Bem-vindo ao Portugal Paranormal. Por favor, faça o login ou registe-se.
Total de membros
19.063
Total de mensagens
369.401
Total de tópicos
26.900
  • Como escrever um soneto
    Iniciado por Faty Lee
    Lido 3.340 vezes
0 Membros e 1 Visitante estão a ver este tópico.
Como escrever um soneto

Aproveitei a crítica construtiva do rabugento num poema, para criar este tópico. Espero, sinceramente, que vos possa ser útil.


Ensinar as regras a alguém que pretende escrever uma poesia é um desaforo, já que cada verso produzido resulta da inspiração, que para além de ser individual, é uma manifestação livre do pensamento. Por outras palavras, não podemos pedir a um poeta que seja "metódico" nos seus versos. O poeta é que deve ter a iniciativa para seguir ou não as regras que existem nos sonetos.

Um soneto, é uma obra curta criada para transmitir uma mensagem nos seus catorze versos divididos em dois quartetos (grupo de quadro versos também designado de quadra) e dois tercetos (três versos) ou então três quartetos e um dístico (dois versos).

Três regras principais podem ser identificada:

1) Métrica

Os versos devem ter a mesma métrica, ou seja o mesmo número de silabas poéticas, que são diferentes das sílabas comuns. É possível unir duas ou mais palavras numa sílaba poética apenas. Exemplo:

"Busque amor, novas artes, novo engenho..." (Luís de Camões)

Leia o verso devagar, como se fosse uma só palavra e vá contando quantas pausas existem até à última sílaba tónica.

|Bus| que a |mor|, no| vas |ar |tes, no |vo en |ge| nho|.

Você encontrou as dez sílabas poéticas?

Repare que a expressão "busque amor", ao invés das quatro sílabas comuns (bus-que-a-mor), tem na poesia apenas três sílabas. Costuma-se ensinar as sílabas poéticas como sendo a forma em que são "ouvidos" os versos, por isso a sonoridade é importante em um soneto

Versos com dez sílabas poéticas são chamados decassílabos. Outra forma famosa de escrever são os versos alexandrinos ou dodecassílabos (doze sílabas), conforme exemplo:

"Sinto que há na minha alma um vácuo imenso e fundo..." (Machado de Assis)

Tente perceber as doze sílabas. Se não conseguir, veja abaixo como o verso é dividido.

|Sin| to |que há| na |mi nha al| ma um| vá| cuo i |men |so e| fun| do!

2) Rima

Além do número de sílabas, outra caraterística importante do soneto é a ordem em que os versos rimam, ou posicionamento de rimas. Para os quartetos, existem três formas principais de posicionamento:

Rimas entrelaçadas ou opostas - abba (o primeiro verso rima com o quarto, o segundo rima com o terceiro):

"Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável..." (Augusto dos Anjos)

"Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado..." (Gregório de Matos)

Rimas alternadas - abab (o primeiro verso rima com o terceiro, o segundo rima com o quarto):

"Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha..." (Olavo Bilac)

"Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de súbito, tristonho,
é porque às vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho..." (Martins Fontes)

Rimas emparelhadas - aabb (o primeiro verso rima com o segundo, o terceiro rima com o quarto):

"No rio caudaloso que a solidão retalha,
na funda correnteza na límpida toalha,
deslizam mansamente as garças alvejantes;
nos trêmulos cipós de orvalho gotejantes..." (Fagundes Varela)

"Nada vai separar; existem laços.
Nem vai desenlaçar, nem nos espaços
Entre os passos que, juntos, damos sós,
Nem antes dos abraços, nem após..." (Bernardo Trancoso)

Os tercetos, por sua vez, são mais flexíveis em relação ao posicionamento das rimas. Fernando Pessoa, por exemplo, usou a estrutura cdc ede nos tercetos a seguir:


"Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?..."

William Shakspeare, por sua vez, escrevia, ao invés de dois tercetos, um quarteto e um dístico (cdcd ee).

"But thy eternal Summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow'st,
Nor shall Death brag thou wander'st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow'st,

So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee..."

Outros exemplos de posicionamento de rimas nos tercetos são cde cde, um dos mais famosos, cde edc e também cce dde. Escolha o que achar melhor para o seu soneto.

Exemplo de rimas cde cde nos tercetos:

Estranhos momentos antes de partir
A aurora levantou-se do Suão
Para me olhar firme sem pudor!

Estarei aqui eu a sorrir
Para me esquecer do perdão
Ou apenas para me alienar da minha dor? (Faty Lee)

Exemplos de rimas cde edc nos tercetos:

Uma miragem outrora real
Se afigurou na minha mente
Escoltando todo o meu ser...

Desbravou um entardecer
Num espectro de luz quente
Deixando no ar o sinal! (Faty Lee)

Exemplo de rimas cce dde nos tercetos:

Um eterno sentimento
Tão grande como o pensamento
Que me faz continuar.

Sinto uma alegria estranha
Uma paz longa e tamanha
Mesmo depois dos olhos fechar. (Faty Lee)

Exemplo de rimas ccd ccd:

A lua contempla e vê o meu sofrer
Nesta agonia de tanto querer
Que me lança na morbosidade.

Observa o meu íngreme desvanecer
Sopra o meu pensamento para o embevecer
E me esquecer desta terrível saudade. (Faty Lee)

Mas, há poetas que optam por fazer versos de apenas uma sílaba, sem rima:

"Negro jardim onde violas soam
e o mal da vida em ecos se dispersa:
à toa uma canção envolve os ramos
como a estátua indecisa se reflete..." (Carlos Drummond de Andrade)

3) Sonoridade

O último componente importante de um soneto é a sonoridade, isto é, onde estão as sílabas tónicas (ou fortes) de cada verso. Quando combinadas, essas sílabas fazem com que o soneto se pareça com uma suave canção. Quanto à sonoridade, os versos decassílabos classificam-se em dois tipos: heróicos e sáficos.

"Já Bocage não sou!... À cova es~rabo~ra
Meu estro vai parar desfeito em vento..." (Bocage)

Esses são versos decassílabos heróicos, porque as sílabas poéticas tónicas são a sexta e a décima, indicadas em negrito. Todos os 8816 versos de "Os lusíadas" são decassílabos heróicos.

Um verso decassílabo sáfico, por sua vez, reforça a quarta, a oitava e a décima sílaba poética:

"Vozes veladas, veludosas vozes..." (Cruz e Souza)

Finalmente, os versos alexandrinos possuem a quarta, a oitava e a décima-segunda sílaba poética como sílabas fortes, ou a sexta, a décima e a décima-segunda.


Como podem ver, tudo tem um fio condutor e por isso o poeta pode brincar com as palavras em função daquilo que pretende! Boas poesias!

Fonte: sonetos.com.br
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334

Tive um Deja Vú das minhas aulas de português do 9º e 12º ano! ;D

Obrigado por partilhares, da minha parte já não me lembrava de metade :)
I see now that the circumstances of one's birth are irrelevant, is what you do with the gift of life that determines who you are"

#2
Tópico excelente amiga Faty Lee, muito bem explicito! :) Beijoca!
Os teus segredos mantêm-me pacifico, as tuas mentiras mantêm-me seguro, estás satisfeito com a minha ignorância?

Citação de: lly0d em 03 abril, 2015, 17:01
Tópico excelente amiga Faty Lee, muito bem explicito! :) Beijoca!

É apenas informação que pode ser útil quando nos dão as "pancadas", nada mais do que isso :)
..."no woman no cry... cause when one door is closed, many more is open"...
Membro nr. 34334


Bom tópico para quem gosta de escrever com rigor :)