no além-túmulo – qualquer que seja ele – nos aterroriza, e nos faz evitar a morte mesmo em pensamentos. A saída para esse medo é não pensar mais nisso, é esquecer que um dia vamos morrer.

Aqui cabe um parêntese. Nós somos, em maior ou menor intensidade, seres controladores. Gostamos de planejar, de pensar no futuro. Trabalhamos com metas, traçamos objetivos – ainda que nem sempre consigamos atingí-los. Erramos, falhamos, mas começamos de novo, com outros métodos e novas tentativas. Não que essa busca pelo controle seja ruim. Se não forem obsessivos, o planejamento e a organização, sem dúvidas, nos trazem benefícios.

Entretanto, a morte talvez seja o único evento em nossas vidas que foge totalmente ao nosso controle. Podemos usar expedientes para evitá-la em determinados momentos, para adiá-la em certas circunstâncias, mas nunca para eliminá-la.


Essa absoluta falta de controle que temos sobre a morte nos frustra terrivelmente. E nos apavora.
Acontece que a morte, como bem sabemos, é inevitável. E é essa inevitabilidade, justamente essa inexorabilidade, que deveria nos fazer viver uma vida mais plena, mais produtiva, mais feliz. Pensar na morte deveria nos fazer viver melhor.

Sejamos felizes, vivamos!


http://www.youtube.com/watch?v=clKnAG2Ygyw

Morte e Vida Severina em Desenho Animado é uma versão audiovisual da obra prima de João Cabral de Melo Neto, adaptada para os quadradinhos pelo cartoonista Miguel Falcão. Preservando o texto original, a animação 3D dá vida e movimento aos personagens deste auto de natal pernambucano, publicado originalmente em 1956.
Em preto e branco, fiel à aspereza do texto e aos traços dos quadradinhos, a animação narra a dura caminhada de Severino, um retirante nordestino, que migra do sertão para o litoral pernambucano em busca de uma vida melhor.


antonio-ozai.blogspot e chiadomagazine e mudandoavistadoponto e baudeossos.wordpress

O conceito de morte que está patente neste texto é o da morte física. No entanto, acredito que pensar sobre a morte, não apenas no seu sentido físico, mas também no seu sentido simbólico (e.g., amigos que deixam de o ser, emprego que se perde, doenças que surgem) permite igualmente uma grande reflexão na nossa vida.

Talvez não seja por acaso que o Budismo nos convide a que fazer uma contemplação/meditação sobre a morte todos os dias, para adquirirmos uma noção de morte menos superficial. Ao fazê-lo, acabamos por refletir mais sobre as pequenas coisas da vida e nos tornamos bem mais conscientes da impermanência da vida.
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

sofiagov
exactamente Faty,  este acto simbólico apenas é uma mudança ...

pensar na morte diariamente como acto de pensar na impermanência da vida é tremendamente "cansativo".... :)

#3
Pensar que na vida nada é definitivo, ajuda-nos a organizar a própria vida e aceitar as mudanças.
Tópico muito bom. Parabéns Sofiagov.
Iei Or (faça-se luz)
Shalom Aleichem

Puca
Se conseguir-mos encarar a morte como uma libertação, um renascimento do "outro lado", não é assim tão "cansativo", pelo contrário torna-se relaxante ter a consciência de que somos imortais de que estamos apenas aqui de passagem.

O obstáculo, são os apegos ao material, ao físico, aos nossos 5 sentidos: não vejo, não sinto, não cheiro...logo, não existe.. Mas tal como tudo, é treino. :)

Sabes os povos que celebram a morte, em vez de a chorarem? Têm esta visão da imortalidade tão enraizada na sua cultura que olham para ela como uma libertação. Na nossa cultura é o oposto, vê-se como um fim, uma perda, um sofrimento, por isso é mais difícil de ultrapassar este conceito negro de morte.

sofiagov
#5
Citação de: Puca em 06 julho, 2015, 10:06
Se conseguir-mos encarar a morte como uma libertação, um renascimento do "outro lado", não é assim tão "cansativo", pelo contrário torna-se relaxante ter a consciência de que somos imortais de que estamos apenas aqui de passagem.

O obstáculo, são os apegos ao material, ao físico, aos nossos 5 sentidos: não vejo, não sinto, não cheiro...logo, não existe.. Mas tal como tudo, é treino. :)

Sabes os povos que celebram a morte, em vez de a chorarem? Têm esta visão da imortalidade tão enraizada na sua cultura que olham para ela como uma libertação. Na nossa cultura é o oposto, vê-se como um fim, uma perda, um sofrimento, por isso é mais difícil de ultrapassar este conceito negro de morte.

depende da perspectiva Puca...e da forma de pensar nisso...é tudo uma questão de visualização do tema.... ;D

obviamente que cada cultura cultiva a sua tradição e apego ...seja à vida seja à morte...

Citação de: sofiagov em 06 julho, 2015, 09:32
pensar na morte diariamente como acto de pensar na impermanência da vida é tremendamente "cansativo".... :)

É esgotante. :)

Bonita reflexão, este tópico. :)




CitaçãoReflectir sobre a morte é, entre outros aspectos, reconhecer o quanto é risível a nossa presunção. Somos natureza, mas arrogantemente almejamos a eternidade. Ao vivermos como se eternos fossemos não percebemos o tempo precioso que se esvai a cada segundo. As coisas mais simples da vida, os detalhes que nos realizam em toda a plenitude do nosso ser são, muitas vezes, relegados a plano secundário.

E assim esgotamos o tempo que temos com o superflúo, a mesquinhez e a arrogância. Será que fazemos jus ao exíguo tempo que nos é oferecido a cada dia? Muitas vezes o que parece importante não é o essencial. O poeta Horácio aconselhava: Carpe diem quam minimum credula postero (Colhe o dia, confia o mínimo no amanhã). Devemos valorizar cada segundo como se fosse o último.

Um bom tema para reflectirmos quando de um momento para o outro o nosso País foi vítima de um incêndio fora do comum.